Moradores citam 'cheiro de morte e chacina' em ação da PM que matou 4 em SP
A PM deixou pegadas, um rastro de sangue e cápsulas de fuzil em uma área de mangue após matar quatro pessoas em ação na última terça (27) em São Vicente, no litoral paulista. Com 38 mortes desde o início do mês, a operação policial é a mais letal de São Paulo desde o massacre do Carandiru.
O que aconteceu
Moradores contestam versão policial. O boletim da ocorrência ao qual o UOL teve acesso não menciona tiros dados pelos policiais que se aproximaram pela rua Dezenove, no começo da operação. Segundo testemunhas, foram esses disparos que fizeram com que os suspeitos fugissem por uma trilha em área de mata, onde acabaram sendo mortos depois por agentes que estavam no lado oposto, para cercá-los.
Para explicar mortes, PM volta a alegar que foi recebida a tiros. Segundo a versão dos PMs, esse grupo chegou a uma área asfaltada só para dar apoio aos agentes que haviam ingressado no terreno pelo lado oposto. Segundo a versão policial, as mortes ocorreram porque os suspeitos atiraram nos agentes, que revidaram. Em nota oficial, a corporação reafirmou que foi recebida a tiros na região — versão que tem se repetido ao longo das ações policiais neste mês na Baixada Santista.
[Os policiais] iniciaram operação de combate ao tráfico de drogas, realizando incursão a pé na região de mata e mangue, de difícil acesso, visando surpreender os traficantes pelo lado oposto [...]. Para segurança da equipe, foi solicitado apoio [...]. Os indivíduos tentaram se evadir pela trilha [...]. Ao perceberem a presença policial na mata, os indivíduos passaram a efetuar disparos de arma de fogo.
Trecho extraído do boletim de ocorrência
Moradores ouvidos pela reportagem relatam que um comboio de carros da PM se aproximou pela rua Dezenove. Ao desembarcar, agentes já abriram fogo na direção do ponto de venda de drogas, dizem testemunhas.
PM fechou cerco pelo lado oposto. As vítimas então fugiram por uma área de vegetação fechada com acesso a um campo de futebol que era usado como rota de fuga por traficantes em ações policiais. Mas os outros agentes já estavam lá para cercar a área, surpreendendo o grupo.
Eles [policiais] já chegaram atirando. Eu estava aqui e presenciei tudo. Era só tiro de fuzil. Parecia que estava desmoronando alguma casa, porque o barulho era muito alto. Os moradores ficaram em pânico. Aqui é uma região sem casos de violência. Eu nunca tinha presenciado uma cena como essa.
Os jovens não estavam armados e só queriam fugir. Mas os policiais estavam escondidos no meio do mato e fizeram um cerco porque já sabiam que essa era a rota de fuga. A PM veio preparada para matar. E mataram quatro jovens que não esboçaram reação.
Cápsulas de fuzil e sangue
"Cheiro de morte e "chacina, dizem moradores. Na cena do crime, moradores do Jardim Rio Branco, bairro humilde de São Vicente, dizem que há "cheiro de morte" no local onde ocorreu a ação policial. "O que a PM fez aqui foi uma chacina"", disse um deles.
Vestígios em cena do crime. O UOL percorreu o trecho de 150 m em uma área de mangue de vegetação fechada no Jardim Rio Branco. Ali, a reportagem encontrou ao menos 15 cápsulas de fuzil, pegadas possivelmente deixadas pelos policiais militares que participaram da ação e luvas.
Rastro de sangue. A reportagem também encontrou dois locais com sangue misturado na areia onde as vítimas caíram após serem baleadas.
Ponto do tráfico. Os mortos na ação da PM são apontados como suspeitos de vender drogas logo na entrada dessa área. A região fica a um quarteirão da rua Dezenove, uma das principais do bairro, asfaltada e composta por casas simples. Embora reconheçam a existência do tráfico ali, moradores dizem que nunca viram pessoas armadas ou tiroteios.
Alerta e fuga. Moradores relatam que um olheiro do tráfico percebeu a aproximação das viaturas da PM e deu um grito de alerta para os suspeitos, que fugiram. "Molhou", teria dito ele, que em seguida correu para não ser também alvo da ação policial.
Ambiente de medo. O UOL encontrou um cenário de medo e ouviu relatos dos próprios moradores, que não quiseram se identificar com receio de que pudessem ser perseguidos depois pela própria polícia.
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