'PL do estuprador': Câmara usa aborto para dar resposta a Moraes
O projeto que criminaliza o aborto a partir de 22 semanas de gestação e equipara a pena à de homicídio tem o potencial de proteger o estuprador e foi apresentado na Câmara como resposta a uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
A votação do caráter de urgência —quando o projeto não passa por comissões— foi pautada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), como o pagamento de uma promessa por votos pela sua reeleição à Presidência da Casa, em 2023, diz o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), autor da proposta.
Sóstenes afirma que apelidar a iniciativa como "PL do estuprador" é "coisa de feminista e abortista". No entanto, advogados criminalistas dizem que a proposta agride as vitimas de estupro ao propor a elas punição maior que a do agressor. Afirmam também que o projeto pode intimidar as denunciantes, o que acaba por beneficiar o estuprador, em especial o pedófilo.
"O PL do estuprador, no final das contas, trata com pena maior a mulher vítima de estupro que faz um aborto depois de 22 semanas, do que o estuprador. O estupro de uma criança é punido com pena de 8 a 15 anos. E homicídio — agora a pena do aborto— vai ser de 6 a 20 anos", diz o advogado criminalista André Perecmanis.
A proposta avançou na Câmara na quarta (12). Ontem, manifestantes protestaram em ao menos quatro capitais: São Paulo, Rio, Florianópolis e Brasília.
Alexandre de Moraes e o CFM
O PL foi apresentado por Sóstenes em 17 de maio, mesma data em que Alexandre de Moraes suspendeu uma norma do CFM (Conselho Federal de Medicina) que restringia o aborto legal resultante de estupro após 22 semanas — assim como o que determina a proposta do parlamentar. A legislação atual não prevê limite temporal para a interrupção da gravidez por estupro.
À coluna, o deputado diz que, como Moraes "resolveu dar celeridade" à ação, ele apresentou o projeto.
Acordo pela reeleição de Lira
Sóstenes diz que Lira pautou a urgência do projeto por causa de um acordo para que ele tivesse votos suficientes para ser reeleito presidente da Câmara.
A promessa de Lira foi a de pautar o "Estatuto do Nascituro", segundo Sóstenes. O projeto qualifica o aborto como crime hediondo, inclusive nos casos em que é autorizado: estupro, anencefalia e risco à vida da mãe.
"O que foi conversado com Lira foi um projeto pior que esse, o Estatuto do Nascituro. Na reeleição dele. Ele assumiu o compromisso com a Frente (Evangélica) de pautar o estatuto. Para dar uma amenizada, a pedido do próprio Lira, estamos pautando esse", diz Sóstenes.
Proteção ao estuprador
Advogados alertam que o projeto de lei pode proteger o estuprador, principalmente no caso dos pedófilos.
Por exemplo: uma garota de 11 anos que já menstrua é vítima de violência sexual e não conta para os pais. Eles descobrem o crime quando a gestação está avançada por causa da barriga que cresceu. Como o aborto não é uma opção, a família —principalmente aquela em situação vulnerável — decide manter a gestação e fica mais suscetível a não procurar a polícia. Dessa forma, o abusador acaba sendo beneficiado.
"É realmente o PL do estuprador. Quando você tem um estupro e a mulher vai para o sistema de saúde fazer aborto legal, existe uma notificação compulsória (do hospital para a polícia) e uma investigação. O abusador pode ser identificado. Se criminalizar, a mulher não vai procurar o sistema de saúde", diz a advogada Maíra Recchia, especialista em questões de gênero.
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Quero receberPara o presidente do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), Renato Vieira, "o projeto escolhe um lado: o de desproteger a criança e a adolescente".
Segundo Carina Quito, advogada criminalista e mestre em processo penal pela USP, as maiores vítimas de estupro são as crianças. "Elas são mais facilmente abusadas e têm mais dificuldade em perceber os efeitos que um ato sexual não consentido pode ter no próprio corpo. Meninas muitas vezes podem não saber que estão grávidas."
Ela acrescenta que a vítima muitas vezes se sente culpada pelo crime. Criar um ambiente hostil, afirma, pode provocar uma redução geral no número de denúncias.
"É evidente que elas vão ficar cada vez mais retraídas no que diz respeito a comunicar (o crime), mesmo as que não estejam procurando um hospital para abortar. Acaba tendo esse efeito de o estado perseguir menos os infratores."
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