Wálter Maierovitch

Wálter Maierovitch

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

O golpismo bolsonarista e a insuficiente resposta à sociedade democrática

Certa vez, um saudoso jurista francês desculpou-se aos seus leitores e aos discípulos pela obviedade da sua constatação. Escreveu e falou: "A meta da verdadeira Justiça criminal é não deixar os crimes impunes e não punir os inocentes".

O que dizer dessa obviedade caso seja colocada à luz das tentativas da intentona verificada, com assaltos e vandalismos às sedes dos Três Poderes da República, no dia 8 de janeiro de 2023?

Só para lembrar, e basta ter olhos de ver e vontade de perceber, ocorreram tentativas de golpe ao vigente regime democrático-republicano nacional e de abolição do Estado de Direito, estabelecido na nossa Constituição. Foram fatos criminosos gravíssimos.

Ficou claro terem os verdadeiros mandantes do golpismo usado uma numerosa massa de manobra fanatizada, antidemocrática e violenta.

O Ministério Público denunciou criminalmente os executores e alguns incentivadores. E o Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, impôs 30 condenações, com penas exageradas a esses soldados bolsonaristas, na condição de "bucha de canhão".

A quem interessava?

Primeiro e fundamental passo numa investigação criminal consiste em se perguntar: "A quem interessava o crime?"

No caso, o golpe seria para apear do poder, ilegítima e ilegalmente, o presidente eleito, Lula da Silva, empossado e em pleno exercício do mandato popular recebido pelo voto livre, sem vícios ou máculas. E, no lugar, colocar um ditador.

As pessoas usadas na execução do plano frustrado de intentona são unânimes na resposta sobre "a quem interessava". Eles estavam empenhados em colocar Jair Bolsonaro na presidência, com um "dane-se" à vontade da maioria. E acabaram arregimentados para isso.

Continua após a publicidade

Durante todo o seu mandato presidencial, Bolsonaro tramou e buscou manter-se no poder, ainda que viesse a ser derrotado nas urnas eleitorais.

Após perder, comportou-se como inconformado e disposto a recuperar a presidência, derrubando Lula. Até a sua viagem aos Estados Unidos, sem passar a faixa presidencial, teve a sua razão.

Passado um ano dos graves crimes, Bolsonaro não foi indiciado em apuração e nem denunciado pelo então grupo designado pelo ex-procurador-geral Augusto Aras, um filo-bolsonarista de carteirinha.

A desculpa dada pelo subprocurador designado por Aras, Carlos Frederico Santos, empolgou os bolsonaristas que apostaram na protelação e na impunidade.

Carlos Santos disse, em entrevista à Folha na última sexta-feira (5), haver atuado de forma diversa à Lava Jato, pois preferiu apurar e ter provas das responsabilidades, em vez de anunciar e depois tentar comprovar a acusação no processo, como faziam os seus colegas procuradores da Lava Jato.

Na verdade e com o devido respeito, houve pura retórica do subprocurador Santos, pois existem indícios com lastro de suficiência a apontar para o envolvimento de Jair Bolsonaro, o maior interessado no golpe.

Continua após a publicidade

Bolsonaro e Trump

Muitas comparações estão sendo lançadas para enaltecer o trabalho apuratório, em inquérito judicial e em inquérito judicial eleitoral, do STF e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

De fato, o sistema judiciário eleitoral brasileiro é infinitamente melhor do que o norte-americano. No devido processo legal, com ampla defesa, o ex-presidente Jair Bolsonaro já está inelegível.

Nos EUA, dois estados negaram ao ex-presidente Donald Trump legitimidade para concorrer às primárias republicanas, em razão de afronta à Constituição, no episódio do ataque ao Capitólio em 2021. Trump acabou enquadrado na 14ª Emenda Constitucional pelas Cortes do Colorado e Maine, por ter participado indiretamente de ato de insurreição.

Atenção! A quem interessava a invasão e depredação do Capitólio? E a quem interessava a intentona de 8 de janeiro de 2023?

Se a Justiça brasileira teve resposta mais pronta do que a norte-americana no campo eleitoral, elas empatam em morosidade com referência às apurações das responsabilizações criminais de ambos e dos demais co-autores e partícipes golpistas.

Continua após a publicidade

A polícia, o Ministério Público e a Justiça movem-se como "lesmas reumáticas" nas apurações e responsabilizações dos "peixes-grandes" no Brasil. A casta golpista ainda está atuante no Congresso, como mencionou Celso Rocha Barros, na sua coluna na Folha.

Militares, Ibaneis, Anderson Torres e PM

Para o então procurador Augusto Aras e o seu grupo de trabalho comandado pelo subprocurador Carlos Frederico Santos, os focos foram apartados em:

  • executores;
  • autoridades omissas (hipótese de omissão imprópria, onde existe o dever de agir e realizar o poder de polícia);
  • financiadores;
  • e incentivadores.

Militares envolvidos na manutenção de acampamentos e na proteção dos executores da intentona não foram devidamente investigados. E o Exército, em procedimento administrativo militar, informou haver sancionado dois oficiais, sem dizer das sanções e no que consistiram os seus atos desviantes e irresponsáveis.

O então governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, e o seu então secretário de segurança, Anderson Torres (ex-ministro da Justiça de Bolsonaro), ainda não foram molestados processualmente.

Continua após a publicidade

Quanto a integrantes da cúpula da Polícia Militar do DF, que designou efetivo insuficiente e composto por muitos novatos (a indicar envolvimento no plano golpista), a denúncia criminal é de agosto de 2023, mas ainda sem julgamento pelo STF.

Os financiadores

Em 1970, para reprimir a movimentação de dinheiro suspeitos, os norte-americanos criaram a chamada Lei Ricco. Valores iguais ou superiores a US$ 10 mil precisavam ser informados pelos bancos, em face do estabelecido "dever de vigilância".

Os criminosos, então, passaram a realizar depósitos de US$ 9.999, ou bem menores e repetidos. Isso para escapar à comunicação obrigatória aos bancos.

Até o momento, apenas uma pessoa suspeita de financiamento foi encontrada na investigação. Para a equipe designada por Augusto Aras, não iriam os procuradores pesquisar, por exemplo, Pix de baixo valor.

Ora, ora. O PCC, os potentes narcotraficantes mexicanos, a criminalidade organizada transnacional e os cartelitos colombianos realizam transferências de valor baixo, para não gerar suspeitas. Os valores são pulverizados.

Continua após a publicidade

Não demorou para, mundo afora, autoridades e agências de inteligência financeira recomendarem investigações sobre pequenas transferências.

Sempre com o devido respeito, bolsonaristas financiadores do golpe jamais seriam ingênuos de enviar grandes remessas aos responsáveis pelas arregimentações e movimentações dos executores da intentona do 8/1.

Tá na cara a razão que pode explicar o porquê de só um suspeito de financiamento haver sido encontrado.

Pano rápido

Enquanto os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso continuam a colocar o STF como responsáveis pela manutenção da democracia e do Estado de Direito, nada de reposta criminal suficiente foi dada à sociedade (só os bagrinhos que atuaram na linha de frente foram presos).

Fora isso, os referidos ministros desprezam Luís de Camões, que ensinou "ser elogio em boca própria vitupério".

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes