Brasileiros descobrem cobra-cega que produz leite e tem filhote que 'chora'

Cientistas do Instituto Butantan descobriram que filhotes de cobras-cegas são alimentados com uma espécie de "leite materno", produzido na cloaca da mãe. Durante o estudo desses anfíbios, chamados cecílias (ordem Gymnophiona), pesquisadores comprovaram ainda que os filhotes emitem sons diferenciados para pedir o alimento. Exatamente como o fazem os mamíferos.

O que se sabe

Em um estudo inédito, publicado recentemente na Revista Science, pesquisadores do instituto Butantan descobriram que, assim como as cecílias vivíparas (animais cujo embrião se desenvolve no interior do corpo da mãe), as ovíparas (que se reproduzem e nascem por meio de ovos) desenvolvem glândulas nas paredes do oviduto (canal que permite que os ovos passem do ovário para fora do corpo do animal, também conhecido como trompa de Falópio), que produzem uma substância viscosa e transparente, expelida pela cloaca, e que alimenta os filhotes fora do corpo da mãe.

Embora a amamentação seja frequentemente vista como um atributo exclusivo dos mamíferos, diversos outros animais exibem formas distintas de cuidado parental. Entre os invertebrados, aranhas, baratas; além de algumas espécies de peixes e aves, demonstram "amamentar" de alguma forma seus filhotes. No entanto, no reino dos anfíbios ovíparos, como as cecílias, a observação de amamentação no cuidado parental era considerada inexistente, tornando a recente descoberta ainda mais notável.

A análise bioquímica realizada na secreção mostrou que a substância secretada pela "mamãe cecília" é muito rica em carboidratos e ácidos graxos, uma composição semelhante à encontrada no leite dos mamíferos. Elas secretam essa substância várias vezes ao dia. E os filhotes a ingerem vorazmente.

Durante esse processo, os filhotes competem por espaço ao redor do orifício cloacal, muitas vezes introduzindo suas cabeças quase completamente nele para obter o alimento, explica o artigo, cujo autor principal é o biólogo Pedro Luiz Mailho-Fontana. Que, por sua vez, fez toda a sua formação acadêmica até o pós-doutorado, sob a orientação do pesquisador Carlos Jared, diretor do Laboratório de Biologia Estrutural do Instituto Butantan.

Além disso, os pesquisadores observaram que, nessa fase, os bebês emitem sons simultaneamente a estímulos táteis. Essa emissão de sons parece estar associada à liberação de leite. Em resumo, assim como as crianças humanas choram quando estão com fome, os filhotes de cecílias também "pedem" por alimento emitindo sons. Essa comunicação sonora está relacionada à escuridão do ambiente em que esses animais vivem, já que eles não são orientados visualmente.

O artigo publicado na Science foca no cuidado das cecílias, especificamente da espécie Siphonops annulatus, que vive no sul da América do Sul. Esses animais, que são animais de olhos pequenos, praticamente cegos, habitam principalmente o subsolo. Estudos revelaram que as fêmeas dessa espécie produzem alimento nas paredes dos ovidutos para alimentar os filhotes durante a gestação. Os filhotes têm dentes embrionários para extrair esse alimento dos ovidutos.

As cecílias são animais adaptados para viver num ambiente subterrâneo, em túneis. Então, esses bichos, de início, são considerados os vertebrados menos conhecidos que existem, porque são animais que vivem num mundo inacessível, impossível de observar. Mas o Butantan investe no estudo desses animais. Nós já sabíamos que filhotes de cecílias se alimentavam da pele das mães, a qual é basicamente proteína. Mas essa troca de pele ocorre somente uma ou duas vezes por semana. O que nos levou a nos aprofundarmos, pois como os filhotes cresciam fortes e robustos, sendo que só comiam uma ou duas vezes por semana?
Carlos Jared, pesquisador

Os cientistas dispunham de quase 300 horas de vídeos acompanhando as fases de gestação, nascimento e cuidados parentais das cecílias. Durante anos essas imagens foram sendo detalhadamente estudadas com um uso de um endoscópio, um sistema ótico que transmite imagens de uma cavidade corporal para uma câmara mediante um sistema de lentes. E, através do estudo de cortes histológicos (fatias muito finas de um fragmento de tecido ou órgão), conseguiram descobrir que as fêmeas, quando em cuidado parental, desenvolvem essa glândula específica, que secreta um líquido viscoso e nutritivo.

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Há dezenas de milhões de anos, todas elas nasciam por meio de ovos - ou seja, a espécie era ovípara. Com o tempo, surgiu um grupo que, em função da instabilidade do meio ambiente, com a possibilidade de ocorrerem períodos muito secos, começaram a reter os ovos dentro do corpo, criando as chamadas cecílias vivíparas. Esse fato ajudou a preservar esses animais, já que os anfíbios em geral possuem ovos gelatinosos e facilmente dessecáveis.
Carlos Jared, pesquisador

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  • Diferentemente do informado na versão inicial do texto, as cobras-cegas não são serpentes, por se tratarem de anfíbios. O conteúdo foi corrigido.

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