Wálter Maierovitch

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Opinião

Hamas x Israel: a insistência do Brasil na ONU é fundamental

Poucos dias antes de estourar o conflito entre Hamas e Israel, o Brasil assumiu a presidência rotativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Oswaldo Aranha deve ter soltado da sua sepultura um alongado "ufa" de alívio pelo fato de o Itamaraty, neste trágico momento, ter voltado à normalidade e à sanidade governamental no campo internacional.

A imagem de pária internacional ficou para atrás. De triste memória, o chanceler terraplanista Ernesto Araújo foi defenestrado, e o guia intelectual do então presidente Jair Bolsonaro, Olavo de Carvalho, astrólogo autointitulado filósofo, não está mais entre nós.

A lembrar: o político Oswaldo Aranha presidiu com habilidade e brilho a Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) à época da aprovação da histórica Resolução 181, de 1947, a partilhar a Palestina em dois Estados, um judeu e outro palestino. E Jerusalém, o centro das três religiões monoteístas (islâmica, judia e cristã), foi colocada pela Resolução 181 sob especial regime internacional de tutela.

Rússia e EUA não divergiram naquele momento, e a supracitada Resolução 181 conquistou aprovação fácil no Conselho de Segurança.

O direito internacional e a historiografia revelam que as resistências na ONU — atinentes à partilha da Palestina — eram feitas pelo Reino Unido e pela França.

Desde a queda do Império Otomano, Reino Unido e França controlaram e exercitaram o colonialismo imperialista no Oriente Médio.

Hoje, o tabuleiro político é outro, de aberta polarização. Rússia e China apoiam os árabes palestinos — já o Ocidente (EUA, Reino Unido e França), os judeus. A potências mencionadas têm poder de veto no Conselho de Segurança.

Isso revela, à luz de interesses geopolíticos diversos, a dificuldade brasileira na presidência do Conselho de Segurança das Nações Unidas e explica o veto à excelente proposta brasileira de resolução.

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De forma impecável, o Brasil apresentou uma equilibrada e justa proposta de resolução: trégua humanitária, com cessar-fogo, soltura de reféns e reabertura de Rafah, no Sinai egípcio, para ajuda humanitária.

Como me contou nesta semana o experiente e culto embaixador Rubens Barbosa, que serviu em Londres e Washington, uma apresentação da proposta de resolução aos 15 membros do Conselho de Segurança exige muita habilidade e percuciência.

Basta atentar à vetada proposta da presidência brasileira para se concluir pela sua justeza e imparcialidade.

O conflito foi iniciado pelo Hamas, uma organização terrorista, a atacar civis inocentes. Isso foi para a proposta de resolução, e o direito internacional humanitário impõe mesmo o cessar-fogo e a abertura no vale de Rafah a fim de chegar ajuda à população civil palestina.

De se lamentar o veto dos EUA.

Como lembrou ontem o secretário-geral da ONU, em manifestação na China e no fórum da rota da seda (Belt and Road Initiative), o "sofrimento humano que estamos a assistir precisa ser aliviado".

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Uma nova proposta

Segundo o chanceler brasileiro Mauro Vieira, a presidência brasileira no Conselho de Segurança vai insistir numa nova proposta de resolução. A propósito, o nosso chancelar bem sabe do dever de persistência na diplomacia.

Na Farnesina, o Itamaraty italiano, a lição mais repetida aos jovens diplomatas é "non mollare mai" (não desistir nunca).

A esfarrapada justificativa norte-americana de veto não mais se sustenta depois da passagem de Joe Biden por Israel, onde logrou a abertura nesta sexta para ingresso em Gaza, de 20 caminhões carregados de alimentos, água e remédios para ajuda humanitária.

O veto norte-americano à proposta do Brasil foi justificado pelo "risco ao trabalho diplomático dos EUA em curso". Biden estava de chegada a Israel e até pretendia falar com o rei da Jordânia e o presidente da Autoridade Palestina: os encontros foram cancelados e o americano só encontrou o premiê hebreu Benjamin Netanyahu.

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Com efeito, é louvável o recomeço, com nova costura pela diplomacia do governo brasileiro.

Pelo andar da carruagem, a nova proposta de resolução da presidência do Conselho de Segurança alcançará com facilidade 9 dos 15 votos necessários . E, dos cinco Estados-membros com direito a veto, os EUA poderão reformular a posição.

No entanto, não devemos esquecer de mais de 50 resoluções da ONU sobre Oriente Médio vetadas pelos EUA desde 1972. Além disso, muitas da propostas aprovadas não são cumpridas. Ou melhor, nem a Constituição da ONU é respeitada, e os conflitos pipocam, de tempo em tempo.

Em novembro de 1967, logo depois da Guerra dos Seis Dias, foi aprovada e deliberada a chamada tese da "terra em troca de paz", com retirada de áreas ocupadas na guerra e reconhecimento de Israel por parte dos Estados árabes. Alguns reconhecimentos só vieram por meio dos acordos abraamicos, muito tempo depois. E os árabes palestinos, agora aliados e em cumplicidades com os persas, iranianos, continuam a desejar apagar Israel do mapa.

Pela carta de São Francisco de 1945, ficou acordado, pelos vencedores da Segunda Guerra, a obrigação de realizarem um comum esforço a fim de os demais estados aderentes se comprometerem com a manutenção da paz mundial. Com efeito, a ONU nasceu compromissada com a paz.

O seu Conselho de Segurança, com 15 membros e 5 deles com cadeiras permanentes e poder de veto a respeito de propostas colocadas para suas deliberações, é o órgão mais importante.

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O colegiado tem legitimidade para adotar medidas vinculantes relativamente aos Estados-membros, podendo determinar o uso da força para impedir atos de agressão e as iniciativas ameaçadoras à manutenção da paz. A unanimidade no Conselho de Segurança sobre atos de força, porém, é quase impossível.

Um pouco de cinzas

 Acordos de Oslo: Yitzhak Rabin (esq) e Yasser Arafat se cumprimentam sob o olhar de Bill Clinton
Acordos de Oslo: Yitzhak Rabin (esq) e Yasser Arafat se cumprimentam sob o olhar de Bill Clinton Imagem: Getty Images

O pacifista mais lembrado da história do Oriente Médio foi Itzhak Rabin, ex-primeiro ministro de Israel.

Por lutar pela paz entre árabes e judeus, Rabin foi assassinado por um religioso judeu ortodoxo, da ultradireita. Levou dois tiros ao deixar um comício na praça dos Reis de Israel.

Antes de sair da praça, Rabin cantou com os jovens o Shir Lashalon, a Canção da Paz. Essa canção é proibida de ser entoada pelos membros do exército de Israel. Ela diz:

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"Deixem o sol penetrar por entre as flores.

Não olhem para trás.

Deixem os que foram embora.

Olhem com esperança.

Mas, não por meio das miras das armas.
Cantem uma canção ao amor e não à guerra."

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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