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'É assustador encontrar viaturas na rua', diz mulher negra pisada por PM

Momento em que o PM pisa no pescoço da vítima em abordagem no final de maio de 2020 - Reprodução
Momento em que o PM pisa no pescoço da vítima em abordagem no final de maio de 2020 Imagem: Reprodução

Do UOL, em São Paulo

25/08/2022 04h00

Dois anos e um mês. Esse foi o tempo que a mulher negra, hoje com 53 anos, imobilizada no chão em uma abordagem da Polícia Militar, levou para sair de casa novamente. A vítima, que pediu que a sua identidade não fosse revelada, foi atacada em 30 de maio de 2020 em Parelheiros, periferia da zona sul de São Paulo, ao tentar impedir a agressão dos policiais contra dois homens. Os agentes foram absolvidos pela Justiça Militar na terça (23).

Ela voltou a trabalhar e a sair de casa há pouco mais de um mês. Mas tem sido um desafio diário. "É assustador porque a gente encontra várias viaturas no caminho e sempre recordo de tudo", disse ao UOL Notícias.

A mulher e a família vivem com medo de represálias. "A gente fica preocupado porque nunca sabe de onde vem o mal", desabafou.

Quando soube da decisão da Justiça Militar, que absolveu o soldado João Paulo Servato, que pisou em seu pescoço, a comerciante ficou indignada. "Não esperava essa decisão. Realmente estou muito chateada."

Apesar do medo, ela afirmou que não vai desistir. "Vamos recorrer. A gente não pode deixar impune uma situação tão grave como essa. Com fé em Deus vai dar tudo certo, vamos tentar melhorar a lei brasileira para que nada disso aconteça com outras pessoas".

O que diz a defesa da vítima? Em nota, o advogado Felipe Morandini, que cuida da defesa da vítima, disse que ficou "incrédulo com a decisão" da Justiça Militar.

"As imagens são claras e demonstram as brutais e abusivas agressões sofridas pela vítima. A mensagem é a de que o policial militar tudo pode. Pode agredir, pode mentir, e pode matar. É uma carta branca dada à barbárie". O defensor afirmou que irá recorrer da decisão assim que ela for publicada, o que está previsto para o dia 30.

Como foi a decisão? O Tribunal de Justiça Militar absolveu, por três votos a dois, o soldado João Paulo Servato e o cabo Ricardo de Morais Lopes, que também participou da ocorrência, das acusações de falsidade ideológica e inobservância de regulamento.

Ministério Público irá recorrer? Em nota enviada à reportagem, o Ministério Público disse "lamentar" a decisão em 1ª instância e afirmou que irá aguardar a publicação da sentença para recorrer.

O que aconteceu? A vítima, uma comerciante negra que tinha 51 anos na época, foi atacada ao tentar impedir a agressão dos policiais contra dois homens.

Como os policiais se posicionaram sobre o caso? Na delegacia, os policiais militares envolvidos na ocorrência alegaram ter sido agredidos com uma barra de ferro, socos e chutes no local da ocorrência.

O que mostram as imagens? A versão apresentada pelos policiais foi desmentida com base na análise do vídeo e no depoimento de testemunhas. As imagens mostram a vítima sendo arrastada pelo asfalto até a viatura.

Três vídeos registrados por celulares mostraram a ação. Em um deles, um policial militar aparece pisando sobre o pescoço da comerciante, deitada no asfalto. Em outro, um PM aparece apontando a arma para um rapaz, que tirava a camiseta com intenção de mostrar que estava desarmado. Ainda há um vídeo que mostra a comerciante agredindo um PM com o cabo de uma vassoura.

Quais as lesões causadas pela agressão? A vítima alegou que recebeu uma rasteira durante a abordagem e quebrou a perna com o golpe.

Após a abordagem, ela disse ter seguido ao Hospital Geral do Grajaú, onde foi constatado que ela havia quebrado a tíbia. Ela ficou com a perna engessada por 30 dias e realizou uma cirurgia para colocação de uma haste e dois pinos.

A comerciante e dois clientes foram indiciados na época por resistência e desobediência.

Tíbia de comerciante de 51 nos quebrou (esq.) após, segundo ela, um PM lhe aplicar uma rasteira em 30 de maio. Em 29 de junho, ela precisou fazer uma cirurgia para colocar uma haste e dois pinos no osso (dir.) - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Tíbia de comerciante de 51 nos quebrou (esq.) após, segundo ela, um PM lhe aplicar uma rasteira em 30 de maio. Em 29 de junho, ela precisou fazer uma cirurgia para colocar uma haste e dois pinos no osso (dir.)
Imagem: Arquivo Pessoal

O PM seguiu atuando nas ruas mesmo após o vídeo mostrar o pisão no pescoço da comerciante negra? Uma reportagem do UOL Notícias revelou que o agressor foi transferido para outro batalhão, onde seguiu atuando nas ruas por 45 dias.

*Com Herculano Barreto Filho, do UOL Notícias, em São Paulo