Bolsonaro mente na ONU ao dizer que 'não poupou esforços' na pandemia
Na Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), o presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a mentir sobre a atuação de seu governo na pandemia de covid-19 e sobre a corrupção no Brasil. O evento aconteceu em Nova York na manhã desta terça-feira (20). Em seu discurso, o presidente também ignorou o avanço crescente do desmatamento ao citar dados de preservação da Amazônia em seu mandato. Confira a checagem:
Quando o Brasil se manifesta sobre a agenda da saúde pública, fazemos isso com a autoridade de um governo que durante a pandemia da covid-19 não poupou esforços para salvar vidas, e preservar empregos."
Falso. O governo e o próprio presidente cometeram erros no combate à pandemia, como apontou o relatório final da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid no Senado. O presidente recomendou tratamento precoce sem embasamento científico e atrasou a compra de vacinas. O relatório aponta que dezembro de 2020 "seria o mês que o Brasil deveria ter iniciado a vacinação, caso houvesse fechado os contratos da Pfizer e CoronaVac". A primeira dose contra a doença no país foi aplicada em 17 de janeiro de 2021.
Documento enviado pelo Ministério da Saúde à CPI indica que o órgão soube do aumento da demanda por respiradores em Manaus um mês antes do colapso hospitalar na cidade em janeiro do ano passado. O relatório final da CPI aponta ainda que o presidente desestimulou o distanciamento social e o uso de máscaras, convocou, promoveu e participou de aglomerações e procurou desqualificar as vacinas contra a covid-19.
A violência no campo também caiu ao mesmo tempo em que aumentamos a regularização da propriedade da terra para os assentados."
Falso. De acordo com o relatório 'Conflitos no campo', da Comissão Pastoral da Terra, em 2021 houve aumento de 75% dos assassinatos no campo em relação ao ano anterior. No ano passado, 35 pessoas foram mortas nos conflitos por terra, a maior parte delas era indígenas (10), sem-terra (9), posseiros, (6) e quilombolas (3). Em 2020, 20 pessoas foram vítimas das disputas territoriais. O relatório é lançado anualmente pela CPT.
No meu governo extirpamos a corrupção sistêmica que existia no país."
Falso. O governo Bolsonaro acumula escândalos de corrupção. Entre eles o do chamado orçamento secreto, um esquema criado para manter a base de apoio do presidente no Congresso, revelado pelo jornal O Estado de S.Paulo em maio de 2021. O primeiro lote de emendas exposto pela reportagem incluía a liberação de R$ 3 bilhões — parte delas destinada à compra de tratores e equipamentos agrícolas por preços até 259% acima dos valores de referência fixados pelo governo.
No IPC (Índice de Percepção da Corrupção), divulgado pela ONG Transparência Internacional, o país caiu da 94ª para a 96ª posição entre 180 nações. A lista considera o 1º país como menos corrupto, e o 180º, o mais. Segundo a entidade, o quadro brasileiro foi agravado por interferências indevidas do governo federal em órgãos de combate à corrupção, pelo chamado "orçamento secreto" e por indícios de corrupção descobertos pela CPI da Covid no ano passado, como no caso da tentativa de superfaturamento na compra de vacinas.
Somente entre o período de 2003 e 2015, onde a esquerda presidiu o Brasil, o endividamento da Petrobras por má gestão, loteamento político, e em desvios, chegou a casa dos 170 bilhões de dólares. O responsável por isso foi condenado em três instâncias, por unanimidade."
Dívida: exagerado. O endividamento da Petrobras no último trimestre de 2015, último ano completo do PT no governo, foi de R$ 492,8 bilhões, ou US$ 126,2 bilhões em valores da época. Os valores atualizados são de R$ 747 bilhões e US$157,7 bilhões.
Condenação: impreciso. Bolsonaro não citou o nome, mas se referiu ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu principal adversário na disputa presidencial, em sua fala. Embora o petista tenha sido condenado em primeira e segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e tenha tido a condenação confirmada e a pena reduzida pelo STJ no caso do triplex do Guarujá, as condenações do petista foram anuladas posteriormente pelo STF por erros processuais. Um deles era a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar o caso, já que, para o STF, não havia relação entre os crimes dos quais o ex-presidente estava sendo acusado e os desvios da Petrobras, e portanto, com a Lava Jato.
Concluímos o projeto de transposição do Rio Francisco."
Falso. De acordo com o site do Ministério do Desenvolvimento Regional, ainda não foram concluídas, por exemplo, as obras do Ramal do Salgado, que deve abastecer 54 municípios cearenses e o Ramal do Apodi, previsto para fornecer água a 54 municípios do Rio Grande do Norte, 32 da Paraíba e 9 do Ceará. O Ramal do Piancó, que deve permitir o abastecimento de 37 municípios paraibanos ainda está em fase licitatória.
Na Amazônia brasileira, área equivalente à Europa Ocidental, mais de 80% da floresta continua intocada, ao contrário do que é divulgado pela grande mídia nacional e internacional."
Impreciso. Até 2020, 17% da área da Amazônia havia sido desmatada, segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Tecnológicas) —o que corresponde a 729 mil km² do bioma. O dado é verdadeiro, mas a fala ignora o contexto de avanço do desmatamento na região ano a ano ao longo do governo Bolsonaro.
Entre agosto de 2021 e julho de 2022, a área desmatada na Amazônia foi a maior dos últimos 15 anos: 10.781 km² de floresta —o equivalente a sete vezes a cidade de São Paulo. Os dados são do SAD (Sistema de Alerta de Desmatamento) do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). O UOL Confere atribui o selo impreciso a alegações sem contexto suficiente para a compreensão correta do assunto.
Apesar da crise mundial, o Brasil chega ao final de 2022 com uma economia em plena recuperação. Temos emprego em alta e inflação em baixa. A economia voltou a crescer."
Emprego: impreciso. A taxa de desocupação no país caiu a 9,1% no trimestre de maio a julho, segundo dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o que representa 9,9 milhões de pessoas. O percentual é o menor desde o trimestre encerrado em dezembro de 2015, quando também foi de 9,1%. O dado é puxado pelo crescimento do número de trabalhadores informais, que bateu o recorde da série histórica e chegou a 13,1 milhões de pessoas.
Também é impreciso que a inflação está em baixa no país. Desde julho de 2020, a inflação acumulada em 12 meses no Brasil se mantém acima da média das economias dos países desenvolvidos e emergentes. O país também é o 4º país com a maior inflação do G20, de acordo com o Quantzed.
Economia em crescimento: verdadeiro. O PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil fechou 2021 em alta de 4,6%, segundo o IBGE. No 2º trimestre de 2022, houve alta de 2,6% — enquanto no primeiro trimestre, foi de 4,7%.
A pobreza aumentou em todo o mundo sob o impacto da pandemia. No Brasil, ela já começou a cair de forma acentuada. Os números falam por si só. A estimativa é de que, no final de 2022, 4% das famílias brasileiras estejam vivendo abaixo da linha da pobreza extrema. Em 2019, eram 5,1%."
Pobreza no mundo: verdadeiro. A pobreza, de fato, aumentou ao redor do mundo sob o impacto da pandemia, segundo o Relógio Mundial da Pobreza, do World Data Lab. O número de pessoas em extrema pobreza passou de 590 milhões em 2019 para 638 milhões em 2020. Após o início da vacinação, o número diminuiu: em 2022, há 611 milhões de pessoas em extrema pobreza ao redor do globo.
A estimativa sobre a extrema pobreza no Brasil ao final de 2022 está correta. Com base em estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), caso seja mantido o Auxílio Brasil, a taxa de extrema pobreza no país deve cair para 4,1% neste ano —em 2021 ela estava em 6%. No entanto, a previsão da ONU (também apresentada no estudo), que desconsidera o impacto do auxílio, sugere que a extrema pobreza pode atingir 8,8% ao final deste ano. A estimativa da ONU para 2021 era de 9%. O país, no entanto, tem 33 milhões de pessoas com fome —dado que o presidente se recusou a admitir ao menos duas vezes (em entrevista à Jovem Pan e em uma live semanal). O dado consta na segunda versão do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19.
Tenho sido um defensor incondicional da liberdade de expressão."
Falso. Bolsonaro faz constantes ataques a jornalistas. "O presidente ataca regularmente a imprensa, mobilizando exércitos de apoiadores nas redes sociais. Trata-se de uma estratégia bem coordenada de ataques com o objetivo de desacreditar a mídia, apresentada como inimiga do Estado", afirma a 20ª edição do Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa da Repórteres Sem Fronteira. O Brasil ocupa o 110º lugar. O levantamento aponta que "o trabalho da imprensa brasileira tornou-se especialmente complexo" desde que Bolsonaro assumiu a presidência. No debate entre presidenciáveis promovido por UOL, Folha Band, Folha e TV Cultura, Bolsonaro ofendeu a jornalista Vera Magalhães ao dizer que ela era uma "vergonha para o jornalismo brasileiro". Em junho, Bolsonaro foi condenado a indenizar a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha, por danos morais. Ele disse a apoiadores que a jornalista "queria dar o furo a qualquer preço contra mim".
Quero também destacar aqui a prioridade que temos atribuído a proteção das mulheres. Nossos esforços em sancionar mais de 60 normas legais sobre o tema desde o início do meu governo, em 2019, é a prova cabal desse compromisso."
Falso. Bolsonaro sancionou 46 projetos, nenhum de autoria do seu governo, e vetou seis propostas que beneficiavam diretamente as mulheres durante seu mandato, segundo informações do jornal O Estado de S. Paulo. O Congresso Nacional derrubou dois desses vetos do presidente para fazer valer os projetos.
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