Confira 4 pontos que depoimentos desta sexta podem esclarecer sobre recibos de Lula
Nesta sexta-feira (15), dúvidas a respeito dos recibos de pagamento do aluguel do apartamento vizinho ao do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em São Bernardo do Campo (SP), poderão ser esclarecidas pelo contador João Muniz Leite e pelo engenheiro Glaucos da Costamarques. Eles serão ouvidos pelo juiz federal Sergio Moro e terão a oportunidade de explicar suas versões, conflitantes, sobre a locação do imóvel.
O apartamento, utilizado por Lula ao menos desde 1998, foi comprado em 2010 por Costamarques --segundo ele, a pedido de seu primo, o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente. O MPF (Ministério Público Federal) considera Costamarques um "laranja" e diz acreditar que o imóvel seja, na verdade, do petista e que teria sido dado em forma de propina pela Odebrecht.
ATUALIZAÇÃO: No depoimento de hoje, João Muniz Leite mudou sua versão sobre como recebia os recibos de pagamento do aluguel. Em declaração divulgada no fim de setembro, o contador informou que recebia "periodicamente" os recibos correspondentes aos aluguéis de 2011 a 2015 "das mãos" de Glaucos da Costamarques. Já no depoimento desta sexta, Leite disse que se enganou ao falar sobre como tinha acesso aos recibos. O contador relatou que só recebeudiretamente de Costamarques recibos correspondentes aos aluguéis de 2014 e 2015.
O engenheiro também é réu no processo em que Lula é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, crimes que envolveriam o apartamento, segundo a força-tarefa da Operação Lava Jato no MPF paranaense. Essa ação penal não tem relação com o caso do tríplex, no qual o ex-presidente foi condenado a nove anos e meio de prisão por Moro, cuja apelação será julgada em janeiro.
No caso dos recibos, os procuradores solicitaram o novo interrogatório do engenheiro, que já havia sido ouvido em 6 de setembro, e o depoimento do contador, responsável pelos recibos.
A própria defesa de Costamarques, após a apresentação dos recibos pela defesa de Lula, havia sugerido que ele fosse ouvido novamente para "esclarecer quaisquer outras questões do episódio".
1 – O aluguel foi pago ou não?
À Receita Federal e à PF, o engenheiro afirmou que havia recebido pela locação do apartamento. Mas depois, para Moro, ele disse que não recebeu pagamento pela locação do apartamento entre 2011 e 2015. O contrato foi firmado com a ex-primeira-dama Marisa Letícia, morta em fevereiro deste ano.
Costamarques falou que foi ele, inclusive, quem pagou os impostos referentes ao contrato de locação. “Tudo. Eu pagava”, declarou a Moro em setembro. “Eu tinha um contrato de aluguel. Como é que eu ia fazer se eu não declarasse, entendeu? Eu declarei que eu recebi os aluguéis. Mas eu não recebi”.
Segundo o MPF, “examinadas as contas bancárias de Lula e de Marisa, não foram encontrados registros de pagamentos seus para Costamarques, tendo o exame se estendido, inclusive, para as contas bancárias do Instituto Lula e da L.I.L.S. Palestras”.
Em entrevista ao UOL em outubro, a defesa do ex-presidente afirma que o aluguel no período, cerca de R$ 189 mil, foi pago em dinheiro vivo. Quando interrogado por Moro, Lula afirmou que quem acertou o contrato e pagava o aluguel era Marisa Letícia, e que nunca chegou a ele qualquer reclamação de Costamarques de que "não se estava pagando aluguel”.
O MPF, porém, diz que os impostos atrasados referentes à locação foram todos pagos em 9 de dezembro de 2015. “E, nesse caso, por igual, os pagamentos respectivos também não saíram de contas bancárias de Glaucos”. A Lava Jato ainda aponta que o pagamento foi após os contatos telefônicos entre o engenheiro e o advogado.
Na audiência de sexta, tanto o engenheiro como o contador poderão esclarecer se de fato o aluguel foi pago ou não. Se foi pago, de que forma o dinheiro foi recebido? Outro ponto é saber se há outros documentos, como eventuais extratos bancários ou comprovantes de depósito, que possam mostrar se o dinheiro vivo foi depositado em alguma conta de Costamarques.
O engenheiro também poderá explicar por que motivo não reclamou de Lula e Marisa Letícia por não pagarem o aluguel e por que declarou à Receita um dinheiro que, segundo sua versão, não recebeu.
2 - Os recibos são reais ou 'ideologicamente falsos'?
Ao solicitar a nova audiência, o MPF disse que há elementos indicativos de que “os supostos recibos apresentados pela defesa foram confeccionados para dar falso amparo à locação simulada do apartamento, isto é, indicativos de que são documentos falsos”.
Na avaliação da força-tarefa da Lava Jato, esses recibos “têm origem desconhecida, não trazem nenhuma comprovação a respeito da data em que foram produzidos e encontram-se em manifesta contrariedade com todo o acervo probatório, e, destacadamente, com o quanto declarou em interrogatório judicial o próprio Costamarques, apontado como autor daquelas declarações unilaterais de quitação”.
O MPF pontua que Costamarques “jamais se referiu a recibos relacionados à simulada locação do apartamento antes da apresentação dos documentos pela defesa de Lula”. “
A Lava Jato desconfia dos recibos porque, quando ofereceu a denúncia, em dezembro de 2016, ela já havia mencionado que não havia movimentação financeira sobre pagamentos de aluguel. Os documentos só foram apresentados nove meses depois, alguns deles inclusive com datas que não existem.
Para a força-tarefa, outro motivo de estranhamento é de os recibos não terem sido encontrados durante o cumprimento do mandado de busca e apreensão do qual Lula foi alvo em 4 de março de 2016. Os recibos teriam sido encontrados por uma secretária do ex-presidente e uma funcionária do Instituto Lula.
A defesa de Lula entregou à Justiça esta semana uma perícia privada, segundo a qual os recibos são verdadeiros. O perito contratado disse que foram usadas ao menos cinco impressoras diferentes para gerar os documentos. Ainda pelo parecer, os textos dos boletos "resultam de sete diferentes arquivos". Há também evidências, segundo o perito, de que os recibos foram redigidos por pessoas diferentes, devido a variações na forma de escrever.
Nesta sexta-feira, Costamarques e Leite poderão explicar, por exemplo, como, onde e quando os recibos foram feitos; quem elaborou os recibos; de que forma foram entregues por Costamarques a Marisa Letícia. O engenheiro poderá dizer também por que assinou recibos de pagamentos que supostamente não recebeu.
Após a audiência desta sexta-feira, Moro deverá decidir se será necessária a realização de perícia nos recibos.
3 - O encontro no hospital
No interrogatório de setembro, Costamarques disse que se lembra de ter começado a receber o aluguel a partir do final de 2015 porque foi na época em que ele estava internado no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. “Aí o Roberto Teixeira [advogado ligado a Lula] esteve lá no hospital e falando: ‘olha, nós vamos pagar. De hoje em diante, nós vamos pagar o aluguel para você".
A defesa do engenheiro, inclusive, chegou a pedir a Moro para que o juiz solicitasse ao Sírio-Libanês se havia registro da visita de Teixeira ao hospital entre novembro e dezembro de 2015. O hospital negou que tenha havido alguma visita do advogado, sócio do escritório de advocacia que defende Lula.
O MPF, porém, aponta que nesse período são registradas ligações telefônicas em uma quantidade fora do comum entre Teixeira e o engenheiro. Duas delas foram feitas um dia após a prisão de seu primo e amigo de Lula, José Carlos Bumlai, também alvo da Lava Jato.
Já Teixeira, interrogado em 19 de setembro, disse que não é verdadeira a versão de Costamarques. “Apenas eu me lembro que, certa vez, eu estava no hospital, quando, ano passado [2016], eu encontrei no saguão com o Glaucos”.
Quem de fato esteve com o engenheiro no hospital, segundo os registros do Sírio-Libanês, foi o contador. Para o MPF, porém, o encontro no hospital seria estranho por não ter acontecido nenhum contato telefônico entre Costamarques e Leite, mas apenas com Teixeira nos dias que antecederam a visita. Ao jornal “Folha de S.Paulo”, porém, o contador afirmou ter telefonado a Costamarques.
Leite esteve com o engenheiro no hospital em uma oportunidade no dia 3 de dezembro e em outras duas no dia 4. “[Foram] três horas de encontro em inusitada situação de internação hospitalar”, disse a Lava Jato.
“Soa, ademais, inteiramente inverossímil que tenha o contador ido ao encontro de Glaucos durante sua internação hospitalar porque encontrou nos seus arquivos recibos que ficaram sem assinatura. Onde a urgência?”, questionam os procuradores.
A questão da suposta urgência na assinatura dos recibos é uma das que Costamarques e Leite poderão esclarecer nesta sexta. Outros temas que podem ser explicados por ambos são a frequências dos contatos telefônicos entre Costamarques e Teixeira nos dias que antecederam a visita de Leite ao Sírio-Libanês; e uma possível relação da necessidade de assinatura dos recibos com a prisão de José Carlos Bumlai.
4 - Como Glaucos chegou ao contador?
O contador João Muniz Leite já atuou com o engenheiro Glaucos da Costamarques e com o casal Lula. Segundo o advogado Roberto Teixeira, em 2011, a ex-primeira-dama solicitou a ele que examinasse o imposto de renda do casal Lula sob o aspecto jurídico. “E foi o que eu fiz ao longo de três ou quatro anos. Fui eu que cuidei dessa parte. Eu fazia um exame do ponto de vista jurídico e tributário para verificar se a declaração estava correta, se os valores que estavam sendo recolhidos do imposto estavam corretos”, disse em seu interrogatório.
O advogado confirmou que Leite atuava com o imposto de renda de Lula. “Esse contador que fazia essa parte, eu examinava o aspecto legal e principalmente tributário, e imediatamente era protocolada na receita a declaração de imposto de renda deles”, disse Teixeira a Moro.
Lula também confirmou essa informação quando foi interrogado: “esse escritório de contabilidade trabalha para o escritório do Roberto Teixeira”.
Em seu interrogatório de setembro, Costamarques não explicou como chegou ao contador. Agora, ambos poderão explicar como iniciaram seu contato e se Roberto Teixeira, advogado e amigo de Lula há anos, teve algum papel nessa aproximação.
O UOL entrou em contato com a defesa do engenheiro para comentar a nova audiência, mas não obteve retorno.
*Colaboração de Bernardo Barbosa, do UOL, em São Paulo
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