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Guerra da Rússia-Ucrânia

Notícias do conflito entre Rússia e Ucrânia


Exército ucraniano tem 635 estrangeiros, diz Rússia; 13 são brasileiros

Brasileiros que se alistaram como voluntários junto às tropas ucranianas registram a guerra em fotos nas redes sociais - Reprodução da internet
Brasileiros que se alistaram como voluntários junto às tropas ucranianas registram a guerra em fotos nas redes sociais Imagem: Reprodução da internet

Herculano Barreto Filho

Do UOL, em São Paulo

13/04/2022 04h00Atualizada em 13/04/2022 12h40

Levantamento feito pelo Ministério da Defesa da Rússia rastreou 635 combatentes estrangeiros atuando em apoio às tropas ucranianas no conflito —13 deles são brasileiros, a maior quantidade de voluntários no hemisfério Sul ou entre os países em desenvolvimento.

Especialistas ouvidos pelo UOL relacionam o fenômeno a questões ideológicas, como o bolsonarismo, a defesa da política armamentista no país e até uma identificação com a queda do governo ucraniano em meio às violentas manifestações de 2014 da extrema-direita, que contou com a participação de grupos neonazistas.

Encabeçada por estrangeiros de países da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) ou de nações vizinhas, a lista elaborada pelo governo russo também conta com aliados tidos como "improváveis" devido ao distanciamento geopolítico do conflito.

Com 13 voluntários, o Brasil aparece empatado ao lado da Polônia, país que faz fronteira com a Ucrânia e com envolvimento direto na guerra, já que está em uma das principais rotas de fuga de refugiados.

O Brasil é o único país sem vínculo militar com a guerra que aparece nessa lista. Está à frente, inclusive, de voluntários espanhóis, portugueses, italianos e gregos, que são membros da Otan"
Tito Barcellos Pereira, geógrafo e cientista político

O UOL vem monitorando há um mês as movimentações de apoio às tropas ucranianas de voluntários brasileiros, que têm compartilhado vídeos, fotos e relatos em seus perfis no Instagram em meio à guerra. Barcellos, que participa de grupos de estudos sobre geopolítica e forças armadas, relaciona o fenômeno ao perfil ideológico e político.

O grupo de brasileiros é formado por ex-militares que apoiam o bolsonarismo, apontam os especialistas —um deles fez campanha aberta nas redes sociais em apoio a Jair Bolsonaro (PL) nas eleições de 2018 trajando camisa com o rosto do então candidato e fazendo pose com as mãos em alusão à política armamentista do então candidato.

"Existe uma afinidade ideológica. Há pessoas que já falavam em 'ucranização do Brasil' muito antes de a guerra começar [em referência às ações de paramilitares de extrema-direita que resultaram na queda do governo ucraniano em 2014]. São ex-militares que se identificam com o bolsonarismo", afirma Barcellos.

Política armamentista e 'lógica miliciana'

Mariana Kalil, professora da Escola Superior de Guerra do Ministério da Defesa, também vê ligação entre o bolsonarismo e o nacionalismo ucraniano. "O próprio Sergio Moro [ex-ministro da Justiça] propôs [como pré-candidato a presidente] um projeto de combate à corrupção aos moldes do que ocorreu na Ucrânia", afirma, em referência à proposta do ex-juiz da Lava Jato, hoje no União Brasil, de criar uma corte nacional anticorrupção.

Kalil entende que a quantidade expressiva de voluntários brasileiros na Ucrânia também pode estar relacionada ao que vê como uma percepção de que o indivíduo tem responsabilidade sobre o papel do Estado.

É a radicalização dessa mentalidade miliciana, que prega que o indivíduo precisa ter a capacidade de se defender porque o Estado não pode garantir a Segurança Pública. Essa ideia está ligada à própria política armamentista defendida por Bolsonaro"
Mariana Kalil, professora da Escola Superior de Guerra

O governo de Jair Bolsonaro tem adotado uma postura de neutralidade em relação ao conflito. Em votação que suspendeu a Rússia do conselho de direitos humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) na última quinta-feira (7), o governo brasileiro se absteve e não apoiou o afastamento do país de Vladimir Putin.

O embaixador Ronaldo Costa Filho garantiu que o governo Bolsonaro está "profundamente preocupado com as violações de direitos humanos na Ucrânia, inclusive na cidade de Bucha".

Kalil projeta um possível impacto político no Brasil após o retorno dos combatentes. "Eles simbolizam o indivíduo com valores de herói e de sacrifício. Assim, se associam aos valores cristãos e à lógica miliciana, com grande apelo na sociedade", analisa.

O problema, no entendimento dela, é a criação de um cenário semelhante justamente ao que ocorreu na Ucrânia em 2014, com ações violentas de grupos identificados com a extrema-direita, em uma eventual derrota nas urnas.

"Para esses indivíduos, as instituições só são úteis quando exercem políticas de acordo com o pensamento deles. Eles podem organizar motins caso o resultado das eleições não saia de acordo com o esperado", diz.

Ex-membros da Legião Francesa

Especialista em estudos sobre a atuação da extrema-direita na Ucrânia e formado pela University College Dublin, o historiador Francisco de Paula Oliveira Fernandes relaciona o alto índice de brasileiros entre os voluntários na guerra da Ucrânia à presença deles na Legião Estrangeira Francesa.

"Os ex-legionários são combatentes experientes e bem treinados. Mas o número de estrangeiros aliados da Ucrânia é bem maior do que o divulgado. Desde 2014, o governo ucraniano tem um programa de recrutamento que permite a contratação de qualquer estrangeiro", afirma.

A lista de estrangeiros é encabeçada por Geórgia (130), Grã-Bretanha (104) e EUA (51). Chama a atenção o alto índice de voluntários de Belarus, com 43 combatentes aliados das tropas ucranianas, segundo o levantamento —o país é o principal aliado da Rússia no conflito.

"Entre esses combatentes, há anarquistas, pessoas de extrema-direita já ligadas a grupos neonazistas ucranianos e opositores ao governo", diz Fernandes.

Os brasileiros na Ucrânia

O grupo de brasileiros monitorados pela reportagem diz integrar a Legião Internacional de Defesa Territorial da Ucrânia. Eles mostraram imagens do que seria a chegada da unidade à capital Kiev. No dia seguinte, um ataque aéreo destruiu parte da base militar de estrangeiros na região de Lviv, "Estava nessa base. Perdi amigos lá", disse um deles.

Antes do bombardeio à base de Lviv, o governo ucraniano chegou a estimar a presença de cerca de 20 mil combatentes estrangeiros aliados às forças de segurança do país. Mas não chegou a especificar a nacionalidade desses voluntários.

Outro voluntário, que também diz ter passado pela base militar bombardeada, postou vídeo após o ataque afirmando estar na Polônia. Na ocasião, afirmou ter avisado ao seu superior hierárquico que deixaria a unidade pouco antes dos mísseis atingirem o local. "Não imaginava o que era guerra", disse na ocasião. Contudo, negou ter fugido da zona de confronto.

Uma semana depois, integrantes do grupo filmaram imagens ao som de tiros, bombas e rajadas do que afirmaram ser um confronto com as tropas russas em uma área de mata na região de Kiev.

Em um dos registros, deletado em seguida, um deles diz: "se juntem a nós, seus covardes", em resposta a críticas devido ao uso das redes sociais —especialistas alertam para a possibilidade de rastreio da localização das tropas com base nas publicações nas redes sociais.