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Retrospectiva 2012: Apesar das mais de 20 eleições deste ano, o mundo resiste a mudar

Niall Ferguson*

Do New York Times

11/12/2012 06h00

Para ter uma ideia do que o futuro nos reserva, é preciso analisar os novos países “estacionários", dos quais pelo menos um pode se reerguer.

Nós ansiamos pelas mudanças. Da mesma forma que os economistas previram nove das últimas cinco recessões, os jornalistas registraram nove das últimas cinco revoluções.

Cada eleição é considerada o início de uma nova era; de cada presidente se espera uma nova “doutrina” de política exterior. Uma mudança mínima no celular é caracterizada pelos devotos do culto da Apple como uma “mudança de paradigma”.

A verdade é que tais mudanças, como Thomas Kuhn deixou claro em seu “Estrutura das Revoluções Científicas”, não acontecem todo ano. São lentas porque, mesmo quando um novo fator se mostra correto - incrivelmente correto, em análise retrospectiva -, interesses velados e outras formas de inércia resistem à sua adoção. O mesmo vale para grandes descontinuidades políticas; elas não acontecem com frequência.

Em 2012, houve diversas eleições, não só nos EUA, mas na França, no México, na Holanda, na Rússia, na Coreia do Sul, em Taiwan e na Venezuela. A China nomeou o novo comitê do Politburo, depois de uma seleção tão obscura quanto a escolha do papa.


Em países como Egito, Líbia e Iêmen, não há dúvidas quanto ao seu caráter revolucionário, já que a Primavera Árabe continuou a evoluir durante o Inverno Islâmico, mas, em outros lugares, as mudanças políticas raramente podem ser consideradas fatores de mudança.

Na França, a esquerda cansada fez mais um protesto débil contra a realidade econômica; no México, o regime antigo, na forma do Partido Revolucionário Institucional, voltou ao poder. Ao contrário do que se esperava, os populistas antieuropeus perderam na Holanda e o simpático Mark Rutte foi reeleito. Na Rússia, Vladimir Putin deixou de brincar de ser primeiro-ministro e assumiu seu verdadeiro cargo, o de presidente. Alguma mudança radical? Pode virar para o outro lado e continuar a dormir.

O grande historiador inglês A.J.P. Taylor disse que, em 1848, “a Alemanha atingiu seu ponto de mudança e não conseguiu mudar”. Na verdade, essa conclusão poderia muito bem ser aplicada para a maioria dos países na maior parte do tempo.

A história é como um petroleiro; não vira à toa. A humanidade segue em frente, singrando os mares do tempo que às vezes são calmos, às vezes, turbulentos. Às vezes, parece quase calmo demais; em outras, a velocidade assusta. Dependendo de quem for o capitão do navio, às vezes ele vai para o porto; em outras, sai para a direita - e, quando muda a rota, ela é feita de forma lenta.

O que muda de repente num petroleiro são as emoções da tripulação. Durante 99% do tempo, ela obedece a ordens e cumpre suas funções, mas muito de vez em quando há um drama qualquer; os homens se amotinam e o capitão acaba sendo preso. Ou um bando de piratas sobe a bordo. Eventos assim são o que os historiadores adoram analisar e chamar de “revoluções”. Ainda assim, a embarcação segue seu curso.


Em outras palavras, não espere que 1989 aconteça todo ano - e não exagere a importância das mudanças ocorridas naquele ano. Há quase um quarto de século, Francis Fukuyama as descreveu como “uma vitória inegável do liberalismo econômico e político … o triunfo do Ocidente”.

Parecia verdade. Quem consegue esquecer a emoção daquela noite - 9 de novembro de 1989 - quando a Guerra Fria acabou não só com a possibilidade do fim do mundo, mas numa festa de rua? Sim, enquanto escrevo este artigo, a República Popular da China está prestes a superar os EUA em termos de PIB (adaptado para as diferenças de poder de compra), o que pode acontecer em 2017. Se você investiu no Ocidente em 1989, se deu muito pior do que se tivesse investido em outro lugar. Os mercados emergentes quintuplicaram seu tamanho desde 1989; o norte-americano, quadruplicou; o europeu, não chegou a triplicar.

Uma maneira simples e coerente de ver o mundo é aceitando que a riqueza - e, com ela, o poder - estão mudando do Ocidente para o “Resto”. Nesse aspecto, o verdadeiro ponto de transição não foi 1989, mas 1979, ano em que Deng Xiaoping visitou os EUA e o embrião das reformas econômicas chinesas tomou forma. A partir dali, a “grande divergência” entre o Ocidente e o “Resto” acabou e o mundo embarcou numa “grande reconvergência”.

Acontece, porém, que a realidade é mais complicada do que sugere expressões como “o mundo pós-EUA”.

Há seis mecanismos lentos de mudança histórica na nossa época (leia-se registros históricos). Erro comum é se concentrar apenas em um. São eles:

1. Inovação tecnológica;

2. Disseminação de ideias e instituições;

3. Tendência de degeneração dos sistemas políticos (até dos bons);

4. Demografia;

5. Fornecimento de matérias-primas essenciais;

6. Mudanças climáticas.

Os três primeiros basicamente explicam por que o Ocidente perdeu parte de sua predominância, mas os outros nos fazem lembrar a maravilhosa frase atribuída a Bismarck: “Deus protege as crianças, os bêbados e os EUA”.

Se calcularmos (grosso modo) o número de patentes internacionais dadas por país de origem do requerente, o Ocidente já não é mais líder. O Japão está muito a frente dos EUA há pelo menos 20 anos e, na última década, primeiro a Coreia do Sul e depois a China superaram a Alemanha para ocuparem o terceiro e o quarto lugares.

Se calcularmos (mais especificamente) baseados nos testes padronizados de desempenho matemático aos 15 anos, o Ocidente também decaiu. No relatório mais recente da Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento, a diferença entre teens de Xangai e dos EUA é a mesma que há entre a garotada norte-americana e a albanesa. A medalha de prata ficou com os jovens matemáticos de Cingapura e a de bronze foi para Hong Kong; depois vem a Coreia do Sul e Taiwan. Excelência em matemática não é tudo, obviamente, mas as sociedades que ensinam o aluno médio tão melhor que o Ocidente têm muito mais probabilidades de tornar gênios em estado bruto (distribuídos pelo mundo de forma aleatória) em vencedores do Prêmio Nobel.

O terceiro mecanismo - quase sempre ignorado pelos cientistas políticos - é a tendência que até os melhores sistemas têm de degringolar conforme os “interesses especiais” começam a assumir proporções maiores no corpo político, como a craca que se espalha pelo casco do navio, e a virtude cívica dá lugar à fraqueza humana. Os ocidentais têm orgulho (e com razão) de seus diversos sistemas democráticos e os norte-americanos acreditam que a sua Constituição seja a melhor do mundo; apesar disso, todos os estudos comparativos de qualidade institucional - seja do Índice de Competitividade Global do Fórum Econômico Mundial ou os Indicadores de Governança Mundial - contam a mesma história deprimente: em muitos países ocidentais, há um declínio visível no Estado de Direito, sendo os piores casos os “berços da democracia” do sul da Europa, Grécia e Itália, que receberam péssimas notas do Fórum Econômico Mundial. Já nos EUA, o Banco Mundial registrou declínios desde 2000 no controle de corrupção, qualidade regulatória, responsabilidade e efetividade de governo.

Essa “grande degeneração” ajuda a explicar a queda no crescimento e produtividade que vemos no Ocidente na última década. Não podemos culpar somente a crise financeira, nem o fato de que (como o economista Robert Gordon recentemente refutou) a revolução da tecnologia da informação resultou em muito menos do que o furor à sua volta nos fez acreditar. O mundo está mudando não só porque o “Resto” melhorou, mas porque, independentemente disso, o Ocidente piorou. De fato, a maior parte do mundo desenvolvido hoje me lembra do que Adam Smith disse sobre a China em “A Riqueza das Nações”: atingiu um estado “estacionário” no qual registra um crescimento próximo a zero e a prosperidade é reservada à elite burocrática corrupta.

Apesar disso, há três razões importantes por que os EUA têm mais condições de escapar da inércia do que o sul da Europa ou o Japão.

Por causa da imigração, da fertilidade e do ineficiente sistema público de saúde, os EUA estão envelhecendo muito menos rápido que nações como Japão ou Alemanha. Até 2050, segundo a ONU, mais de 30% dos japoneses terão 65 anos ou mais; na Alemanha, o número chega a 31%. Até na China, mais que 25% da população terá 64 anos, mas, nos Estados Unidos, essa proporção será de apenas 21%. A mão de obra chinesa vai começar a encolher a partir de 2020, mas o mesmo não vai ocorrer com os EUA.

Além disso, ao contrário da Europa e do Japão, os EUA estão entre os cinco maiores países em termos de riqueza mineral, com reservas de combustíveis fósseis e minerais que valem pelo menos US$ 30 trilhões ? mais que Austrália, Arábia Saudita e China, embora menos que a Rússia. Mais que isso, o país tem tudo para se beneficiar de uma revolução energética que viu o gás de xisto pular de 1% de sua produção de gás natural em 2000 para os 35% de hoje. O gás natural norte-americano custa um quarto do valor do produto do leste da Ásia e 30% do preço da Alemanha. A combinação de um mercado de trabalho cada vez mais competitivo e energia barata vai permitir uma recuperação impressionante da manufatura num futuro próximo.

Por fim, conforme o mundo se aquece e o clima fica cada vez mais volátil, a América do Norte vai se dar muito melhor que o leste da Ásia. Os desastres naturais vão ocorrer, é claro, como a tempestade Sandy fez questão de nos lembrar, mas haverá muito mais do outro lado do Pacífico. Boa sorte às megacidades litorâneas da Ásia. Elas vão precisar.

As coisas já parecem melhor nos EUA do que no resto do Ocidente: o FMI projeta 2,3% de crescimento para o ano que vem, comparado com 1,2% do Japão e 0,7% na zona do euro, e essa divergência deve persistir. Uma maneira de entender esse fator de mudança é através da “Era Trilateral”, quando os EUA, a Europa e o Japão governavam o mundo não comunista.

Nos EUA, as novas tendências rumo à autossuficiência e a recuperação da manufatura podem encorajar o surgimento de um novo fenômeno: o isolacionismo liberal, com o país voltando à sua costumeira aversão a “envolvimentos estrangeiros”. Por outro lado, a Europa e o Japão continuarão a definhar, negando-se o alívio da imigração mais qualificada ou da energia nuclear, estagnados sob pilhas de dívidas que ficarão cada vez mais difíceis de negociar. Nesses Estados estacionários, o populismo assumirá formas monstruosas. Depois de mais de 50 anos, a integração europeia pode se transformar em desintegração.


Enquanto isso, nos países móveis do mundo em desenvolvimento (ainda em crescimento), haverá mais revoluções burguesas, no sentido clássico das revoltas contra a autocracia lideradas pelos aspirantes a classe média. Segundo o Credit Suisse, mais de 300 milhões de chineses têm uma fortuna entre US$ 10 mil e US$100 mil, enquanto quase 20 milhões possuem mais de US$ 100 mil. Essas pessoas estão descobrindo que seus bens, conquistados com esforço, têm de ser protegidos pelo Estado de Direito e que a maior ameaça a isso é um Partido Comunista corrupto, que podem e querem criticar cada vez mais através dos microblogs.

Nas grandes democracias emergentes - Índia, Brasil, Nigéria -, há menos necessidade de revoluções desse tipo. De fato, a presidente Dilma Rousseff declarou recentemente que quer “um Brasil classe média”. Ao contrário, no norte da África e no Oriente Médio, elas já começaram. Foi na Líbia, no ano passado, que se viu a seguinte frase pichada numa parede: “Queremos uma lei constitucional, um presidente que tenha menos autoridade e que seu mandato de quatro anos não seja prorrogado”. Essa é a autêntica voz de 1848, embora ainda não se saiba se o mundo árabe vai mudar para valer.

O “império (nominal) norte-americano” está saindo do palco do Oriente Médio, depois de dominar a região desde os anos 70 e fomentar a revolução depondo o ditador árabe mais cruel (embora eu discorde desse ponto). A verdadeira briga fica entre aqueles que podem impor uma ordem legal medieval na região, como os aiatolás fizeram na Pérsia depois de 1979, e os que sonham com a tão esperada Reforma Islâmica, que permitiria aos muçulmanos conviver com a modernidade em paz - sem falar no Estado de Israel, seu representante na região. A escolha entre os modelos iraniano ou turco (ou indonésio ou malaio) não deveria ser difícil, mas, ainda assim, os árabes podem ter que enfrentar um período de conflito sectário antes que essa Reforma aconteça.

A pergunta mais difícil de responder, conforme o grande navio da história se move, é: será que as duas potências dominantes desta era, EUA e China, vão conseguir manter o que Henry Kissinger chamou de “coevolução”? Ou será que estão fadadas a repetir o antagonismo anglo-alemão que culminou numa guerra mundial há quase cem anos? Será que teremos uma “Chimérica” - ou o que Noah Feldman batizou de “Guerra Morna”?

Ou fervendo de quente? O centenário de 1914 se aproxima como um lembrete de que, embora as eleições venham e vão, são as guerras que mudam o curso da história mais drasticamente. A Primeira Guerra Mundial não afundou o navio da humanidade, mas, sem dúvida, acabou com a primeira era da globalização. Se um conflito semelhante ocorrer na nossa época, saberemos que a história mundial terá alcançado um momento crucial. Resta torcer para que possamos desviar - e não afundar de bico.

* Niall Ferguson é professor de história da Universidade Harvard e autor de “The Great Degeneration: How Institutions Decay and Economies Die”. (Este texto faz parte da série "Fator de Mudança: Pauta Global 2013", com fotos e desenhos sobre eventos e tendências de 2012 que continuarão repercutindo em 2013.)