Wálter Maierovitch

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Opinião

'Você não teve medo': multidão desafia proibição e vai a funeral de Navalny

"Você não teve medo. Nós não temos medo." Esse foi o canto fúnebre criado espontaneamente e entoado por mais de mil pessoas reunidas, a desafiar a proibição policial, na pequena igreja de Nossa Senhora, num bairro distante do centro de Moscou.

O canto era de despedida a Alekesei Navalny, 47, opositor do autocrata russo Vladimir Putin.

Apesar do desafio à proibição de comparecimento, não ocorreram prisões.

Como amplamente divulgado, Navalny morreu numa gélida prisão siberiana. Gozava de boa saúde depois de ter quase morrido por envenenamento, atribuído aos agentes dos serviços de inteligência do governo Putin.

Não aceitou asilos

O heroísmo de Navalny nasceu no momento em que, recuperado, deixou o hospital alemão onde foi atendido em face de envenenamento.

Navalny não aceitou asilos ofertados por diversos países ocidentais. Como declarou, precisava voltar para a sua luta e não frustrar o apoio e a confiança dos jovens estudantes russos.

As autoridades policiais putinianas recomendaram o não comparecimento ao funeral. Alegaram não desejar desordem e criaram, segundo informado pelas agências europeias de notícias, obstáculos para a chegada das pessoas desejosas de participar do sepultamento.

Navalny é chamado de "herói russo da resistência" a Putin, contra a corrupção e pela democracia.

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Identificação no cemitério

Navalny foi enterrado em cemitério distante poucos quilômetros da igreja onde se deu a cerimônia fúnebre. As pessoas tiveram que ir a pé ao cemitério, pois as ruas foram fechadas para a circulação de veículos.

Houve dificuldade em contratar um veículo automotor para o transporte do corpo da igreja ao cemitério, conforme relatou a imprensa. O assessor de Navalny, Leonid Volkov, declarou que os motoristas de carros de aluguel tinham sido ameaçados por telefonemas, caso realizassem o transporte do cadáver.

Candidato à reeleição e preocupado com as repercussões internacionais, Putin, cujo governo tardou na liberação do corpo e na divulgação da causa da morte, teria interesse, segundo informado na mídia europeia e correu à boca pequena por toda a Rússia, em exéquias pouco ou nada concorridas.

Para ingressar no cemitério e chegar à campa, as pessoas tinham que se identificar. Os que se recusaram, ficaram fora.

A mãe Lyudmila

A genitora de Navalny, que lutou pela liberação do corpo do filho e enfrentou todas as dificuldades impostas pelas autoridades, esteve na igreja e na sepultura.

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Não foi atendida na sua pretensão de indicar legistas para acompanhar o exame cadavérico. Nem na realização de uma independente perícia privada.

A causa morte teria sido, segundo a administração do presídio do Ártico russo, um mal súbito, após um passeio matinal. Lyudmila frisou gozar o filho de muito boa saúde, apesar dos longos períodos em cela solitária.

Por outro lado, depois de discursar no Europarlamento e falar em homicídio político, Yulia, esposa de Navalny, não se sentiu segura para retornar à Rússia. E com ela permaneceram, até a conselho da avó Lyudmila, os dois filhos (filho e filha) do casal.

Mundo político

Os comentaristas europeus apontaram posturas políticas e ideológicas contraditórias.

Na França, o autocrata russo Putin é admirado pela direita radical e Marine Le Pen, novamente candidata à presidência na sucessão de Emmanuel Macron, informou preferir, como o presidente brasileiro Lula, esperar o resultado do laudo necroscópico oficial para se manifestar sobre Navalny.

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Um laudo cadavérico oficial russo tem a credibilidade baixa. E a recusa em permitir autópsia privada é indício de algo estar sendo escondido. Ressalte-se, ainda: Não é nada democrático impedir que a própria família acompanhe a perícia médico oficial.

O líder da ultradireita italiana Matteo Salvini, ligado a Bolsonaro e seu acompanhante da primeira e única viagem à Itália, disse também aguardar o laudo para se manifestar.

Chefe do partido Lega Nord (Liga Norte), que nasceu separatista e com matriz neofascista, Salvini, que já desfilou com camiseta com a estampa de Putin, é suspeito de receber financiamento de Putin para o partido.

A esquerda mundial, filoputiniana, finge não suspeitar de assassinato e nem lembra dos envenenamentos anteriores e com Putin visto como suspeito. O atraso na entrega do corpo e a recusa de participação em perícia cadavérica não causaram estranhezas.

A centro-direita da Itália, que ainda não encontrou o substituto do falecido Sílvio Berlusconi, anteriormente condenado pela Justiça italiana e com pena não detentiva cumprida, mantém sólidos vínculos com Putin.

A propósito de relacionamentos políticos sólidos, todos os aniversários e finais de ano, Putin e Berlusconi trocavam presentes. Os últimos foram caixas de vodca russa e caixas de vinhos nobres italianos. Berlusconi disse Putin adorar o prosecco italiano.

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Enfim e pelo mundo, grupos e líderes da direita e da esquerda, a confirmar que os extremos se atraem, admiram e quebram lanças pelo líder Putin.

Mas — e até agora — não apareceu o sucessor de Navalny.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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