Wálter Maierovitch

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Opinião

Quem vai julgar o caso Marielle? STF ensaia mudanças em jurisprudência

O ministro Alexandre Moraes, como todos sabem, decretou as prisões preventivas dos irmãos Brazão, um deputado federal e outro conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro. Também foi imposta a prisão cautelar do ex-chefe da polícia civil do Rio de Janeiro. Todos eles são imputados de autoria no assassinato encomendado da ex-vereadora Marielle Franco.

Os três supracitados suspeitos teriam planejado duplos homicídios qualificados, a vitimar Marielle e o motorista Anderson Gomes, e uma tentativa de homicídio igualmente qualificado pela torpeza e surpresa, com relação a Fernanda Chaves, assessora da ex-vereadora.

Ao decretar as prisões cautelares, Moraes admitiu a competência do STF em face do foro por prerrogativa de função de Chiquinho Brazão, deputado federal.

Os demais, conselheiro Domingos Brazão e delegado estadual Rivaldo Barbosa, foram atraídos para o Supremo e ganharam foro privilegiado por conexão probatória.

Como regra, os crimes intencionais contra a vida são julgados pelo Tribunal do Júri, também conhecido por Júri Popular, que é o juiz natural estabelecido na Constituição.

O Júri Popular é uma excrecência, pois os sete jurados sorteados para julgar decidem sem precisar dar as razões da absolvição, da condenação ou da desclassificação.

Por décadas, os tribunais populares, por todo o Brasil, decidiram, definitivamente, poder o marido traído matar a esposa infiel por legítima defesa da honra. Como o Júri é soberano, nenhum outro tribunal pode mudar a sua decisão de mérito.

Todos os chefões do crime organizado, a incluir milícias e bicheiros, querem, pela possibilidade de pressão sobre os jurados, ser submetidos a julgamento pelo Júri Popular. Além disse, um julgamento pelo Tribunal do Júri leva uma eternidade.

Atenção: os detentores de foro privilegiado costumam renunciar aos mandatos para a competência se descolar para a primeira instância e, no caso de homicídio, para o Tribunal do Júri.

Não haverá surpresa se tivermos renúncias aos mandatos por Chiquinho e Domingos (o conselheiro do Tribunal de Contas tem como foro privilegiado o Superior Tribunal de Justiça). Só terão de realizar isso logo, porque o STF entende que, concluída a instrução, o foro privilégio consolida-se e perpetua-se a jurisdição ("perpetuatio jurisdicionis").

Mas, talvez, não precisem renunciar para cair no desejado Júri Popular, que tem, volto a frisar, um procedimento que leva anos de duração.

Talvez não precisem renunciar porque o STF, em plenário virtual, poderá mudar o entendimento sobre foro privilegiado. O caso já está para julgamento no plenário virtual.

Em outras palavras, o STF, cujo tema competência muda conforme o interesse em jogo, prepara-se, sob relatoria do decano e polêmico Gilmar Mendes, para mudar sua jurisprudência recente, de menos de seis anos. É que corre à boca pequena e os jornais estão a noticiar. Tem até editorial de hoje no jornal O Estado de S. Paulo: "Supremo à la carte".

O caso acontecido no aeroporto de Roma, a envolver o ministro Moraes e o filho, dados como vítimas, é o exemplo cristalino a revelar como o STF muda de orientação como uma biruta de aeroporto.

De se perguntar, desde quando vítimas, como Moraes e filho, têm foro privilegiado? A resposta é simples: quando o STF quer, ainda que contra a Constituição e as leis.

A mão de gato para mudar a jurisprudência será o julgamento do habeas corpus do paciente Zequinha Marinha, senador do Podemos (PA).

A jurisprudência de momento, mas muitas vezes mudada ao sabor das conveniências (por exemplo, Moraes no aeroporto de Roma), estabelece foro privilegiado em face de crimes atribuídos às autoridades durante o mandato ( no curso do mandato) e relacionados ao exercício do cargo.

Nos bastidores do STF, fala-se em mudança de jurisprudência em razão da chegada de quatro novos ministros, não investidos quando se estabeleceu a orientação jurisprudencial, fato ocorrido em 2018, mas não respeitado pelos próprios ministros.

Com efeito e dadas a insegurança gerada pelo STF e o desrespeito nutrido pelos cidadãos, vamos aguardar para saber quem julgará o caso Marielle. Façam as suas apostas.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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