Os voluntários que lutam contra as chamas para salvar o maior tesouro natural da Bolívia
Luis Felipe, marido de María de los Ángeles, acorda às 5h da manhã e só volta para casa à meia-noite. Ele é um entre milhares de voluntários que, dia após dia, têm saído da cidade de Roboré, no sudeste da Bolívia, e de povoados próximos para combater os incêndios que há três semanas assolam a Chiquitanía, o principal tesouro natural do país.
Trata-se da maior região florestal tropical da Bolívia, com mais de 20 milhões de hectares, que fazem transição entre a Amazônia e o Chaco —um ecossistema único, sem igual em nenhum outro lugar do mundo, abrigo de plantas e animais raros.
Os focos de queimada em Chiquitanía, a despeito dos esforços de combate, já alcançaram cerca de 500 mil hectares.
"Não temos mais homens, não há voluntários o bastante", pede María de los Ángeles, na praça central de Roboré. "Precisamos de mais ajuda, até mesmo internacional."
Ela sabe que seu marido chegará em casa à noite esgotado, como de costume, com a pele cada vez mais bronzeada pelo sol e a garganta seca pela fumaça e pela desidratação.
Enquanto relatava isso à reportagem da BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, na quinta-feira (29), o presidente boliviano Evo Morales estava reunido com os comandantes das Forças Armadas do país, a poucos metros dali, no centro militar da cidade, para debater o combate aos incêndios.
O fogo ameaça mais de 500 espécies de fauna presentes ali, além de quatro parques nacionais, cuja particularidade é seu ecossistema que mescla o caráter úmido amazônico com a aridez do Chaco, que se estende até o Paraguai.
Em suas planícies, Roboré é uma das principais cidades, e onde se montou a operação logística para combater os incêndios.
De lá, todas as manhãs partem picapes e ônibus com centenas de voluntários, que se somam a mais de 2.000 militares, policiais e bombeiros enviados à região.
Luis Felipe está entre eles, sempre equipado com um capacete, um lenço, várias máscaras (para cobrir boca e nariz) e uma garrafa de água, que costuma secar bem antes do meio-dia.
María de los Ángeles diz que passa o tempo todo preocupada com a saúde do marido. "E o mais lamentável é que não é suficiente [para conter o fogo]", diz.
Ela conta que a imensa maioria dos voluntários enviados às zonas de incêndio não tem experiência no assunto, e eles "já não sabem mais o que fazer".
Reforços
Noemí Alvarado é uma de seis mulheres que vieram de Cochabamba, na região central da Bolívia, para se unir aos habitantes da região como bombeiros voluntárias. "Vamos combater [o fogo], porque temos que cuidar da nossa riqueza natural", diz Noemí, enquanto põe um capacete branco na cabeça.
Com as mulheres vieram também cerca de cem de universitários de Chapare, e todos viajaram cerca de 36 horas para chegar a Roboré e praticamente não dormiram entre quarta e quinta-feira.
Ainda assim, mantêm o bom humor e compartilham entre si copos de refrigerante. "Somos os esforços, viemos ajudar", dizem alguns deles aos jornalistas presentes ali.
O desafio
Seu desafio, porém, é grande. O pó, as cinzas e o fumo predominam nas zonas de incêndio. A sensação térmica supera os 35ºC, e é difícil avistar nuvens no horizonte.
Por isso, foram comemoradas com entusiasmo as poucas vezes em que caíram algumas gotas de chuva nestas três semanas de emergência pelas queimadas.
Apesar do calor, os bombeiros e militares vestem uniformes pesados e são os únicos que podem se aproximar das chamas maiores. Os voluntários, por sua vez, colaboram com o transporte de água e combatem incêndios menores.
Nas rodovias, não é raro ver corpos de animais que foram atropelados ao tentar fugir do fogo. Para completar, os incêndios têm feito com que cobras saiam de suas tocas nas montanhas e ataquem as pessoas —o que tornou o soro antiofídico um dos produtos mais requisitados por ali.
Em seu primeiro boletim matinal na quinta-feira, Evo Morales lamentou que o vento tenha alimentado focos em vários pontos da Chiquitania, embora destacasse que as chamas tinham sido controladas em outras localidades.
O presidente anunciou que um avião tanque vai sobrevoar as zonas onde o fogo cresceu e que são praticamente inacessíveis por via terrestre.
Enquanto isso, de Roboré seguem saindo picapes, motos, ambulâncias e ônibus carregados de voluntários decididos a salvar o patrimônio ambiental boliviano.
Outro recurso imprescindível é contar com um ou dois pneus estepes, porque várias áreas de incêndio têm acesso por estradas de terra, e o calor tem feito os pneus estourarem.
"Não vamos nos render, mas nossa verdadeira esperança é que comece a chover de uma vez. É o que todos esperamos", conta María de los Ángeles, enquanto observa Evo Morales e sua cúpula militar partirem em um helicóptero para sobrevoar, mais uma vez, os estragos deixados pelo fogo na Chiquitanía.
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