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Você sentiu tédio no debate? Isso é ótimo

16.11.2020 - Guilherme Boulos (PSOL) e Bruno Covas (PSDB) antes do debate promovido pela CNN Brasil para a Prefeitura de São Paulo - Kelly Queiroz/CNN Brasil
16.11.2020 - Guilherme Boulos (PSOL) e Bruno Covas (PSDB) antes do debate promovido pela CNN Brasil para a Prefeitura de São Paulo Imagem: Kelly Queiroz/CNN Brasil

Matheus Pichonelli

Colunista do UOL

17/11/2020 15h01Atualizada em 18/11/2020 14h39

Sim, você sentiu tédio no debate de ontem.

Plena segunda-feira e tem candidato a prefeito da maior cidade do país falando de pandemia, alvará, atração de investimentos, IPTU, moradia, economia criativa, justiça social, Cracolândia.

Afe.

Cadê aquela versão canalha da musiquinha do He-Man? E aquele grito de torcida adaptado que manda prefeito tomar "no juízo" com o dedinho pra cima e o selo da lacração?

Durante mais de uma hora não teve um teste de DNA, promessa de porrada fora do estúdio nem insinuações sobre quem deu deu cadeirada em Zé da Ambulância no bar de Titico Gordo. Não teve uma gota de sangue.

Sim, você sentiu tédio. Mas acredite: isso é ótimo.

Nos últimos anos, com a crise escancarada e a incapacidade das forças políticas tradicionais de oferecerem respostas a dilemas contemporâneos, muita gente acreditou que cara nova bastava para dar conta do problema.

Nada contra caras novas. Tenho até amigos que têm.

O problema é o espírito enferrujado de quem achou que estar conectado aos algoritmos era carta-branca para governar com a lógica das redes.

Em 2018, candidatos que tinham essa inserção venceram nas urnas e mostraram que como gestores são ótimos tuiteiros. Diante do impasse, é para lá que correm para ofender a primeira-dama da França, compartilhar vídeos de golden shower, trollar jornalista, transformar ciúme em mentiras sobre a vacina do adversário, espalhar fake news, fazer piadinha idiota em live ou viralizar dizendo que tomar guaraná rosa é coisa de boiola.

A lógica infantilizada das redes, em que ganha quem berra ou chora mais, como fazíamos, aliás, no jardim da infância quando queríamos a atenção da tia, fez com que a figura mais parecida com um adulto nas salas de comando político fosse um brutamontes brincando de Comandos em Ação.

Bem verdade que esse embate entre quem diz que é feio chamar o amiguinho que toma guaraná rosa de boiola e quem responde dizendo FEIO É VOCÊ não foi transmitido pela TV há dois anos. Mas só porque a turma do ódio não aparecia no debate e preferia dar entrevistas chapa-branca para emissoras camaradas.

Em 2020, teve candidato a prefeito no interior de São Paulo fazendo ilações sobre a vida sexual do adversário. Foi punido lindamente pelas urnas, que começam a perceber novamente que política é, ou deveria ser, coisa séria, não show de pirotecnia.

O debate da CNN Brasil, que deu a largada da disputa entre Bruno Covas (PSDB) e Guilherme Boulos (PSOL) no segundo turno, não foi um jantar à luz de velas. Teve tensão, teve provocação, teve sarcasmo, teve pedido de posicionamento sobre conflitos, erros e contradições.

A "novidade" estava nas respostas diante do confronto, quase todas devolvidas acima da linha da cintura e no mesmo tom de voz.

A certa altura, o tucano disse que não aceitaria ilações sobre sua moralidade após o rival relacionar contribuições para campanha e alívio fiscal para empresas apoiadoras. Em resposta, pediu desculpas e disse que não se tratava de um ataque pessoal, mas uma crítica estrutural.

Quem estava acostumado com a nova ordem Tubaína chegou a se assustar com uma cena rara: alguém capaz de pedir desculpas. No meio de um debate.

Em suas propostas para São Paulo, um é água e outro é óleo, e ninguém estava ali para concordar nem para combinar um chope após o duelo. Mas ficou claro para o espectador que um reconhecida no outro o direito de estar ali, perguntar e responder —longe do discurso comum no debate pautado pelas redes que dá à divergência apenas a opção de exclusão ou bloqueio.

Claro que falta aos candidatos aquele molejo de outros debates, quando Brizola jogava molho em qualquer caldo insosso.

Mas ainda assim fico com impressão compartilhada por alguns colegas no Twitter, como o da Anna Virginia Balloussier, que me fez querer escrever este texto:

"Nunca fiquei tão feliz de achar um debate tedioso. Boulos vs. Covas até aqui tá assim, e isso é bom. 2018 nos colocou num estado contínuo de tensão, como se qualquer duelo político tivesse que se dar na base do grito e da porrada. Um pouco de civilidade cai bem", definiu ela.

Assino embaixo. Um pouco de civilidade cai bem. Para quem se incomodou e sentiu falta de emoção, havia a opção de mudar para o Programa do Ratinho.