Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Fake News sobre cidade perdida de Ratanabá não é piada, é um perigo
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Há alguns dias foi introduzido um elemento novo no debate político, a história sem nenhum respaldo científico de uma civilização perdida na Amazônia que teria sido a capital mundial há 450 milhões de anos. Se você não está no grupo político radicalizado onde circula essa teoria conspiratória, provavelmente rolou de rir com ela. Sinto dizer que não é para rir, é para chorar.
O uso de teorias conspiratórias na política não é novo, mas nos últimos anos chega a grupos políticos que têm vitórias eleitorais muito significativas em vários países. Esta semana, o secretário especial da cultura, Mario Frias, revelou que há dois anos teve uma reunião com o místico Urandir Fernandes de Oliveira.
As teorias dele têm sido desmentidas à exaustão pela imprensa e o místico tem sido ridicularizado e subestimado. Os relatos são realmente risíveis e facilmente desmentidos, mas isso não diminui o poder exercido sobre os grupos que o seguem fielmente. A chegada dessa dinâmica ao cenário político é extremamente preocupante.
Nem só de convencimento e verdades se faz a convivência humana. Em tempos de redes sociais e polarização tóxica, não podemos subestimar o poder catalisador de teorias da conspiração.
Urandir Fernandes de Oliveira ficou conhecido do grande público há 12 anos, quando uma emissora de televisão fez a fatídica reportagem com o ET Bilu, que virou hit na internet pelo ridículo. Enquanto isso, ele arregimentava uma legião de seguidores dispostos a investir em Zigurats, "cidade" que criou no município de Conguinhos, no Mato Grosso do Sul, famosa pelas casas redondas que parecem iglus pós-modernos. Os habitantes se preparam para um cataclisma, acreditam em extraterrestres e na tese da "terra convexa", bem semelhante ao terraplanismo.
Também lançou uma criptomoeda, a BDM Digital, que pode ser comprada por aplicativos disponíveis na Apple Store e no Google Play, além de ter espaços publicitários comprados em grandes veículos brasileiros. Apesar da desconfiança do mercado, o material publicitário garante que é um excelente negócio.
Há poucas semanas, perfis que simulam portais jornalísticos nas redes sociais ressuscitaram a história de Ratanabá. Efetivamente houve uma descoberta científica sobre civilizações ancestrais na Amazônia brasileira por meio de satélites, mas o fato foi rapidamente distorcido para fazer parecer uma confirmação da teoria conspiratória. Ela explicaria desde o interesse internacional no território até o desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira, o que é falso. O uso político desse movimento de redes sociais é perigoso.
Olavo de Carvalho utilizava teorias conspiratórias como um teste de fidelidade dos seguidores. Ao falar do terraplanismo, por exemplo, não tentava o convencimento, mas abria espaço para a dúvida sobre o que é comprovado e sobre o próprio método científico. Não afirmava que a terra é plana, mas plantava a dúvida sobre as descobertas científicas.
Mario Frias opta pelo mesmo caminho em sua campanha para deputado federal. Em momento algum tenta convencer de que Ratanabá existiu, investe em criar a dúvida. Diz que teria viajado até o local mas não foi por questão de saúde, descredencia opiniões de quem duvida da história sem visitar o lugar.
Aqui não se trata de convencimento, mas da criação de dúvidas sobre fatos e verdades. Trata-se de uma forma muito eficiente de testar a aderência dos seguidores. Se eles não contestam prontamente absurdos como Ratanabá, significa que estão prontos a relaxar os limites cognitivos sobre uma infinidade de outros temas.
Não contestar é o passe para fazer parte do grupo sectário, que tende a ver toda institucionalidade como uma grande conspiração e justificar qualquer atitude para derrotar os inimigos que constrói. É urgente aprender a lidar com esses grupos e dar às teorias conspiratórias a importância política que elas já têm.
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