Após gafe sobre 'estupro legítimo', republicanos temem poder das mulheres eleitoras
O nefasto comentário sobre “estupro legítimo” feito por Todd Akin, parlamentar do Estado de Missouri e candidato ao Senado dos Estados Unidos, fez com que eu voltasse a formular uma pergunta simples: por que uma mulher votaria nos republicanos?
O establishment republicano correu a pressionar Akin para que este desistisse da eleição – algo que ele recusou-se a fazer – em parte porque as lideranças republicanas desejam ganhar a cadeira disputada por ele, controlar o Senado e obter em Missouri uma vitória para Mitt Romney. Uma pesquisa de intenção de voto da SurveyUSA do início deste mês – antes, portanto, do comentário de Akin sobre “estupro legítimo” - revelou que Romney e Obama estavam estatisticamente empatados no Estado.
Mas, conforme o “New York Times” observou na última quarta-feira (22), “Como legislador, Akin possui um histórico relativo ao aborto que é indistinguível daquele exibido pela maioria dos seus colegas republicanos na Câmara dos Deputados, que consideram a restrição do direito ao aborto uma das suas principais prioridades”.
Na verdade, enquanto o caso Akin reverberava pelos canais do discurso político e público, a comissão de propostas de campanha do Comitê Nacional Republicano aprovava aquela que, segundo declarou um membro do partido ao jornal “The Washington Times”, “parece ser a plataforma mais conservadora da história moderna”. Entre outras coisas, ela propõe a redação de uma “emenda de preservação da vida humana” para a qual não haja exceção nem mesmo em casos de estupro ou incesto.
Porém, os republicanos estão com medo das consequências políticas do comentário de Akin.
O radialista conservador Rush Limbaugh, que ficou famoso por ter, entre outras coisas, chamado Sandra Fluke, uma ex-estudante de direito da Universidade Georgetown e defensora do direito da mulher ao uso de contraceptivos, de “prostituta”, afirmou que o comentário de Akin foi estúpido, e acrescentou: “Eu tenho visto tudo o que vocês têm visto. As pessoas dizendo a ele que renuncie à candidatura. Que ele precisa desistir para o bem do partido, do país e da campanha presidencial. Que nós temos que derrotar Obama. Aliás, eu concordo com isso. Eu creio que está em jogo muita coisa que é muito maior do que indivíduos específicos”.
Essa é a questão importante. O Partido Republicano já tem um problema no que se refere às mulheres eleitoras, e ele não pode se dar ao luxo de piorar a situação fazendo com que a atenção delas se concentre neste caso. E o déficit eleitoral republicano diz respeito às mulheres solteiras, e não às casadas.
Conforme observou Shaila Dewan no início deste mês no “New York Times”, “as mulheres solteiras compõem um dos grupos demográficos de crescimento mais rápido do país. Hoje existe 1,8 milhão de mulheres solteiras a mais do que há apenas dois anos. Elas representam um quarto da população norte-americana em idade de votar, e elas são ainda mais representativas nos Estados indecisos entre as duas candidaturas, incluindo Nevada. E, embora se inclinem para o Partido Democrata – segundo uma pesquisa recente do New York Times/CBS News, entre as mulheres solteiras Barack Obama vence o seu rival republicano, Mitt Romney, por uma vantagem de 29 pontos percentuais –, elas são também criteriosas em relação ao seu voto, preocupam-se com questões práticas, como os salários e mostram-se desencantadas com um sistema político que, segundo elas, mostra-se cada vez mais alheio às suas preocupações.
Por um lado, o establishment republicano deseja combater a percepção de que o partido está travando uma guerra contra as mulheres – algo que ele de fato está fazendo –, alegando que os interesses econômicos do eleitorado feminino são separados e distintos dos seus interesses relativos à saúde. Mas esse é um falso argumento para muitas mulheres porque esses dois interesses, especialmente no que se refere ao controle reprodutivo, estão inextricavelmente ligados. Ter filhos ou não é algo que tem um peso drástico na situação financeira da mulher.
Por outro lado, há aqueles indivíduos que se situam nas margens ideológicas do partido e que se preocupam menos com o establishment. Eles manifestam ostensivamente a frustração republicana com essas eleitoras solteiras, e sequer tentam ocultar o intenso desprezo que sentem por elas.
O reverendo Jesse Lee Peterson – que foi entrevistado várias vezes pela rede de televisão de direita Fox News, que fundou um grupo do Tea Party na Califórnia e que é também fundador de um grupo chamado Organização Irmandade para um Novo Destino – proferiu recentemente um discurso no qual afirmou: “Um dos principais motivos pelos quais os Estados Unidos estão em declínio é o fato de as mulheres estarem assumindo o controle sobre as coisas. Elas atualmente estão ocupando as chamadas posições de poder, estão administrando companhias e tomando decisões”.
Após murmurar coisas meio sem sentido por algum tempo, ele acrescentou: “as mulheres não têm capacidade de lidar com o poder. Não faz parte da estrutura delas lidar com o poder da forma correta.” “As mulheres foram degradadas, elas estão degradadas neste momento e não estão sentindo vergonha disso”.
Eu estou ficando irritado pelo simples fato de estar transcrevendo tais comentários, portanto, vou direto ao cerne da declaração de Peterson: “Eu creio que um dos maiores erros que os Estados Unidos cometeram foi permitir que as mulheres votassem. Nós jamais deveríamos ter dado essa oportunidade a elas”.
E por que? “Porque elas estão votando em indivíduos malignos”.
No website da Organização Irmandade para um Novo Destino, tanto o entrevistador da Fox News, Sean Hannity, quando Dennis Prager, outro radialista conservador, são identificados como sendo membros da diretoria da organização. O website atribui o seguinte comentário aprovador a Hannity: “A Organização Irmandade para um Novo Destino tem desempenhado um papel fundamental para ajudar jovens homens e mulheres a construírem vidas que contribuirão para inspirar a próxima geração. A Organização Irmandade para um Novo Destino continua a travar uma luta justa pelos valores de Deus, da família e do país, e portanto ela merece o nosso apoio”.
E, segundo o site, Prager manifestou a sua aprovação da seguinte forma: “Não importa qual seja a questão, Jesse sempre busca a verdade e fala com coragem. Até mesmo em relação àquelas poucas questões quanto as quais eu possa não concordar inteiramente com Jesse, ele me obriga a refletir uma segunda e uma terceira vez. Ele possui tanta base moral e é tão destemido que, quando nós diferimos, a minha primeira reação é me perguntar: 'Onde foi que eu errei?'”.
E isso me faz voltar à questão original: por que uma mulher votaria nos republicanos? Esse é o partido que ataca os direitos reprodutivos e limita as opções de saúde das mulheres – e isso por sua vez implica em limitações à liberdade econômica feminina – e cujos representantes na rádio e na televisão desdenham ostensivamente delas, especialmente daquelas que não estão vinculadas a um homem.
E é bom lembrar que mesmo aquelas mulheres que atualmente estão casadas um dia já foram solteiras.
(*) Charles M. Blow é colunista do “New York Times”
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