Análise: Quem vai disputar os votos de Lula na esquerda?
À esquerda, Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela D'Ávila (PCdoB). Mais ao centro, Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede). Diante da perspectiva de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seja impedido pela Justiça de disputar as eleições de outubro, as quatro pré-candidaturas demonstram como as forças de centro-esquerda no Brasil ainda se dividem sobre o perfil ideal para concorrer ao Planalto.
Para cientistas políticos ouvidos pela reportagem do UOL, o cenário atual de fragmentação entre as forças de esquerda é reforçado pela dificuldade que o próprio PT tem em encontrar uma alternativa ao nome de Lula.
"O PT hoje não tem um nome capaz de unificar a esquerda. Nem o Lula faria isso", afirma o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas). "A possibilidade de um candidato que faça com que a esquerda marche junto, de forma coesa, hoje não está colocada como algo real."
A professora Rachel Meneguello, do Departamento de Ciência Política da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), observa que as recentes decisões da Justiça no caso do tríplex de Guarujá, pelo qual Lula foi condenado à prisão, indicam que “é bastante plausível considerar que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não aprovará o registro” da candidatura do ex-presidente.
Para Meneguello, a possível ausência de Lula na disputa pode antecipar uma reorganização no campo político da esquerda brasileira. A professora da Unicamp afirma que o momento tende a ser de uma disputa interna entre as forças políticas que se alinham com pautas sociais.
"Não existe herdeiro de Lula", avalia a cientista política. "À direita e à esquerda, as estruturas políticas não foram capazes de produzir quadros para renovação. O que pode haver é alguém que consiga catalisar melhor a pauta lulista na sua ausência."
Não existe herdeiro de Lula. O que pode haver é alguém que consiga catalisar melhor a pauta lulista na sua ausência
Rachel Meneguello, professora da Unicamp
Ao mesmo tempo, o panorama de um número grande de candidaturas pode representar um risco no primeiro turno das eleições de outubro e forçar os grupos de centro-esquerda a encontrar um caminho de convergência para ter chances em um possível segundo turno.
"A possibilidade de termos uma eleição semelhante à de 1989, quando concorreram 22 candidatos no primeiro turno, é grande", afirma a professora da Unicamp.
"O segundo turno é o período das acomodações e escolhas de lado. Isso foi muito claro quando Lula e [Fernando] Collor disputaram a eleição. É o que pode ocorrer nesta eleição, que esquerda e centro-esquerda se unam em torno de um só nome em caso de um segundo turno."
Transferência de votos: "O carisma é da pessoa"
Se, por um lado, não há um herdeiro óbvio de Lula, por outro, o próprio ex-presidente demonstrou no passado ser capaz de transferir votos para outro candidato. Em 2010, o apoio a Dilma Rousseff foi apontado como fundamental para a eleição da petista.
Agora, mesmo com os processos que o ex-presidente enfrenta na Justiça, a expectativa é grande pelos próximos movimentos de Lula, se ele não puder ser o candidato do PT em outubro.
"A capacidade de transferência de votos vai estar no próprio Lula, e não no espólio dele", afirma Teixeira. "O que vai dizer concretamente como as coisas vão se desdobrar, confirmada a ausência de Lula, é para quem ele pessoalmente vai se movimentar para transferir esses votos. Não é uma construção fácil. É aquela velha história: o carisma é da pessoa, não é transferível automaticamente para ninguém."
“Lembro-me do velho [Leonel] Brizola [1922-2004]”, acrescenta Teixeira. “Ele, como ninguém, conseguia pedir a seus eleitores que votassem em quem apoiava. O próprio Lula foi beneficiário disso em 1989.”
Ciro [Gomes, candidato do PDT à Presidência] já mostrou que, se precisar bater no PT, ele vai bater
Marco Antonio Carvalho Teixeira, cientista político da FGV-SP
Tanto o cientista político da FGV como a professora da Unicamp avaliam que a tendência que tem sido observada é de que os votos de Lula tendem a migrar mais fortemente para Ciro Gomes e Marina Silva. Mas Teixeira observa que a pré-candidata da Rede enfrenta a dificuldade de contar com uma estrutura partidária mais frágil.
Nas últimas semanas, Ciro Gomes fez declarações em que acenou de forma positiva a uma possível aliança tanto com Marina como com o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT). O pré-candidato brincou que uma chapa com o petista seria um "Dream Team" ("Time dos Sonhos"). Dias depois, voltou ao tema ao dizer que contar com Marina a seu lado seria formar o "Dream Team 2".
Legado e discurso
Além de superar divisões internas para se fortalecer, as forças de esquerda também encaram o desafio de recuperar o terreno perdido nos últimos anos.
No cenário de polarização política que o país vive hoje, as denúncias de corrupção contra os governos do PT e as críticas à ineficiência da máquina estatal serviram de munição para ataques de grupos mais à direita.
Carvalho Teixeira avalia que, por conta disso, a defesa do legado do governo Lula só vai estar presente na campanha se o PT tiver uma candidatura própria.
"Talvez o PCdoB também faça isso, porque sempre foi um partido leal nos governos do PT, mais até do que o próprio PT durante o processo de impeachment de Dilma. Mas o próprio Ciro já mostrou que, se precisar bater no PT, ele vai bater."
Já a pré-candidatura do líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) Guilherme Boulos tem, na opinião de Teixeira, o desafio de vencer as resistências que causou dentro do próprio PSOL e ainda de ampliar o alcance de seu discurso para além dos movimentos sociais.
"O Boulos vem do movimento social com demanda muito específica. Ele mobiliza um público mais à esquerda", afirma o cientista político. "A candidatura dele emerge de um segmento social que é importante, porém restrito em termos de diálogo com outros segmentos. Ele precisa dizer mais claramente para os demais segmentos da sociedade o que ele pretende enquanto presidente."
O professor acrescenta que, na campanha para as eleições de outubro, o discurso das forças de esquerda deve se concentrar em críticas ao governo Temer, em especial ao aumento do número de desempregados, à perda de renda e à uma deterioração da qualidade de vida, sobretudo nos grandes centros urbanos.
"Se a esquerda não apresentar uma alternativa a isso, ela fica sem capacidade de ser escutada", diz o cientista político. "A esquerda não pode continuar martelando o discurso tradicional, de projeto de Estado e socialismo, mas, sim, propostas pontuais ligadas à justiça social."
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