Wálter Maierovitch

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Opinião

Tarcísio vira refém da PM e avaliza vingança na Baixada Santista

Em maio de 2006, quando o PCC (Primeiro Comando da Capital) atacou a capital paulista e deixou a população aterrorizada, o governo estadual capitulou. Para piorar, fechou acordo com a facção criminosa em troca da paralisação dos ataques.

Foi o sinal verde para o PCC se expandir, controlar territórios nas periferias das cidades, difundir o medo e obter — para usar a expressão do saudoso escritor e jornalista siciliano Leonardo Sciascia — "a solidariedade pelo medo" dos cidadãos que as autoridades não sabem proteger.

Sem ter a economia que movimenta afetada por ineficazes ações das autoridades, o PCC tornou-se uma organização transfronteiriça. Não incomodada, logrou tecer potente rede pelos estados federados — facções criminosas regionais se plugaram ao PCC, para garantir abastecimentos de armas, munições, drogas proibidas etc.

O PCC tornou-se reticular, com forte poder corruptor e disposição para reagir às forças de ordem, caso ousem ingressar em seus territórios controlados, numa verdadeira secessão do estado constitucional, legítimo.

É nesse cenário que o massacre ocorrido no Guarujá, a partir de 27 de julho, deve ser considerado.

Como informado, o soldado Patrick Reis, da tropa de choque da Polícia Militar paulista — a Rota (Rodas Ostensivas Tobias de Aguiar) — foi morto, embora de colete, atingido por disparo realizado, segundo a perícia, por pistola de calibre de 9 milímetros.

O autor do disparo teria sido um integrante do PCC, que está também presente fortemente na Baixada santista.

A demonstrar despreparo para contrastar o fenômeno da criminalidade organizada, a PM de São Paulo partiu para a aplicação da lei do Talião no Guaruja. Ou seja, para a mais feroz e burra das reações, desaconselhada no mundo civilizado. Partiu para o confronto cego. Optou por medir forças bélicas.

Como sempre ocorre, a criminalidade submerge e os cidadãos comuns passam a suportar as arbitrariedades e as desumanidades policiais. Suas casas são invadidas e o pânico se instaura. No Guarujá, deu-se exatamente isso. Pelos testemunhos colhidos pelos veículos informativos, os direitos e garantias individuais foram desrespeitados.

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Sob um rótulo de ocasião, Operação Escudo, o governo paulista concedeu, por 30 dias, licença para a PM matar. A tal operação não teve planejamento, foi articulada no mesmo dia do homicídio do soldado Patrick.

Em vez de deixar para a Polícia Civil, sob poder correcional do Ministério Público, apurar o homicídio de Patrick Reis e, pelos serviços de inteligência, colher elementos para contrastar, reprimir e reconquistar os territórios controlados pela criminalidade organizada, partiu-se para a vingança, rotulada, como já frisado, de Operação Escudo.

No momento, são propaladas prisões de bandidos perigosos e apreensões de drogas. Parece que descobriram tudo isso só agora. Assim, encobre-se a eliminação, sob tortura, de Felipe Vieira Nunes, um ambulante de 30 anos. Uma testemunha ressaltou que Felipe não reagiu, estava desarmado e avisou dessa situação antes de ser morto por nove tiros.

No todo, a atuação mostra-se vingativa e na base da mal entendida pena do Talião. Afeta bem mais aos moradores da região do que ao crime organizado, que tem potencial, diante de um governo incapaz no campo da segurança pública, de substituir os seus afiliados mortos.

Com 14 mortos em decorrência de uma operação policial de retaliação corporativa para vingar a morte de um soldado do batalhão de tropa de choque, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) optou pelo escárnio: "Não houve excesso". Mais ainda, " a polícia quer evitar o confronto de toda a forma".

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O seu mandato mal começou e Tarcísio já mostra medo de contrariar a PM e reagir contra essa ação vingativa e estrategicamente imprópria.

Pressionado, parece estar Tarcísio a aderir ao bolsonarismo da fórmula selvagem do "bandido bom, é bandido morto",

Num Estado democrático de Direito os membros da forças de ordem são educados para a legalidade, o respeito às garantias individuais e às liberdades públicas. Cabe ao Judiciário e não à PM, no devido processo legal, impor sanções, e não temos pena de morte e nem prisão perpétua.

O governador Tarcísio, diante do massacre que se consumou no Guarujá, deveria, de imediato, suspender a Operação Escudo. Também colocar a Polícia Civil em ação e oficiar o procurador-geral da Justiça paulista para ação conjunta.

A Policia Civil, que tem funções de repressão e de polícia judiciária, foi abandonada pelos governos faz tempo. A Polícia Militar, de força armada, tomou conta.

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Seus ataques, muitas vezes desproporcionais e excessivos, servem de propaganda para os governos. Só que, a longo prazo, não incomodam a criminalidade organizada. Uma Polícia Civil bem preparada é insubstituível nesse tipo de contraste e sabe ela quando usar a força, sem colocar em risco a população.

Conta a história do direito criminal a fase primitiva da desproporcionalidade. Dos chamados juízos de Deus e dos ordálios. As sanções eram desproporcionais às ofensas. Numa evolução, surgiu no código de Hamurabi a correlação de proporcionalidade entre o fato cometido e o resultado verificado. A isso se chamou pena de Talião.

As tropas de choque não podem impor sanções, não são e nem podem ser esquadrões da morte.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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