Thais Bilenky

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Reportagem

Embaixador pede mais cautela nas conversas entre Brasil e Israel

No meio do fogo cruzado entre os governos do Brasil e de Israel, o embaixador israelense em Brasília, Daniel Zonshine, deu uma entrevista exclusiva à coluna em que diz que autoridades dos dois países precisam "escolher as palavras com mais cautela".

Para Zonshine, a fala de Lula comparando a ação de Israel na Faixa de Gaza ao Holocausto e Hitler foi "problemática", mas não pode inviabilizar a relação entre os dois países.

"Temos que deixar as coisas para trás, e não continuar discutindo se tem que dizer ou não tem que dizer [pedir desculpas]", afirma.

Zonshine não quis comentar a decisão de Israel de convocar o embaixador brasileiro para uma reunião no Museu do Holocausto, quebrando o protocolo de fazer essas conversas com discrição e sobriedade. Ele tampouco respondeu sobre publicação da diplomacia israelense no X (ex-Twitter) afirmando que "Lula nega o Holocausto".

"Não fui eu que coloquei isso lá", justificou.

Para o ministro de Relações Exteriores brasileiro, Mauro Viera, a forma como a chancelaria se referiu a Lula "é algo insólito e revoltante". "Uma chancelaria recorrer sistematicamente à distorção de declarações e a mentiras é ofensivo e grave. É uma vergonhosa página da história da diplomacia de Israel, com recurso a linguagem chula e irresponsável", afirmou Vieira a agências de notícias internacionais.

A fala de Lula que deflagrou a crise foi feita no domingo (18), em Adis Abeba, capital da Etiópia. "O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus", declarou o presidente brasileiro.

Depois disso, Netanyahu declarou o petista persona non grata em Israel, e o embaixador brasileiro foi convocado para esclarecimentos no Museu do Holocausto pelo chanceler Israel Katz que, diante das câmeras, mostrou registros de vítimas do Holocausto, inclusive de sua própria família.

O governo brasileiro considerou a reação inadequada e convocou Zonshine para uma conversa reservada com Mauro Vieira, na segunda-feira (19), no Rio de Janeiro.

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O israelense afirma que a conversa foi dura, mas que não escutou a possibilidade de ser expulso do país.

Zonshine acumula desgastes com o governo petista desde o início da guerra entre Israel e Hamas, em 7 de outubro de 2023. O israelense criticou, em entrevista ao site Poder360, a nota do PT chamando a ofensiva de Israel de "genocídio contra a população de Gaza". Zonshine disse que o "PT perdeu a visão de humanidade".

Depois disso, em novembro, o embaixador foi a um encontro com parlamentares de oposição a Lula no Congresso Nacional e sentou-se ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Zonshine afirma que não irá ao ato organizado por Bolsonaro no domingo (25), em São Paulo, embora sua presença tenha sido sugerida pelo porta-voz do ex-presidente, Fabio Wajngarten.

Ele não quis responder se mantém diálogo com Bolsonaro, um aliado de Netanyahu no plano internacional desde quando ocupava o Palácio do Planalto.

"Não quero falar sobre o pessoal, uma família específica. Temos, na sociedade brasileira, amigos de Israel e vamos manter contatos e relações com nossos amigos. Não necessariamente políticos. Aqui tem governo, respeitamos, claro, mas não vamos abandonar amigos em tempos difíceis", afirma.

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A seguir, a entrevista dada por Zonshine à coluna por telefone nesta quarta-feira (21).

Uma reportagem hoje no jornal "O Globo" cogita que o senhor possa ser expulso do Brasil. O senhor foi comunicado dessa possibilidade?

Não ouvi nada, acho que não é uma opção. A coisa certa a fazer agora é acalmar o fogo, acalmar o barulho e voltar para a diplomacia. Olhar para a relação entre os países no médio e longo prazos. Fui piloto 40 anos atrás, então estou tentando ver as coisas a 20 mil pés de altura. Temos relações entre os países de muito tempo, relações boas, de várias naturezas, de economia, cultura, ciência, defesa e política. Temos que olhar para o futuro, e não ficar com uma visão muito estreita, sobre o que acontece neste momento.

Como dá para superar o episódio? Qual seria a atitude do Brasil e de Israel para a superação?

Temos que escolher as palavras com mais cautela, com essa visão de longo prazo na cabeça, e agir de uma maneira —-não quero dizer mais responsável—- mas olhando o longo prazo. Não quero usar palavras difíceis, mas baixar o tom das palavras, baixar o tom dos discursos para olhar o longo prazo.

O governo de Israel disse que só deixaria de considerar Lula persona non grata se ele pedisse desculpas. Se não houver retratação do governo brasileiro, como será superada a crise?

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Temos que dar mais tempo para as coisas e evitar declarações dessa natureza. Acredito que, com o tempo, não sei se vai ser uma visita —não foi planejada visita a curto prazo—, mas temos que deixar essas palavras para trás e não continuar a falar nessa língua de que não se é bem-vindo, por enquanto. Com o tempo, vamos ver de que maneira podemos melhorar e voltar para coisas mais práticas e dos quais os dois lados se beneficiem.

Lula não precisa se retratar, é só deixar passar o tempo?

Não posso dizer isso, mas temos que deixar as coisas para trás e não continuar a discutir se tem que dizer ou não tem que dizer [desculpas]. Deixar pra trás e, com o tempo, vamos voltar e falar sobre outros assuntos.

Como foi a reunião com o chanceler brasileiro no Rio?

[Riso] Como dizer? Foi duro. Eles me disseram as coisas com as quais estavam descontentes, as coisas que aconteceram no dia anterior, e discutimos muitas coisas que aconteceram nos últimos meses.

Por exemplo, o seu encontro com o ex-presidente Bolsonaro?

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Algumas coisas que aconteceram. Não vou entrar em detalhes. Decidimos que não vamos falar para a imprensa. Esse tipo de conversa deve ter natureza mais discreta, então vou respeitar o entendimento que tivemos lá.

É justamente essa a crítica que o governo brasileiro fez à forma como o governo de Israel chamou o embaixador do Brasil no Yad Vashem, o Museu do Holocausto. O Brasil considerou que a convocação foi uma humilhação. Por que Israel decidiu fazer desse jeito, se a praxe, como o senhor mesmo diz, é fazer de forma mais discreta?

Isso não posso responder porque não fui eu que estava lá ou que decidi qualquer tipo de atitude e de que maneira fazer essa conversa. Então não posso responder.

Quantas vezes o senhor foi convocado pelo governo brasileiro?

Já tive encontro no passado, mas não foi com o ministro.

Com o ministro foi a primeira vez?

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Sim.

O seu encontro com Bolsonaro em novembro de 2023 foi precipitado?

Olha, já dissemos muitas vezes no passado. Não o convidamos, não sabíamos que ele estaria lá. Sei que ainda é um ponto que surge aqui e lá, mas não há nenhuma novidade nesse sentido. A verdade não mudou, a história não mudou.

O senhor acompanha o noticiário brasileiro por dever de ofício e sabe que Bolsonaro está sendo investigado por tentativa de golpe de Estado. Ele continua sendo considerado um ator legítimo de diálogo por Israel?

Não entendi a pergunta. Ele não é ministro e não exerce qualquer papel oficial. Então não faz parte das relações entre os países.

Mas ainda há diálogo com ele?

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Não comento. Não tenho nada a dizer sobre isso.

O senhor vai ao ato no domingo?

Não vou. Não vou estar lá, não.

O senhor diz que é preciso baixar o tom, mas uma postagem da diplomacia israelense no X diz que Lula negou o Holocausto. O ministro Mauro Vieira classificou isso como "uma vergonhosa página da diplomacia de Israel". O senhor considera que essa postagem extrapolou os fatos?

É... Não tenho certeza... Não quero fazer comentário sobre isso. Não fui eu que coloquei isso lá.

Se o chanceler brasileiro classifica a diplomacia israelense como vergonha, o senhor vê o fim dessa crise?

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Tudo pode ser superado, depende de boa vontade, longo prazo, olhar as coisas com um pouco de distância e baixar as temperaturas. Tudo é superado. Com diplomacia, com certeza.

O grupo de Bolsonaro demonstra proximidade com o senhor. O senhor está tentando manter distância deles?

Risos. Olha... Não quero responder essa pergunta. O que posso dizer, de maneira geral, é que o Estado de Israel, o povo de Israel, tem amigos no Brasil e mantém boas relações com os amigos que tem aqui. Não quero falar sobre o pessoal, uma família específica. Temos, na sociedade brasileira, amigos de Israel e vamos manter contatos e relações com nossos amigos. Não necessariamente políticos. Aqui tem governo, respeitamos, claro, mas não vamos abandonar amigos em tempos difíceis.

Isso inclui Bolsonaro?

Não estou mencionando nomes.

Como o senhor classificou a fala de Lula e de que forma dá para ser superada?

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Essa comparação foi uma coisa problemática. Meu ministro, meu presidente e outras pessoas em Israel reagiram com palavras duras porque o assunto é muito sensível lá, e essa comparação é errada. [Mas ela] Não pode inviabilizar toda a relação entre os dois países. Aponto um ponto problemático, mas, depois de palavras de todas as autoridades israelenses, temos que baixar o tom e voltar a olhar para o futuro. Não se pode cancelar 75 anos de relações.

As relações entre os dois países começaram antes da criação do Estado de Israel, porque Oswaldo Aranha foi muito ativo e relevante na votação da ONU sobre a divisão da terra entre o país judeu e o país árabe, em 1947.

Temos uma crise. Temos que superar esta crise e voltar para a vida.

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