Wálter Maierovitch

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Opinião

Desesperado, Bolsonaro quer plantar nulidade e afastar Moraes

O ministro Alexandre de Moraes atua em 11 inquéritos nos quais existem suspeitas de envolvimento do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Bolsonaro emparedado

Esses 11 inquéritos são tocados pela Polícia Federal, na condição de polícia judiciária. Todos eles estão sob fiscalização do STF (Supremo Tribunal Federal) por envolver foro especial, prevenções e conexões probatórias, e sob relatoria do ministro Moraes.

A mais antiga das investigações diz respeito ao uso ilegal e abusivo das chamadas fake news (inquérito sigiloso número 4781, com Moraes atuando sem sorteio), enquanto a mais nova cuida do golpismo do 8 de janeiro (inquéritos 4921, 4922 e 4923, com Moraes relator sem sorteio, diante de prevenção).

De um desses inquéritos, saiu a recente operação Tempus Veritatis. O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante militar de cumprimento das ordens do então presidente Bolsonaro, foi ouvido novamente, com base no contrato de colaboração com a Justiça, para esclarecer reticências, omissões e discordâncias.

Em especial, desencontros com os testemunhos prestados pelo general Freire Gomes, que foi comandante do Exército no governo Bolsonaro, e o tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Júnior, ex-comandante de Aeronáutica.

Bolsonaro e o esperneio

Ao perceber que o círculo apuratório delinquencial está se fechando e que pode ser responsabilizado criminalmente, Bolsonaro, pela sua defesa técnica, usa de todos os remédios jurídicos que entende caber.

Bolsonaro utiliza-se do apelidado "jus sperneandi", o direito de espernear, reservado aos que clamam por inocência, apesar de desmentido por prova farta e contrária.

Como as provas de que há justa causa para as apurações criminais são contundentes e Bolsonaro ainda não foi indiciado (formalmente imputado), seria uma temeridade, pelo decorrente indeferimento, usar do habeas corpus, o denominado remédio heroico.

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Bolsonaro partiu, como se diz no popular, para a pesca em águas juridicamente turvas.

Na base do "ver se pega", postulou, junto à presidência do STF, o afastamento do ministro Moraes das apurações, dada a sua condição de vítima.

Inquérito não é processo

Acontece, no entanto, que não existe no inquérito, ao contrário do que sucede no processo criminal, as figuras das exceções de suspeição e do impedimento. Admitidas na fase processual, elas geram o afastamento do juiz do processo.

Outro ponto merece destaque. O delegado de polícia, que preside o inquérito, não pode legalmente ser arguido de suspeito ou impedido. Como sabe até um reprovado em concurso da OAB, inquérito não é processo.

O xerife Moraes

O papel de Moraes é fiscalizar e impor medidas cautelares necessárias, por provocação da autoridade policial, do Ministério Público ou de ofício (sem provocação).

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O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, afastou a pretensão de Bolsonaro. Inconformado, Bolsonaro recorreu.

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, diante do recurso de Bolsonaro, emitiu parecer em que opina pelo seu não acolhimento. Segundo Gonet, a vítima, no caso, é a coletividade, e não Moraes.

Atenção. Ensinam os livros de introdução à ciência do Direito que nem tudo que é legal, previsto em lei, é ético-moral.

Não é ético o ministro Moraes, dado o envolvimento como vítima mediata, prosseguir nas apurações. A sua parcialidade, por ter sofrido ataques diretos e ofensas a caracterizar crimes contra a honra, é de clareza do sol do meio-dia, em país tropical. Por tradição oral, nos chegou o ensinamento ético-moral de não bastar à mulher de César ser honesta, mas ser necessário parecer como tal.

Bolsonaro e os bolsonaristas atacaram, e atacam a todo momento, o ministro Moraes. Empregam todas os meios disponíveis, em especial as redes sociais, e usam maneiras abjetas.

Até o Congresso Nacional reagiu com projeto de mudança processual penal. Isso diante dessa situação de Moraes e frente à portaria do STF, da lavra do então presidente Dias Toffoli, que designou Moraes como uma modalidade de inquisidor, lembrando o histórico Torquemada.

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Separação

O Congresso discute, com base no que existe há anos no estado de São Paulo, a separação entre o juiz preparador, atuante apenas na fase do inquérito e com jurisdição cautelar (buscas e apreensões, prisão temporária ou preventiva etc.), e o magistrado julgador.

Frise-se, o preparador não poderia, na hipótese de vingar a alteração legislativa, atuar na fase processual, onde ocorre o julgamento.

Gonet e o contorcionismo

Fora isso, o procurador-geral Gonet usou, no seu parecer, um contorcionismo jurídico. No direito penal, a vítima imediata é sempre o Estado e a coletividade.

Mas, atenção, a vítima mediata, indireta, é o diretamente atingido pela conduta criminosa. E Moraes, pelas ofensas, é vítima mediata.

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Para que se mantenha a imagem de imparcialidade da Justiça, Moraes não poderá atuar na futura fase processual.

Como preparador, tomou conhecimento dos fatos fora da fase do devido processo legal. O seu impedimento existe. Além disso, já prejulgou Bolsonaro, em várias passagens e fora dos autos.

Volto a ressaltar que o impedimento, em resumo, só não existe, legalmente, na fase pré-processual, ou seja, de inquérito.

No caso, existe nos inquéritos um impedimento de natureza ético-moral. Até dada sua condição de vítima mediata, Moraes deveria, eticamente, afastar-se. Nem tudo que é legal, que consta da lei, é ético-moral.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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