Cabral completa 1 ano na cadeia e, mesmo preso, mantém relações de poder
Preso desde novembro do ano passado, o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB), apontado na Operação Lava Jato como chefe do maior esquema de corrupção já existente no Estado, completa nesta sexta-feira (17) um ano de cadeia.
O político já foi condenado, no total, a 72 anos e quatro meses de reclusão, sendo duas sentenças aplicadas pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, e uma por Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. Ele ainda pode ser punido em outros 12 processos nos quais é réu.
Mesmo detido na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, na zona norte carioca, Cabral mantém relações de poder, conforme apontam investigações da Polícia Federal e do Ministério Público do Estado.
Segundo apuração sigilosa conduzida pela PF, o ex-chefe do Executivo tentou montar um dossiê contra Bretas e sua mulher, que também é magistrada, a partir de consultas suspeitas a registros de ocorrências em delegacias da Polícia Civil.
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O caso, revelado em reportagem da "TV Globo", veio à tona depois de uma tensa audiência na 7ª Vara, em 23 de outubro, quando Cabral enfrentou Bretas ao ser interrogado. Na ocasião, em ação penal que trata do crime de lavagem de dinheiro a partir da aquisição de joias e pedras preciosas, o ex-governador se disse vítima de perseguição, afirmou que o juiz estava buscando "projeção pessoal" e ainda fez menção à família do magistrado:
"Vossa Excelência tem um relativo conhecimento sobre o assunto porque sua família mexe com bijuterias. Se não me engano, é a maior empresa de bijuteria do Estado", afirmou ele. Bretas rebateu: "Eu discordo". "São as informações que me chegaram", retrucou o peemedebista.
Ao fim da audiência, o procurador da República Sérgio Pinel declarou que o ex-governador confessou ter recebido "informações indevidas dentro da cadeia" e pediu a transferência dele para uma penitenciária federal. Na versão do MPF, Cabral estaria atuando de forma ilegal no sentido de reunir dados para sua defesa.
Pinel também considerou que houve por parte do réu uma ameaça direta a Bretas e sua família. O juiz da 7ª Vara concordou com a argumentação e autorizou a transferência do preso, que posteriormente foi confirmada pelo Depen (Departamento Penitenciário Nacional), do Ministério da Justiça.
Reportagem do UOL revelou com exclusividade que o destino de Cabral seria a penitenciária de segurança máxima de Campo Grande (MS). No entanto, a defesa do ex-governador conseguiu uma liminar no STF (Supremo Tribunal Federal), deferida pelo ministro Gilmar Mendes, que manteve o político detido em Benfica.
No primeiro encontro entre juiz e réu após a liminar que cancelou a transferência, em audiência realizada no dia 8 de novembro, na 7ª Vara, ambos trocaram gentilezas durante interrogatório. Cabral pediu desculpas ao magistrado e afirmou que estava muito exaltado na sessão anterior. "Estamos de bem", respondeu o juiz.
Confira abaixo três momentos que marcaram o período de um ano do ex-chefe do Executivo fluminense na cadeia.
Transferência vetada
A suspensão da transferência para a penitenciária de Campo Grande foi, em um ano, a principal vitória na Justiça obtida pela defesa de Cabral. Na decisão, datada de 31 de outubro, Gilmar Mendes considerou que as palavras do ex-governador em relação a Bretas e sua família não representaram uma ameaça.
Para o membro da Corte, "ainda que desastradas", as declarações estavam dentro do contexto do processo e "representam conhecimento de dado tornado público pela própria família do julgador". Mendes é o responsável por analisar em última instância os recursos referentes à Operação Ponto Final --desdobramento da Operação Lava Jato que investiga denúncias de corrupção e outros crimes relacionados ao setor de transporte público do RJ.
"O fato de o preso demonstrar conhecimento de uma informação espontaneamente levada a público pela família do magistrado não representa ameaça, ainda que velada. Dessa forma, nada vejo de relevante na menção à atividade da família do magistrado não representa ameaça, ainda que velada. Dessa forma, nada vejo de relevante na menção à atividade da família do julgador."
A decisão de Gilmar foi criticada pelo coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol. "Quando a Justiça desmoraliza a justiça. Minha solidariedade a Bretas, que corajosamente tem enfrentado corruptos poderosos", afirmou ele, via Twitter. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, também se manifestou a favor da transferência.
O advogado de Cabral, Rodrigo Roca, comentou a decisão: "Na verdade, não há comemoração quando a lei é cumprida. É claro que a gente fica feliz com essa decisão, pois ela restabelece o Estado Democrático de Direito. Houve, ainda assim, muito desgaste com todos os atores do processo."
Encomenda de dossiê
De acordo com investigações da Polícia Federal, um grupo ligado a Cabral passou a montar dossiês contra o juiz Marcelo Bretas, sua família e investigadores da força-tarefa da Operação Lava Jato no Rio. Documentos obtidos pela "TV Globo" mostram que o ex-governador teria um "fundo milionário" para financiar uma devassa na vida dos alvos em questão.
As informações teriam sido levantadas a partir de pesquisas em registros de ocorrência em três delegacias: 22ª DP (Penha), 35ª DP (Campo Grande) e 105ª DP (Petrópolis). Também houve consultas no sistema da Seseg (Secretaria de Estado de Segurança Pública do RJ) por um inspetor da Polícia Civil lotado na 22ª DP.
A ordem para que fossem elaborados tais relatórios teria partido da cadeia onde o acusado está preso, em Benfica. Em 26 de setembro, narra reportagem da "TV Globo", houve oito acessos para pesquisar registros de ocorrência em nome de Bretas e da mulher.
A defesa de Cabral refutou as informações, e o ex-governador, na audiência marcada pelo reencontro com Bretas, afirmou se tratar de "um factoide", "um terrorismo. "Não há nada meu pessoal contra o senhor. Estão falando em um dossiê… O senhor tem que acreditar em mim, que não fiz isso", disse ele ao juiz. "Vai ser investigado e vão ver que não tem cabimento."
Sala de vídeo na cadeia
Uma sala de vídeo, com aparelhos eletrônicos avaliados em cerca de R$ 23 mil, foi montada na cadeia de Benfica após intermediação de Cabral, segundo relato de um pastor que teria assinado a cessão dos equipamentos. O Ministério Público do Estado abriu um inquérito para investigar se houve crime contra a administração pública e também de falsidade ideológica, pois há nota fiscal de compra com endereço e telefone falsos.
O caso foi revelado em reportagem da "TV Globo". Depois da repercussão do caso, a Seap (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária) informou que "todo o material de vídeo será retirado da cadeia pública José Frederico Marques, uma vez que se tornam [sic] irregulares".
Na versão da secretaria, os equipamentos foram doados por dois pastores e uma missionária em nome da Igreja Batista do Méier e da Comunidade Cristã Novo Dia. Um dos signatários, o pastor Carlos Alberto de Assis Serejo, disse ter ido a uma reunião com Cabral na biblioteca do presídio, quando o próprio ex-governador supostamente pediu que ele e outros religiosos assinassem o termo de cessão.
A doação, no entanto, seria apenas de fachada, pois os aparelhos eletrônicos já se encontravam nas dependências da cadeia de Benfica. O MP informou que vai investigar a procedência dos equipamentos e se, de fato, eles foram cedidos pelas instituições religiosas. Procuradas, as igrejas negaram as informações.
Em nota, o presidente do templo do Méier, João Reinaldo Purin Júnior, disse que o trio que participou da suposta reunião com Cabral não agiu em nome da igreja. Disse ainda que "está adotando medidas para apurar e disciplinar quaisquer membros envolvidos no episódio ocorrido". Já a Comunidade Cristã Novo Dia informou desconhecer a doação.
A defesa de Cabral afirmou que a denúncia é falsa e que se trata de um "boato".
(*Com Estadão Conteúdo, Folha de S.Paulo e agências)
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