Natália Portinari

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Reportagem

Zanin, do STF, aponta graves indícios de 'comércio de decisões do STJ'

O ministro Cristiano Zanin, do STF (Supremo Tribunal Federal), apontou graves indícios da existência de um esquema de "verdadeiro comércio de decisões judiciais no Superior Tribunal de Justiça", em sua primeira decisão a respeito dos fatos investigados pela Polícia Federal.

"A gravidade concreta dos casos narrados mostra-se até aqui manifesta, exigindo pronta resposta desta Suprema Corte", escreveu Zanin. O caso foi para o STF depois que um relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) detectou suspeitas do envolvimento de uma autoridade com foro privilegiado no caso. O nome dessa autoridade não foi citado por Zanin no documento.

Na decisão, Zanin determinou a prisão preventiva do lobista Andreson de Oliveira Gonçalves, citado como o chefe do esquema criminoso, e autorizou busca e apreensão contra três assessores de ministros do STJ. A operação foi deflagrada na última terça-feira (26).

Andreson se apresentava em Brasília como advogado, mas não tinha carteira profissional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Os diálogos do lobista mostram que ele exibia proximidade com servidores e magistrados, tinha acesso a minutas antecipadas de decisões de ministros do STJ e dizia ter o poder de influenciar essas decisões.

A PF descreveu suspeitas de atos ilícitos de Andreson na tramitação de doze processos do STJ, que incluíam a obtenção de minutas antecipadas e diálogos sobre pagamentos a servidores do tribunal. De acordo com as investigações, ele atuava em conjunto com sua mulher, a advogada Mirian Ribeiro Gonçalves, que ingressava formalmente nos autos, enquanto o lobista trabalhava por fora.

Com base nos fatos apresentados pela PF, Zanin apontou que a atuação ilícita de Andreson se manteve em datas recentes, o que justifica a sua prisão preventiva.

"A atuação do investigado Andreson de Oliveira Gonçalves é demonstrada de forma veemente nos autos, revelando-se bastante indiciária sua decisiva função no verdadeiro comércio de decisões judiciais no Superior Tribunal de Justiça. Seu destaque e sua posição de comando e ingerência sobressaem", escreveu o ministro.

As suspeitas envolvendo a atuação de Andreson de Oliveira Gonçalves chegaram ao conhecimento dos investigadores após o assassinato do advogado Roberto Zampieri, no fim do ano passado, em Cuiabá.

O Ministério Público apreendeu o celular do advogado assassinado para apurar o crime e constatou diálogos envolvendo venda de decisões de desembargadores de Mato Grosso. Por isso, o material foi enviado ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e compartilhado com a Polícia Federal.

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Os investigadores, então, descobriram os diálogos de Zampieri com Andreson sobre venda de decisões do STJ e de outros tribunais. Andreson compartilhava minutas antecipadas de decisões do STJ e dizia ter influência sobre assessores do tribunal.

Rede de contatos

A investigação da PF aponta que o lobista montou uma "rede de contatos" no Judiciário para atuar na venda de decisões. e apresentou detalhes sobre a relação de proximidade com magistrados.

"Os relatos descortinam indícios de que Andreson de Oliveira Gonçalves, casado com a advogada Mirian Ribeiro Rodrigues de Mello Gonçalves, estabeleceu rede de contatos com magistrados e assessores de ministros do Superior Tribunal de Justiça e de integrantes dos Tribunais de Justiça, bem como com uma série de intermediadores, a fim de auferir benefícios derivados de decisões judiciais e informações privilegiadas", escreveu Zanin.

O ministro aponta que a função de "destaque e comando" de Andreson na estrutura criminosa foi detalhada pela Polícia Federal. "Pelo que se apurou, na condição de empresário organizador do esquema ilícito, ele era responsável por intermediar interesses criminosos entre advogados e servidores públicos do STJ", apontou o ministro.

Os diálogos do lobista mostram "solicitações de vantagem econômica indevida por parte de Andreson e Mirian, ambos com pleno domínio associativo".

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O UOL já revelou que, por exemplo, Andreson disse nos diálogos ter ganhado R$ 19 milhões com uma vitória judicial no STJ em um processo do grupo J&F. O grupo nega ter contratado o lobista.

Ao longo dos últimos anos, ele construiu um patrimônio milionário, como mostrou reportagem do UOL.

O lobista também vendia ter influência sobre o ministro do STF Kassio Nunes Marques, como mostram diálogos revelados pelo UOL.

A PF havia pedido busca e apreensão contra cinco servidores do STJ. O ministro Cristiano Zanin, entretanto, considerou que os indícios eram mais sólidos em relação a três assessores, e rejeitou as buscas contra os outros dois.

Foram alvos de buscas Daimler Alberto de Campos, chefe de gabinete da ministra Isabel Gallotti, e Rodrigo Andrade, chefe de gabinete do ministro Og Fernandes. Eles também foram afastados do exercício das funções públicas. Outro funcionário do STJ alvo da PF é Márcio José Toledo Pinto, que já atuou como assessor nos gabinetes de Isabel Gallotti e Nancy Andrighi. Ele já estava afastado por um Procedimento Administrativo Disciplinar aberto pelo próprio STJ.

Mato Grosso

O ministro Cristiano Zanin também autorizou, em outra decisão, medidas contra os envolvidos em suspeitas de venda de decisões no TJ-MT (Tribunal de Justiça de Mato Grosso), outro ramo de atuação em que o lobista é investigado.

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Os desembargadores João Ferreira Filho e Sebastião de Moraes Filho, que já haviam sido afastados, foram alvos de busca e apreensão. Zanin impôs também o monitoramento eletrônico — uso de tornozeleira eletrônica — aos dois magistrados.

Na decisão, o ministro do STF cita indícios relatados pela PF de que João Ferreira Filho recebia vantagens financeiras dos investigados.

"Há consideráveis elementos apontando para possíveis solicitações e recebimentos de vantagens financeiras indevidas, obtidas por força do cargo de desembargador que João Ferreira Filho exerce", relatou o ministro.

Zampieri teria conversado com o desembargador sobre presenteá-lo com um relógio da marca Patek Phillipe, por exemplo. "Eu vou levar esse para o senhor ver, amanhã ou sexta", disse o advogado ao magistrado em uma das mensagens sobre o acessório.

Em outra conversa, "o desembargador enviou e deletou mensagem destinada a Roberto Zampieri, no contexto de uma conversa sugestiva da existência de valores monetários a serem supostamente entregues ao investigado João Ferreira Filho", relata Zanin.

"Sim senhor. Eu achei que era pra juntar tudo, somente isso. Por isso nem falei nada ontem, somente isso", escreve Zampieri. E complementa: "Está guardado. Não precisa ficar chateado comigo, apenas não quis ficar levando picado. Mas está guardado, se preferir levo hoje ou transfiro. O rapaz está desesperado. Ele está indo aí".

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Dois dias depois, o desembargador atende Zampieri e decide de forma favorável ao cliente de um advogado parceiro do grupo, Flaviano Kleber Taques Figueiredo, que também foi alvo das buscas desta terça-feira determinadas pelo STF.

As mensagens entre Taques Figueiredo e Zampieri chegam a citar "250", valor que, pelo que indicam a conversa, corresponde ao custo de comprar a decisão, R$ 250 mil. "Roberto Zampieri perguntou a Flaviano se este 'consegue os 250 para amanhã'" (...) e, no dia seguinte, "retomou as cobranças de uma possível propina", descreve Zanin.

Em outro momento, Andreson questiona Zampieri sobre o custo de obter uma decisão judicial favorável do desembargador em um caso em que atuava sua esposa, Mirian.

"Pergunta se dá e valor. João Ferreira Filho. Prevento", diz Andreson.

"Ok. À tarde te falo", responde Zampieri.

O lobista também se queixa com Zampieri quando um pedido que ele havia se comprometido a ganhar cai com outro desembargador. O advogado garante que João Ferreira Filho irá reconsiderar a decisão, o que de fato acontece depois.

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"Entendo que os indícios revelados até aqui se qualificam como suficientes para demonstrar o envolvimento de João Ferreira Filho na empreitada criminosa", conclui o ministro do STF.

A decisão cita também indícios de que o desembargador Sebastião de Moraes Filho recebia vantagens de Zampieri e Andreson em troca de decisões. Zampieri envia a ele fotos de barras de ouro de 400g, manda um Pix para o magistrado e discute valores com ele.

Em diversas conversas, Andreson e Zampieri citam a contratação de Mauro Thadeu Prado de Moraes, advogado e filho do desembargador, como uma contrapartida para conseguirem decisões favoráveis em seu gabinete.

O assessor de Sebastião, Rodrigo Vechiato da Silveira, também aparece nos diálogos como um possível intermediário na venda de decisões, assim como o assessor Rafael Macedo Martins, responsável pelas minutas de votos.

O filho do desembargador e seus assessores também são investigados. Em uma conversa analisada pelos investigadores, Rodrigo e Zampieri chegam a discutir, pelo que é possível interpretar do diálogo, a fração de propina que caberia a cada um.

"Você tem ideia do valor que vai vir pra mim? Não entendi, pra mim vai ser 40 mil? Isso? Rodrigo, deixa eu ver outra situação, com o chefe está resolvido. Mas esse valor não manda não. Deixa quieto", diz Zampieri.

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"60 chefe - 20 menino (Rafael Macedo Martins) - 42 imposto. Sobra 127 pra gente", responde Rodrigo.

"Essa vou fazer p [sic] você pela amizade não precisa pagar nada não", diz Zampieri.

"Não não... se você quiser me dar uma participação do seu aceito kkkk, mas é justo passar. Vou te passar 100 sexta. 60 (aprox. 10 mil dólares) + 40. Acabaram de cumprir lá".

"Boa tarde. Cumprir a decisão do TJ, isso?", questiona Zampieri.

A defesa de Andreson e Mirian foi procurada pelo UOL, mas não se manifestou. Os servidores citados não foram localizados para comentar.

Reportagem

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