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Como mensalão e Lava Jato unem as sabatinas de Lula no Jornal Nacional

Do UOL, em São Paulo

26/08/2022 04h00

A sabatina do "Jornal Nacional" (TV Globo) com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ontem à noite, começou tratando do mesmo assunto que a entrevista anterior do petista ao telejornal, em 2006: a corrupção. Questionado naquela ocasião sobre o escândalo do mensalão, Lula desta vez foi perguntado sobre os desvios descobertos pela Operação Lava Jato. E as respostas do petista também foram semelhantes.

  • Há 16 anos, quando concorria à reeleição, Lula evitou falar sobre os crimes atribuídos à cúpula do partido e enfatizou que, em seu governo, os órgãos de controle tinham liberdade para apurar os casos.
  • Ontem, da mesma forma, Lula não entrou no mérito dos desvios na Petrobras, mas afirmou logo de início que a corrupção "só aparece quando você permite que ela seja investigada".

O que Lula disse ontem sobre a Lava Jato? Logo na abertura da entrevista, o jornalista William Bonner, âncora do telejornal, afirmou que Lula "não deve nada à Justiça" após ter suas condenações anuladas por ordem do STF (Supremo Tribunal Federal). Ele, porém, perguntou ao ex-presidente como convenceria o eleitor de que casos de corrupção, como os que aconteceram na Petrobras em seu governo, não irão se repetir em um eventual novo mandato.

O petista, mesmo tendo sido questionado três vezes por Bonner, não detalhou que medidas tomará para prevenir que novos crimes aconteçam, e centrou suas atenções em assegurar que eventuais desvios serão investigados e punidos.

Lula lembrou que em seu governo foram criados mecanismos como o Portal da Transparência e órgãos como a CGU (Controladoria-Geral da União) e o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

Disse ainda que, em seu governo, o Ministério Público era independente e que a Lava Jato "ultrapassou o limite da investigação e entrou no limite da política", com o objetivo de condená-lo.

O que Lula havia dito em 2006? A sabatina de 2006 durou apenas 10 minutos, contra 40 da entrevista de ontem. Mais da metade do tempo foi ocupada pelo escândalo do mensalão.

Bonner leu trechos da denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República), que acusava a cúpula petista de desviar recursos de órgãos públicos para "garantir que o PT continuasse no poder, comprando o apoio de outros partidos".

Lula, em resposta, começou afirmando que "ética significa você permitir que as instituições façam as investigações que possam e precisam fazer". Ele lembrou, ainda, que todos os envolvidos em suspeitas, como os ex-ministros José Dirceu e Antonio Palocci, haviam sido afastados do governo.

Obviamente que eu lamento profundamente que companheiros tenham feito coisas que ainda vão ser julgadas, porque a última instância é o Supremo Tribunal Federal. Mas nós facilitamos que tudo fosse investigado e afastamos todas as pessoas que estavam na alçada do presidente da República. É o que eu posso fazer
Lula, em sabatina ao "Jornal Nacional" em 2006

Ataques a Bolsonaro Na sabatina de ontem, Lula fez ataques diretos e indiretos a Bolsonaro no tema do combate à corrupção. Primeiro, ele falou que "poderia ter escolhido um procurador "engavetador, aquele amigo que você escolhe que nenhum processo vai para frente".

Essa crítica tem sido feita ao atual procurador-geral, Augusto Aras, que já foi cobrado até por membros da cúpula do órgão para agir contra Bolsonaro. Esse comentário também era feito a respeito do procurador Geraldo Brindeiro, que comandou o órgão no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), antecessor de Lula no cargo.

Em seguida, na sabatina do "Jornal Nacional", Lula fez uma referência direta à prática do governo Bolsonaro de decretar sigilo de 100 anos sobre determinadas informações.

"Eu poderia, por exemplo, fazer decreto de cem anos. Sabe decreto de sigilo que está na moda agora? Eu poderia, para não apurar nada, decretar cem anos de sigilo para o [ex-ministro da Saúde Eduardo] Pazuello, ou poderia não investigar. Pega um tapete e coloca em cima de qualquer denúncia e nada vai ser apurado e não vai ter corrupção", disse o ex-presidente.

Até que ponto Lula assumiu responsabilidades? Na sabatina de 2006, o ex-presidente foi perguntado pela jornalista Fátima Bernardes se também teria culpa pelo mensalão e se poderia fazer algo diferente se uma situação como aquela voltasse a acontecer. O ex-presidente, em resposta, criticou as pessoas que diziam que "o presidente deve saber de tudo".

Ora, vamos ser francos, vamos ser honestos entre nós. Está cheio de famílias que têm problema dentro de casa e a família não sabe. Está cheio de pai e mãe que ficam sabendo que o seu filho cometeu um delito pela imprensa, ou quando a polícia prende
Lula, em sabatina ao "Jornal Nacional" em 2006

Já na entrevista de ontem, Lula não foi diretamente questionado sobre a culpa que teria nos crimes apontados pela Lava Jato. O que ele afirmou é que a operação tinha um objetivo prévio de atingi-lo. "No primeiro depoimento que eu fui dar ao Moro, eu falei: Moro, você está condenado a me condenar porque você permitiu que a mentira fosse longe demais, e você sabe do que eu estou falando", afirmou.

O que Lula disse sobre o Ministério Público? Lula sofreu críticas ontem nas redes sociais por não ter se comprometido a indicar, para o comando da PGR, um dos três nomes da lista tríplice da categoria.

O mecanismo, que passou a funcionar em 2003, foi desrespeitado pela primeira vez no governo Bolsonaro, que ignorou os nomes indicados pela ANPR (Associação Nacional de Procuradores da República). O presidente Michel Temer (MDB), por sua vez, apesar de não ter escolhido o mais votado, como de costume nos governos do PT, indicou para o posto um dos nomes da lista tríplice.

Lula, que em seus dois mandatos sempre escolheu nomes da lista, não confirmou nem negou que seguirá a indicação novamente. "Não quero definir o que eu vou fazer", disse. Ele afirmou, por outro lado, que não deseja ter "amigos" nos órgãos de investigação.

"Não quero procurador leal a mim. O procurador tem que ser leal ao povo brasileiro. Ele tem que ser leal à instituição. Agora, pode ficar certa que se eu ganhar as eleições, antes da posse eu vou ter várias reuniões com o Ministério Público para discutir os critérios que eu acho que é importante", declarou.