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Detentos e ordens de prisão somados equivalem ao triplo das vagas em cadeias

Manaus reativou a cadeia Vidal Pessoa após rebelião que matou 56 no Compaj - Ione Moreno/Em Tempo/AM
Manaus reativou a cadeia Vidal Pessoa após rebelião que matou 56 no Compaj Imagem: Ione Moreno/Em Tempo/AM

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

07/01/2017 04h00

O Brasil começou o ano com a já conhecida rotina de presídios superlotados e ainda 563 mil mandados de prisão em aberto, conforme o BNMP (Banco Nacional de Mandados de Prisão), do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, a situação piora as chances de rebeliões e mortes dentro das prisões - entre 2000 e 2014, a população carcerária cresceu 167%. Somente nesta primeira semana de 2017, já houve 95 assassinatos

O governo federal, ao mesmo tempo em que anuncia o plano de construir ao menos um presídio em cada Estado, afirma que possui políticas públicas para desafogar presídios e, assim, reduzir o número de presos. 

Segundo o Depen (Departamento Penitenciário Nacional), ligado ao Ministério da Justiça, o país possui 371 mil vagas em prisões. Ao final de 2014 --dados mais recentes do órgão--, havia 622 mil detentos. Caso todos os mandados em aberto fossem cumpridos, o número de presos no país passaria de 1 milhão e, para abrigá-los sem superlotação, seria necessário o triplo da capacidade oficial nas carceragens brasileiras.

O número de mandados de prisão em aberto vem crescendo ao longo dos anos. Em junho de 2014, o mesmo BNMP tinha 373 mil mandados em aberto. Em dois anos e meio, esse número cresceu mais de 50%.

Os dados dos mandados em aberto não se referem, necessariamente, ao total de foragidos --já que uma pessoa pode ter mais de um mandado de prisão expedido em aberto. Esses dados, porém, não são especificados no BNMP. Os especialistas consultados pelo UOL, porém, acreditam que a maioria dos mandados não são repetidos de mesmas pessoas. Também acreditam que os números desmentem o dito popular de que policiais prendem e a Justiça solta.

Entre os Estados, proporcionalmente o que tem menos mandados de prisão em aberto em relação ao número de presos em 2014 é o Amapá (média de 0,47 mandado para cada preso). Segundo o CNJ, são 5.663 mandados --mais que o dobro dos 2.663 presos.

Na outra ponta está justamente o Amazonas, com 3.534 mandados em aberto e 8.868 pessoas presas. (média de 2,5 mandados para cada preso) É o Estado que possui o maior percentual (65,77%) de presos provisórios no país.

Um levantamento do Centro Internacional de Estudos Penitenciários, ligado à Universidade de Essex, no Reino Unido, afirma que a média mundial de encarceramento é 144 presos para cada 100 mil habitantes. No Brasil, esse número sobe para 300 por 100 mil habitantes.

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Sobre o tema, o Ministério da Justiça informou ao UOL que possui políticas públicas para desafogar presídios e, assim, reduzir o número de presos. "[O ministério] vem investindo na ampliação de incentivo às alternativas penais, por meio de convênios firmados com as unidades da federação para a implantação de Centrais Integradas de Alternativas Penais e de Centrais de Monitoração Eletrônica."

Na quinta-feira (5), o presidente Michel Temer afirmou que deverá ser construído pelo menos mais um presídio em cada Estado brasileiro. Para isso, há uma verba de R$ 1,2 bilhão repassada pelo governo aos Estados. 

Cultura judicial equivocada

Para o pós-doutor em direito criminal pela Universidade de Paiva, na Itália, Welton Roberto, há um erro no pensamento judicial brasileiro de exagerar nas prisões. “É uma cultura da prisão preventiva por regra, quando deveria ser exceção. Os juízes brasileiros ainda têm uma cultura inquisitorial, do século 19”, diz.

Para ele, parte do caos prisional é gerado pelas prisões sem condenações. “Tem muita gente que está presa, mas que deveria estar solta. Aqui se prende primeiro para depois se investigar. Têm pessoas que passam seis, sete anos presas e depois são absolvidas. Isso mostra quão o juiz brasileiro prende mal. Prende e acha que resolveu um problema, quando na verdade cria outro”, afirma.

Segundo os dados mais recentes do Depen, 40% dos 622 mil presos eram provisórios e estavam ainda à espera de julgamento.

Parte da culpa, diz ele, é do próprio desprezo do brasileiro pela população carcerária. “Esse problema é crítico há muito tempo. A população não olha para os presídios como um problema, mas sim, como um esquecimento”, diz.

Mais presos não trazem mais segurança

O juiz maranhense Douglas Martins foi designado pelo CNJ para avaliação de diversos sistemas prisionais pelo país --inclusive o Amazonas-- e chegou à conclusão de que o excesso de prisões não é uma boa ideia.

“Alguém que defenda a política de maior encarceramento, que pensa que um modelo em que mais pessoas presas traz mais segurança, vai dizer que o problema está no número de foragidos. Só que esse modelo é o que tem sido tentado há anos. A evolução de número de presos é grande nas últimas décadas, e não se melhorou a segurança”, afirma.

Entre 2000 e 2014, a população carcerária cresceu 167% e o Brasil passou a ser o quarto país com mais pessoas presas no mundo --atrás apenas de Estados Unidos, Rússia e China.

Ainda segundo Martins, os presídios são parte do problema da segurança pública. “O sistema prisional é incapaz de controlar isso, e a superlotação --junto com outros fatores-- fez com que surgissem facções dentro dos presídios."

As facções controlam a criminalidade dentro e fora dos presídios

Douglas Martins, juiz

Contra o encarceramento

A tese de que o alto encarceramento é danoso ao país também é defendida pela ONG Conectas, que é defensora de direitos humanos.

“A violência nos presídios evidencia um sistema distorcido. Neste contexto, o surgimento das facções é alimentado pelas condições degradantes das unidades prisionais, pela precariedade do acesso à Justiça e, sobretudo, pela fracassada política de 'guerra às drogas'. Ao contrário do que o governo federal está propondo, o investimento de recursos públicos na construção de mais prisões não resolve a situação. O Brasil deve revisar sua política de encarceramento em massa”, informou, em nota pública, divulgada após as mortes em Manaus.

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