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Ronilso Pacheco

Trump conta com cristãos brancos como "carta na manga" para votação de hoje

Não se deve descartar o arsenal de votos por trás do presidente Trump. Na foto, museu de Berlim "joga no lixo" estátua de cera do republicano, em ato político - MICHELE TANTUSSI/REUTERS
Não se deve descartar o arsenal de votos por trás do presidente Trump. Na foto, museu de Berlim "joga no lixo" estátua de cera do republicano, em ato político Imagem: MICHELE TANTUSSI/REUTERS

03/11/2020 04h00

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Donald Trump tem percorrido vários estados em apenas um dia, ou em poucas horas, para garantir os últimos votos necessários para sua reeleição como presidente dos Estados Unidos (EUA).

Não há dúvidas de que o candidato republicano está no seu tudo ou nada contra o democrata Joe Biden. Mas Trump também ostenta uma certa segurança, que, olhando de fora pode ser vista como excesso de confiança ou presunção, mas eu, honestamente, me preocuparia com aquilo que pode ser sua (ainda) última trincheira: a mobilização dos cristãos brancos.

Provavelmente o presidente acredita fortemente nisso, a despeito das sensíveis perdas de apoio que tem sofrido entre os evangélicos brancos conservadores nos últimos anos.

No livro "The End of White Christian America" (O Fim da América Cristã Branca, em livre tradução), o jornalista e pesquisador Robert P. Jones chama atenção para algo notável que acontece na última década: pela primeira vez na história, os Estados Unidos deixaram de ser um país de maioria cristã branca.

Isto tem uma série de implicações, inclusive o estímulo a uma reação, mesmo que não organizada, no sentido de "retomar" a América novamente. Ninguém pode desacreditar que o que tem mudado no país, nos últimos 50 anos (desde o assassinato de Luther King), tem perturbado profundamente uma classe social branca, cristã, conservadora, que se acredita ser "a cara do país".

A pesquisa do Public Religion Research Institute apontou que os cristãos brancos eram 54% da população em 2008, mas 47% em 2014. Desde então, essas tendências de declínio continuaram acontecendo, ainda que muito ligeiramente.

Trump tem apoio majoritário no público cristão branco

Mais da metade dos cristãos brancos que não se identificam como evangélicos ou católicos (56%) aprovam o trabalho que Trump está fazendo, assim como 54% dos católicos brancos.

À despeito das 228 mil mortes pela pandemia de covid-19, pela radicalização nos discursos que aumentam a tensão racial no país, e o flerte com grupos supremacistas brancos que têm intimidado manifestantes e apoiadores democratas, o apoio dos cristãos brancos a Trump caiu apenas ligeiramente.

Por outro lado, há uma resistência e um movimento organizado por diversas lideranças evangélicas brancas e conservadoras, muitos que apoiaram e votaram em Trump em 2016, de debandada do apoio ao presidente desta vez. Nomes como a neta do popular e lendário pastor Billy Graham e o conhecido pastor Joe Hunter estão à frente de um esforço coletivo de angariar apoio a Biden nesta eleição.

Contudo, o último relatório do Pew Research Center mostra que Trump ainda tem confortável vantagem sobre Joe Biden entre os evangélicos brancos (78%), protestantes brancos não evangélicos (53%) e católicos brancos (52%).

Negros e judeus estão com Biden

Os evangélicos negros, que se identificam esmagadoramente como democratas ou mesmo com fortes tendências democratas, são o grupo religioso que mais favorece Biden. Aliás, as chamadas Black Churches (Igrejas Negras) têm sido fundamentais para articular a mobilização da comunidade negra a votar. Elas entraram de cabeça nesta eleição, mais que em qualquer outra.

Nada menos que oito em cada dez evangélicos negros dizem que Trump foi um presidente ruim (16%) ou péssimo (63%). Biden também tem preferência da comunidade judaica, que tradicionalmente vota com os democratas.

Nos Estados Unidos, muitos grupos cristãos acreditam firmemente que enfrentam uma luta, uma verdadeira guerra cultural, que envolveria também o futuro de sua fé.

Cristão branco tem em mente missão de "recuperar o país"

Junto com esta percepção, quase que necessariamente, está a ideia da "perda" de seu país como uma nação cristã.

Mas também há desgastes. Em estudo recente sobre as questões que são importantes para os eleitores evangélicos, a imigração surgiu como uma questão mais importante e urgente. Ela superou o aborto, controle de armas e casamento gay.

A imagem e a brutal política de imigração empreendida por Donald Trump, e, em especial, a drástica condição das mais de 500 crianças que estão sob custódia do governo americano, separada de seus pais deportados, foi impactante inclusive para muitos conservadores evangélicos brancos.

Vai ser preciso esperar para saber, mas ninguém deve duvidar da capacidade e da possibilidade que um grupo que se sente ameaçado em sua fé e valores pode, na hora decisiva, determinar o rumo da eleição. Dizem que a democracia americana não sobreviverá a um novo mandato de Trump. Para muitos evangélicos brancos, ele é a única maneira de manter o país como eles se sentem confortáveis.