Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Cartada final de André Mendonça
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Na informal bolsa de apostas de Brasília, André Mendonça —indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para ocupar uma cadeira vitalícia no Supremo Tribunal Federal (STF)—, está com 50% de chance de se tornar o primeiro ministro "terrivelmente evangélico" da história judiciária.
Como todos sabem, o Estado nacional é laico. Vale a Constituição e não a Bíblia ou outros livros religiosos, incluídos os de sabedoria. Todo ministro do STF pode ser ateu, agnóstico, professar religião ou credo. Não pode é misturar canais.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), como auxiliar, atuou um desembargador paulista, ex-presidente do Tribunal de Justiça. Ele nunca misturou o Direito com religião. Ele era "pai de santo". Excelente magistrado, carreira brilhante, progressista, escondia debaixo da toga os seus patuás.
Na verdade, as orientações religiosas pouco importam. O vedado é trocar o laico pelo teocrático nos processos, nas liminares e nos julgamentos.
Na sua história, o STF já contou com ministro ultracatólico, à época uma forte pressão da direita conservadora católica: Menezes Direito. Ele se mostrou um conservador empedernido.
No particular, o respeitado professor Celso Lafer deu um alerta fundamental. Tal alerta está no artigo intitulado "A Constituição não é a Bíblia", publicado no jornal O Estado de S. Paulo.
Ao se referir à indicação de candidato "terrivelmente evangélico" ao STF, o jus-filósofo Lafer advertiu: "um juiz terrivelmente evangélico representa o risco de querer transpor os seus conselhos de pastor para comandos jurídicos-judiciais".
Mendonça, na sua vida pública, demonstrou não conseguir ser imparcial, principal requisito para se tornar juiz.
Nas atuações como ministro da Justiça, ou chefe da Advocacia-Geral da União, Mendonça sempre trocou a Constituição e o direito positivo pelo sabujismo ao presidente Bolsonaro.
Quando empossado por Bolsonaro, Mendonça prestou continência à militar. Chamou o presidente Bolsonaro de profeta. Fingindo esquecer das rachadinhas do presidente e dos filhos parlamentares, do misterioso depósito na conta-corrente da primeira-dama, elevou Bolsonaro à condição de "profeta na luta contra a criminalidade". Mendonça ainda não se retratou perante a sociedade.
Em plena pandemia, defendeu, junto ao STF, a reabertura dos templos religiosos. À época, a ciência recomendava a não aglomeração de pessoas, a evitar a circulação do vírus da covid-19. Mendonça jamais reprovou o negacionismo de Bolsonaro.
Sua postura servil, ficou bem patenteada ao invocar, várias vezes, a Lei de Segurança Nacional (LSN) para reprimir os críticos ao governo Bolsonaro. Com isso, colocava as garantias fundamentais do Estado de Direito de lado e optava pela inconstitucional valência da LSN.
Por ter trocado a liberdade de expressão e de crítica —garantias constitucionais expressas—, por uma lei (LSN) flagrantemente inconstitucional no particular, Mendonça, caso estivesse a prestar exame de qualificação profissional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) seria irremediavelmente reprovado.
Logo depois de indicar Mendonça, o presidente Bolsonaro, em entrevista, contou da sua intenção de com ele, após a investidura como ministro do STF, reunir-se nos finais de semana. Tudo para discutir questões de interesse do governo. Os encontros seriam regados a tubaína, segundo Bolsonaro.
Não é difícil perceber a intenção de Bolsonaro de aparelhar o STF. Recentemente, obteve sucesso na indicação de Kássio Nunes Marques, um pretendente ao STJ e caído de paraquedas no STF.
Outro indicativo: por iniciativa da bolsonarista deputada Bia Kicis (PSL-DF), foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ-Câmara) emenda constitucional colocando fim à recentíssima alteração a elevar para 75 anos a aposentadoria compulsória.
Assim, a aposentadoria obrigatória, compulsória, voltaria aos 70 anos e os septuagenários ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber deixariam duas cadeiras abertas para indicações de Bolsonaro.
Em síntese, o conhecimento jurídico de Mendonça é notoriamente deixado em segundo plano diante de questões religiosas. E também posto de lado em razão do servilismo, puxa-saquismo, carreirismo.
Por outro lado, Mendonça, para obter aprovação do Senado, adotou comportamento censurável. Reuniu-se com a escória dos políticos para tentar mudar a imagem de "defensor da Lava Jato". No popular, "vendeu a alma ao diabo".
O indicado Mendonça, inescrupulosamente, reuniu-se com Waldemar da Costa Neto, notório mensaleiro. Isso antes de Bolsonaro abraçar o PL. Mendonça buscou o apoio do "boy", dono do PL.
Mendonça mobilizou os evangélicos, numa cruzada. Pressão total. Como informou o jornalista Lauro Jardim, líderes evangélicos já disponibilizaram oito aeronaves para buscar senadores nos seus redutos regionais.
Mendonça e a liderança evangélica temem pelo baixo comparecimento de senadores e não ser alcançado número mínimo de 41 votos.
E foi a própria pressão das lideranças evangélicas que levou o senador Davi Alcolumbre (Democratas- AP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ-Senado), a colocar em pauta a indicação de Mendonça. Engavetou três meses e deu sinais de que iria imitar o acontecido nos EUA: deixaria, com o fim do mandato Bolsonaro, caducar a indicação.
A propósito, Alcolumbre foi lembrado do apoio evangélico recebido na sua eleição ao senado. Lógico, restou avisado que no futuro tudo poderia mudar na política do Amapá.
Para complicar a pretensão de Mendonça, além dos senadores de oposição ao governo Bolsonaro, existe uma desconfiança de alguns outros.
Uma vez com a toga e segunda comenta-se à boca pequena, Mendonça poderia mudar de posição e não garantir impunidade aos políticos suspeitos de cometimento de crimes de corrupção. Não faltou a pergunta de como votaria diante das emendas secretas.
Abertamente, fala-se da preferência da maioria dos senadores pelo nome de Augusto Aras, por passar segurança e já ter mostrado como atua.
Aras entrará no páreo caso Mendonça seja reprovado. Mais ainda, Aras é nome forte no Senado: com facilidade logrou ser reconduzido a segundo mandato de procurador-geral da República.
Ainda sobre a desconfiança a Mendonça, nenhum político despreza a sabedoria popular lusitana. Sabem bem do ditado, "se queres conhecer o vilão, é só lhe dar o bastão", no caso, uma suprema toga.
Diante do quadro atual, o Senado está dividido e o sucesso de Mendonça não está garantido. Fala-se em 50% de chance.
Num pano rápido e os políticos sabem bem, a rejeição de Mendonça vai contar muita mais como derrota evangélica.
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