Agronegócio pressiona Anvisa por agrotóxico letal prestes a ser proibido
Na reta final para a proibição de um dos agrotóxicos mais letais do mundo, o paraquate, a indústria aumentou o lobby em sua defesa no Brasil. Ele passa a ser banido em setembro deste ano, segundo resolução da Anvisa publicada em 2017 e ancorada em evidências de que a exposição ao produto pode gerar mutações genéticas e a doença de Parkinson.
Agrotóxico largamente utilizado nas plantações de soja, basta um gole para tirar a vida. Foi criado pela Syngenta, empresa de origem suíça recentemente comprada por um grupo chinês, mas está banido em toda a União Europeia e na China, onde é produzido apenas para exportação.
Desde sua proibição em 2017, foram mais de vinte reuniões na Anvisa com as maiores multinacionais do setor (como a Syngenta), com representantes dos maiores exportadores do Brasil (como a Aprosoja, associação dos produtores de soja) e parlamentares da Frente Parlamentar Agropecuária, a chamada bancada ruralista. São estes atores que financiam pesquisas, entram com ações na justiça e fazem lobby nos ministérios e no Congresso.
A agenda, compilada pela Repórter Brasil e Agência Pública, revela coincidências entre essas reuniões e algumas das principais ações do lobby. Neste ano, com o banimento do paraquante se aproximando, diretores da agência reguladora se encontraram pelo menos quatro vezes com representantes da bancada ruralista. Na mesma semana dessas reuniões, o deputado Luiz Nishimori (PL/PR) e o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), ambos da bancada, propuseram Projetos de Decreto Legislativo pedindo a suspensão da resolução da Anvisa que determina a proibição.
Enquanto a atuação parlamentar pode demorar ou até mesmo não surtir efeito, representantes do setor estão, agora, alinhados em torno de um argumento central: o banimento deve ser adiado até que novos estudos fiquem prontos — estudos financiados pelos grupos com maior interesse econômico no paraquate.
"Você já foi para o Mato Grosso? Lá é o Brasil que deu certo, é impressionante a pujança do agro brasileiro", afirma Angelo Trapé, responsável pela pesquisa paga pela Aprosoja. Professor aposentado da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, ele é transparente sobre seu entusiasmo com a segurança do paraquate. "O contato do trabalhador que faz a pulverização é nulo. É tudo mecanizado, trator fechado, vedado".
Pesquisa na Unicamp é financiada pela soja
Os pesquisadores coletaram amostras de urina de trabalhadores antes, durante e três dias depois da aplicação do produto. "Vamos testar se o trabalhador da soja, aquele que usa tecnologia e proteção, tem algum resíduo de paraquate na urina. Se não tiver, como podemos explicar a decisão da Anvisa que vai proibir o produto?", questiona o pesquisador.
Trapé garante que o interesse do financiador não influenciará nos resultados da pesquisa, que está sendo conduzida em laboratório da Unicamp com o aval do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade. Questionados sobre o interesse do financiador, o comitê informou que "em relação ao conflito de interesse, foi apresentada uma declaração do patrocinador atestando não haver conflito de interesses na execução desta pesquisa".
O comitê de ética da universidade, porém, não dá aval para a metodologia da pesquisa como um todo, ele avalia apenas o risco envolvido na participação dos trabalhadores, afirma João Ernesto de Carvalho, diretor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp, onde fica o laboratório em que a pesquisa está sendo realizada. "É complicado quando o financiador tem interesse no resultado, você precisa controlar as condições em que o estudo é realizado, não é o caso dessa pesquisa", questiona.
O estudo também é criticado por testar apenas situações que seguem o protocolo ideal de segurança. "Nem todos os produtores de soja têm tratores de cabine fechada, não é essa a realidade de todo o campo brasileiro", afirma o procurador federal Marco Antônio Delfino de Almeida, que atua no Mato Grosso do Sul e teve acesso às informações preliminares sobre a pesquisa.
MPF entrou no caso para garantir proibição se não houver novos fatos
O procurador foi o responsável por detectar movimentação dentro da Anvisa em março deste ano, quando o pedido da indústria para adiar a proibição foi colocado em pauta em uma reunião da diretoria da agência.
Ele conseguiu uma liminar na justiça proibindo a Anvisa de fazer mudanças na data de proibição antes da conclusão das pesquisas. "Não podemos aceitar esse argumento do 'aprova aí e depois eu apresento'. Não é assim que funciona", afirma o procurador.
A reunião aconteceu no dia 31 de março, mas apenas para discutir outros assuntos, já que a Anvisa estava impedida judicialmente de deliberar sobre o adiamento do banimento do paraquate. Meses antes, a reportagem detectou a movimentação na agenda oficial dos diretores da agência sanitária. Foram seis reuniões com o tema específico do paraquate em outubro e novembro de 2019. Quatro com a Syngenta e sua força-tarefa, três para tratar do paraquate. Os encontros voltaram a acontecer neste ano, com reuniões específicas sobre o paraquate com a Syngenta e a bancada ruralista em fevereiro e março.
Depois que o MPF (Ministério Público Federal) entrou no caso, a agência teve de se manifestar dentro do processo. Os documentos enviados, aos quais a reportagem teve acesso, sugerem que a agência estava inclinada a ceder aos pedidos da indústria.
"Entende-se, pelo princi?pio da razoabilidade, que esta Agência deveria avaliar a concessão de prazo adicional solicitada", diz a nota técnica enviada à justiça, destacando que sua resolução sobre a proibição deixara aberta a possibilidade de serem apresentadas novas evidências — e que a indústria manteve a Anvisa informada sobre os atrasos nas pesquisas.
AGU se posicionou a favor de adiar a proibição do paraquate
A AGU (Advocacia-Geral da União) também entrou na disputa judicial para defender o direito da Anvisa em debater o assunto, deixando clara sua posição favorável ao adiamento. O "efeito indesejado, gravi?ssimo e imediato" da proibição, lê-se na manifestação, "significara? perda de competitividade internacional do produto brasileiro frente aos demais players do mercado de grãos".
Procurada pela reportagem diversas vezes e com dez dias para responder às questões enviadas, a Anvisa não retornou.
A Aprosoja, financiadora da pesquisa, afirmou que "não está se manifestando sobre o processo envolvendo a liberação do paraquate".
A Anvisa começou a reavaliação do paraquate em 2008. Em 2015 o órgão promoveu uma consulta pública sobre a proibição, quando recebeu milhares de contribuições.
Fabricantes de agrotóxico também financiam pesquisas
Assim como os produtores de soja, as fabricantes de agrotóxicos também estão financiando uma nova pesquisa sobre o paraquate e ela também está atrasada. O estudo vai testar a sua capacidade de provocar mutação nos genes de ratos de laboratório no Covance Laboratory, na Inglaterra. Os resultados só devem ficar prontos depois de setembro, data da proibição no Brasil.
Em ambos os casos, o atraso das pesquisas é usado como principal argumento para adiar a data do banimento.
"Sim, houve um atraso, mas é preciso entender a sazonalidade da cultura da soja", afirma Elaine Lopes Silva, vice-coordenadora da chamada "Força-Tarefa Paraquate", grupo formado por 12 empresas fabricantes de agrotóxicos, entre elas as multinacionais Syngenta e a Adama. É essa força-tarefa que está financiando a pesquisa na Inglaterra.
Segundo Silva, a demora se deve às dificuldades em definir o formato que o estudo deveria ser feito, achar um laboratório capaz e conciliar a agenda da pesquisa com o tempo da safra da soja.
Procurada pela reportagem, a Syngenta enviou nota afirmando que "reconhece a autonomia e seriedade da Anvisa para regular o uso dos defensivos agrícolas". E que a sua força-tarefa "valoriza e apoia os esforços da Anvisa em conduzir uma avaliação abrangente, que sempre deve considerar a importância agronômica e econoômica do paraquate para a agricultura brasileira, sem prejui?zo da segurança e saúde dos agricultores e consumidores".
Leia reportagem completa aqui.
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