Lula completa 6 meses na prisão como peça-chave na disputa à Presidência

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

  • Ricardo Marchetti - 22.mar.2018/Estadão Conteúdo

    Lula participa de caravana ao lado de Dilma, em março deste ano

    Lula participa de caravana ao lado de Dilma, em março deste ano

Neste domingo (7), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) completa seis meses de prisão na Superintendência da PF (Polícia Federal) em Curitiba. Também neste domingo, os brasileiros vão às urnas em todo o país para escolher o próximo ocupante do Palácio do Planalto, uma disputa sobre a qual Lula, mesmo preso, exerceu forte influência.

Lula se entregou à PF em 7 de abril, um dia após o prazo dado pelo juiz federal Sergio Moro, que ordenou o início da execução de sua pena no processo do tríplex. Na ocasião, o ex-presidente já era anunciado como pré-candidato do PT ao Planalto, mesmo estando inelegível desde janeiro em razão da Lei da Ficha Limpa.

Como Lula foi condenado por órgão colegiado --caso da 8ª Turma do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região)-- por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, ele não poderia disputar a eleição. Apesar do impedimento iminente, que foi confirmado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 1º de setembro, Lula se mostrava como uma das principais forças na corrida pela Presidência. Nas últimas pesquisas em que teve seu nome consultado pelos institutos, o ex-presidente chegou a atingir a marca de 39% das intenções de voto.

Nesses seis meses em que está preso, Lula recebeu dezenas de políticos. A situação, inclusive, fez a força-tarefa do MPF (Ministério Público Federal) na Operação Lava Jato considerar que Lula havia transformado a sede da PF em um "comitê de campanha".

Entre os visitantes mais comuns estava Fernando Haddad (PT), que foi coordenador de seu programa de governo e, depois, seu candidato a vice na chapa presidencial. Desde 11 de setembro, Haddad é o candidato do PT ao Planalto.

Petistas e especialistas avaliam que a estratégia do partido de manter o nome ex-presidente como candidato até o prazo máximo possível foi acertada.

Em setembro, PT anunciou troca de Lula por Haddad

Para especialista, estratégia petista deu certo

Foi na PF que Lula articulou uma série de alianças em torno de sua candidatura, que, mais tarde, viria a ser de Haddad. O ex-presidente fez o PCdoB desistir de ter a deputada estadual Manuela D'Ávila (RS) como principal nome na disputa. Manuela, então, foi deslocada para vice de Haddad, em uma aliança com o PT. O PCdoB, que não acreditava na viabilidade jurídica da candidatura de Lula, só aceitou a aliança sabendo que a chapa seria formada entre o ex-prefeito paulistano e a Manuela.

Lula também conseguiu fazer com que o PSB ficasse neutro na disputa, partido cobiçado pelo presidenciável Ciro Gomes (PDT), que terminou isolado dentro da esquerda. Com a manobra do ex-presidente, Ciro passou a criticar intensamente as administrações do PT e o próprio Haddad. Outro efeito do acerto foi o PT abrir mão de sua candidatura ao governo de Pernambuco em favor da tentativa de reeleição de Paulo Câmara (PSB).

Essas decisões foram tomadas praticamente na última hora. Haddad e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, chegaram a abandonar uma reunião da Executiva do partido, em São Paulo, para ir a Curitiba consultar Lula. E isso a horas do início da convenção do partido para definir a candidatura petista.

A importância de Lula na disputa presidencial também foi simbolizada no processo de troca de Lula por Haddad. As principais lideranças do partido se deslocaram em peso para Curitiba e, na frente da PF, acompanharam o anúncio da substituição junto de algumas dezenas de militantes. Antes, Haddad havia passado praticamente dias inteiros na sala onde Lula cumpre sua pena para discutir a transição.

Para Fernando Schuler, cientista político do Insper, o PT enfrentaria mais dificuldades se tivesse apostado em Haddad como seu candidato desde o início, sem registrar Lula antes. "Esticar essa corda, criar o drama, ocupar espaço na mídia, criar essa narrativa toda e, na última hora possível, tentar fazer uma transferência rápida foi uma estratégia correta", avalia.

Líder do PT na Câmara, o deputado federal Paulo Pimenta (RS) concorda. "Foi decisivo passar por todas as etapas do processo até a inscrição da candidatura", disse, indicando que parte da sociedade estaria avaliando o caso como uma perseguição ao ex-presidente. "Aqueles que imaginavam que a prisão dele seria uma maneira de deixá-lo fora da eleição se depararam com uma situação totalmente contrária." 

Transformaram Lula no fator decisivo da eleição ao ponto que nós temos o objetivo de vencer a eleição com alguém que está simplesmente representando ele

Paulo Pimenta, líder do PT na Câmara

Para o ex-ministro Alexandre Padilha, um dos vice-presidentes do PT, a estratégia de ir com Lula até o limite foi importante. "Eu acreditava que esse processo de transferência teria que deixar extremamente claro para o eleitor, para a base social do presidente Lula, que era fruto da violência cometida pela Justiça brasileira."

A cientista política da FGV (Fundação Getulio Vargas) Lilian Furquim aposta que, sem o apoio de Lula, Haddad conseguiria "os mesmos votos que teria o Boulos [candidato do PSOL] se estivesse em outro partido pequeno de esquerda". "O Lula é a peça central, do meu ponto de vista, para o PT. Ele é o PT. Acho muito difícil a sobrevivência do partido sem a figura do Lula."

A estrutura do PT, que tem quadros e instâncias, permitiu que Lula tivesse poder sobre o partido durante o processo eleitoral. "Ele consegue comandar o partido, transmitir seus recados, controlar o grupo dele. Isso faz com que a liderança do Lula seja transmitida", comenta Schuler. Foi algo, por exemplo, que não aconteceu com Jair Bolsonaro (PSL), que teve seu candidato a vice e seu líder econômico apresentando posições que o contrariavam. "Bolsonaro não conseguiu controlar o grupo dele e, mais um pouco, entrariam em choque", afirmou o cientista político.

Segunda-feira: dia de visita

Os encontros entre Lula e Haddad são constantes. Toda segunda-feira, o candidato, que foi incluído na equipe de advogados do ex-presidente, vê Lula na PF. Desde a troca na candidatura, foram três encontros até o primeiro turno. Nesse período, é possível verificar que as críticas de Haddad à Bolsonaro foram subindo de tom gradativamente.

No começo, ele mal citava o nome do candidato do PSL e centrava críticas a membros da equipe dele, como o candidato a vice, general Hamilton Mourão (PRTB). Depois, Haddad passou a dizer que a democracia estava sob ameaça diária com suposições sobre urna eletrônica e o resultado eleitoral, temas repetidos por Bolsonaro.

Já nesta semana, Haddad passou a criticar diretamente seu principal adversário na disputa e provável oponente no segundo turno. Ele passou a ligar Bolsonaro a notícias falsas contra ele que circulam por WhatsApp.

Transferência

O ex-presidente e o PT apostavam na transferência de seus votos para Haddad, mas o novo candidato não conseguiu ultrapassar a barreira dos 23% das intenções de voto, segundo os institutos de pesquisa Ibope e Datafolha. Alguns dos eleitores que seriam de Lula acabaram ficando justamente com o novo adversário do PT, Ciro Gomes, que ameniza críticas contra o ex-presidente, mas não as contra Haddad e o PT. Mas o objetivo de se manter na disputa, indo ao segundo turno, ficou viável.

Para Schuler, no fim, a estratégia de Lula, uma "raposa política", se mostrou acertada. "Ele conseguiu colocar o PT no segundo turno e com perspectivas reais de ganhar a eleição. O especialista, porém, já vê o desafio do partido a partir do dia 8, caso o segundo turno seja confirmado: o antilulismo. "Para conquistar o eleitor mediano agora, depois que se esgotou a transferência do Lula, o Haddad tem que recriar o discurso, não necessariamente seguidor do Lula, o que é uma mudança muito delicada."

Isso pode fazer com que Lula venha a pedir que Haddad tente se afastar dele, opina Schuler. E insistir no lulismo pode ser justamente o discurso que Bolsonaro deve usar no contra-ataque de segundo turno. "Para mim, esse é o maior dilema para a estratégia do PT no segundo turno."

Se a transferência das intenções de voto foi bem-sucedida na troca de Lula por Haddad, a explosão na rejeição do nome do ex-prefeito se colocou como o impacto negativo da estratégia petista. Hoje, a taxa de rejeição de Haddad é maior do que a intenção de votos apresentada nas pesquisas --fenômeno que também ocorre com o líder na corrida presidencial, Jair Bolsonaro. Além disso, Haddad é o petista com menor apoio desde 1994.

Para Pimenta, o candidato tem conseguido desempenhar bem o papel de substituto do ex-presidente. "Ele está bem, na medida certa. Ele não pode nem abdicar de ser Haddad nem do papel de ser porta-voz do Lula. Isso não é simples de se encontrar. E ele tem conseguido fazer isso com maestria", disse o líder do PT na Câmara.

E Haddad já pode ter cometido um equívoco, na avaliação da cientista política da FGV, com a frase de que uma parcela da população estaria abandonando a social-democracia em prol do fascismo. "É um erro. É justamente a classe média que estava querendo um aceno de Haddad para ter uma razão para votar para ele", disse Furquim. 

Eleitor terá que votar em seis nomes; prepare a cola

Receba notícias do UOL. É grátis!

UOL Newsletter

Para começar e terminar o dia bem informado.

Quero Receber

Veja também

UOL Cursos Online

Todos os cursos