Com o pior desempenho na reforma agrária desde 1995, Dilma vira alvo de movimentos rurais
Além de enfrentar as greves dos professores universitários e do funcionalismo público --conduzidas, em muitos Estados, por sindicatos filiados à CUT (Central Única dos Trabalhadores)-- a presidente Dilma Rousseff agora terá de lidar com a pressão de outro setor historicamente ligado ao PT: os movimentos sociais do campo.
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Insatisfeitos com o modelo de desenvolvimento escolhido por Dilma, dezenas de movimentos camponeses, indígenas, quilombolas, ambientalistas e ligados à Igreja Católica reuniram-se em Brasília. O encontro foi uma reedição do 1º Congresso Camponês, realizado em 1961, em Belo Horizonte.
“O encontro é o primeiro passo de outros que poderão acontecer dependendo das políticas que o governo adotar”, afirmou Alberto Broch, presidente da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura).
Segundo ele, os movimentos pretendem organizar uma marcha com mais de 200 mil manifestantes caso o governo não avance com políticas para melhorias no campo. “Se não houver sensibilidade do governo, cada vez mais trabalharemos com uma pauta unificada e tomaremos ações conjuntas.”
Assentamentos diminuem
Os números da reforma agrária no governo atual são os piores desde que o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) passou a organizar os dados, a partir de 1995. Em 2011, o governo federal assentou 22.021 famílias, a menor quantidade nos últimos 17 anos. Em 2012, o ritmo foi ainda menor: 3.395 famílias.
No pior ano de Fernando Henrique Cardoso (1995), foram assentadas 42.912 famílias; já o recorde negativo de Lula ocorreu em 2003, com 36.301 famílias assentadas. Durante as gestões de FHC, foram assentadas, em média, 74,9 mil famílias ao ano. Já nos dois governos de Lula, a média foi de 76,8 mil. Segundo os movimentos, há cerca de 190 mil famílias acampadas no país aguardando um lote da reforma agrária.
Com relação à área incorporada ao programa de reforma agrária, o desempenho de Dilma em 2011, com 1,902 milhão de hectares adquiridos, foi o terceiro pior desde 1995, a frente dos anos de 2001 (1,829 milhão) e 2011 (1,878 milhão).
Modelo de desenvolvimento
Para os movimentos sociais, o fraco desempenho na reforma agrária tem relação com o modelo econômico adotado pelo governo atual baseado na exportação de commodities, que privilegia investimentos no agronegócio, em detrimento da agricultura familiar. Em 2012, o governo gastou R$ 1,03 bilhão na reforma agrária, contra R$ 9,41 bilhão em políticas para o agronegócio.
“A reforma está parada neste governo. Para a agricultura camponesa, não há recursos, mas para o agronegócio, o governo está dando muito dinheiro. Eles estão destruindo a natureza e nossos territórios com recursos do governo”, diz Noeli Taborda, integrante da direção da Via Campesina e do Movimento de Mulheres Camponeses (MMC).
Segundo os movimentos, Lula era mais sensível às demandas dos camponeses e aberto a negociar em comparação com Dilma. “Com o Lula, a reforma agrária estava na agenda do governo, mas com esse governo ela simplesmente não aparece. O Brasil está a todo vapor, mas é um modelo de desenvolvimento que só beneficia alguns”, afirma a dirigente.
O evento, batizado de Encontro Unitário dos Trabalhadores, Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas, reuniu cerca de 7.000 pessoas e serviu para aproximar as organizações e traçar uma agenda unitária de ações visando aumentar a pressão sobre o governo.
Nesta quarta-feira (22), no encerramento do encontro, os movimentos organizaram uma marcha na Esplanada dos Ministérios e entregaram uma declaração ao ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, interlocutor de Dilma junto aos movimentos sociais. O documento foi assinado por mais de 30 entidades, entre elas o MST, a Fetraf (Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar) --filiada à CUT--, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e CPT (Comissão Pastoral da Terra).
Negociações
A maior parte dos movimentos que se reuniram no encontro tem ligações com o PT e fez campanha para Dilma em 2010. A avaliação, entretanto, é de que o apoio não está sendo retribuído.
Em agosto de 2011, durante uma jornada de ações do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em Brasília, Gilberto Carvalho chegou a vestir o boné do movimento, participou de uma cerimônia organizada pelos ativistas e prometeu que o governo iria atender as reivindicações dos movimentos, entre elas dobrar o orçamento do Incra.
Na época, dirigentes do MST chegaram a dizer que, com as promessas, o governo estava recolocando a reforma agrária na agenda. Em abril, durante as ações para marcar os 16 anos do massacre de Eldorado do Carajás, o MST ocupou o prédio do Ministério do Desenvolvimento Agrário em Brasília, forçando o governo a negociar.
Uma nova rodada de negociações foi aberta em abril deste ano, após o MST ocupar o prédio do Ministério do Desenvolvimento Agrário e realizar ações em vários Estados. Na ocasião, o ministro Pepe Vargas recebeu os manifestantes e prometeu não contingenciar o orçamento do Incra.
Crise no Incra
Em meio aos protestos dos movimentos, o governo federal ainda tem de lidar com uma crise interna no Incra, atingido por uma greve que dura mais de dois meses e que alcançou 28 das 30 superintendências do órgão. Além de reajuste salarial e a abertura de concurso para repor a saída de funcionários, os servidores exigem o aumento do orçamento do órgão para acelerar o assentamento de famílias e a titulação de terras quilombolas.
O Incra também é alvo de disputas de correntes do PT. Em julho, foi nomeado para a presidência do órgão Carlos Guedes, integrante da corrente petista Democracia Socialista, no lugar de Celso Lacerda, nome que tinha respaldo pelos movimentos sociais.
A nomeação de Guedes, que é da mesma corrente dos últimos ministros que chefiaram o MDA, não agradou os movimentos. Para as organizações do campo, a troca representa a subordinação ainda maior do órgão ao governo e atrasa a implementação de medidas para a reforma agrária, ao mesmo tempo em que se desperdiça o trabalho da gestão anterior.
Nos últimos dois dias, a reportagem do UOL entrou em contato várias vezes com a assessoria de comunicação do Incra solicitando uma entrevista com o presidente do órgão, mas não obteve uma resposta até o fechamento do texto.
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