'Caçador de corruptos' dos anos 90 reprova Deltan, Aras, Lula e Bolsonaro
Resumo da notícia
- Para procurador, Aras poupará carteis e políticos no combate à corrupção
- Luiz Francisco critica coordenador da Lava Jato por fazer palestras pagas
- Segundo ele, Lula errou no caso do sítio de Atibaia
- Também afirma torcer que Bolsonaro sofra impeachment
Terror dos políticos nos anos 1990, o procurador Luiz Francisco de Souza vê com maus olhos o futuro do Ministério Público. Em entrevista ao UOL, ele disse que o novo procurador-geral da República, Augusto Aras, não vai combater a corrupção dos grandes cartéis e dos políticos que se vendem: "Vai ser uma tragédia", afirma.
Para além da polarização, ele distribui críticas também ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Luiz Francisco foi responsável pela prisão do ex-senador Luiz Estêvão (ex-MDB, hoje no PRTB), e do ex-deputado Hildebrando Pascoal (ex-DEM). Gravou uma conversa com o então senador Antonio Carlos Magalhães (DEM) que resultou na renúncia de um dos políticos mais poderosos da história, por ter violado o painel eletrônico do Senado. Em 2007, o Conselho Nacional do Ministério Público o condenou a 45 dias de suspensão. O procurador diz que, depois, a punição foi extinta por prescrição, ou seja, excesso de tempo numa investigação.
Sobre fatos mais recentes, Luiz Francisco diz torcer para que Bolsonaro sofra um impeachment. Ele chama o presidente de "Bozó", personagem de Chico Anysio que trabalhava com um crachá da TV Globo.
Luiz Francisco não para por aí. Afirma que Lula errou ao frequentar um sítio em Atibaia (SP) e disse que o petista recebia mimos de empreiteiras com contratos no seu governo.
"O agente público não deve ter regalia, não deve receber nenhum benefício, nem direta, nem indireta de empresários", afirma Luiz Francisco. Ainda assim, diz não acreditar que o petista seja corrupto.
O procurador afirma ter "vergonha" de ter Deltan Dallagnol, como colega no Ministério Público. Critica o coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná por dar palestras pagas. Para ele, as chamadas "dez medidas" contra a corrupção são "fascistas" e não têm o apoio dos demais procuradores da República.
Sobram críticas para o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), e o ex-procurador-geral Rodrigo Janot.
Ele faz elogios ao ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes por ser uma voz "garantista", ou seja, que defende os direitos individuais no Judiciário. Também diz que a Lei do Abuso de Autoridade é "excelente" e que os excessos serão corrigidos pelo STF.
Luiz Francisco criticou a possibilidade de prisão logo após a condenação em segunda instância. Diz que é preciso que se esgotem todas as instâncias até o chamado trânsito em julgado.
Atualmente, o procurador atua na segunda instância do Ministério Público Federal em Brasília, na Procuradoria Regional da República. Lá, faz pareceres sobre casos que começaram com outros investigadores, como as prisões do ex-governador do Tocantins e do ex-ministro Henrique Eduardo Alves. E também atua em processos contra prefeitos.
Leia os principais trechos da entrevista concedida no estúdio de TV do UOL em Brasília, na última terça-feira (22).
UOL - O senhor, nos anos 90, era o terror dos políticos. Deltan Dallagnol é o filhote do seu trabalho?
Luiz Francisco de Souza - Não. Como membro do MP, eu sinto vergonha de ter o Deltan dentro da minha instituição. A gente é principalmente defensor de direitos humanos, de garantismo, do combate à verdadeira corrupção, o que significa defender o patrimônio público, as estatais, e não quebrar as empresas. As empresas são principalmente dos trabalhadores. A Odebrecht tinha 250 mil trabalhadores. Acho que só sobraram 60 [mil], e agora acho que não vai sobrar nenhum.
E quanto às pilhas de infrações que o [site] The Intercept e o Glenn Greenwald denunciaram, eu aplaudo de pé, porque mostra como a ação do MP não deve ser. Ela não deve ser nunca direcionada, nunca deve-se escolher um político para investigar, e poupar políticos que não podem ser constrangidos ou atacados. Ele dirigiu boa parte do MP só contra um partido, o Partido dos Trabalhadores. É claro que, dentro do PT, tinha gente corrupta, como aquele [ex-senador] Delcídio [Amaral] e o ex-ministro da Fazenda [Antônio Palocci].
Eu não tenho nada a ver com o Deltan, porque eu sou uma pessoa garantista. Não se pode perseguir o crime pisando na Constituição, pisando nos direitos das garantias nem destruindo Estado, muito menos destruindo o Estado social.
A Lava Jato e várias pessoas defendem a manutenção da prisão em segunda instância. Sem ela, muita gente diz que Luiz Estevão, por exemplo, já estaria solto.
Essa questão da prisão em segunda instância é uma das razões pela quais eu não tenho nada a ver com Deltan. Há 820 mil presos. São, na maior parte, pessoas negras em um verdadeiro campo de extermínio, onde os presos são torturados, onde tem violência sexual maciça.
Ao mesmo tempo tem cerca de 50 mil pessoas que estão presas por problemas mentais, tipo Adélio [Bispo, condenado por tentar assassinar Bolsonaro durante a campanha eleitoral]. E tem os menores e os adolescentes. Dá quase 1 milhão. Então, trabalhar o combate ao crime ampliando as penas não resolve.
A fábrica número um de crimes é a miséria, a destruição maciça dos direitos trabalhistas sociais. Mas depois é a prisão. Estão errados esses engraçadinhos que dizem assim: "A gente tem que combater o crime mandando mais gente para as prisões". Assim como aquele fascista lá do Adolf Witzel [trocadilho pejorativo entre os nomes do ditador nazista da Alemanha Adolf Hitler (1889-1945) e o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel] que manda mirar na cabeça de adolescentes negros, matando aquela menina Ághata [Felix, garota de 8 anos morta no Rio de Janeiro por causa de tiros da polícia] pelas costas.
Esse caminho, na verdade, é o caminho do genocídio, da multiplicação dos crimes, porque você pega as pessoas pobres e manda para os presídios. E elas voltam monstros. O caminho é o da Noruega, de ampliação do Estado, um controle maciço da Receita sobre o patrimônio de cada pessoa.
[O economista francês de esquerda] Thomas Piketty [defende] um Estado com amplo controle. Não como eles querem, que é um controle policial. Mas um controle da Receita, para acabar principalmente com a sonegação, que é maciça. A corrupção é desse tamanhozinho [faz sinal de pequeno com a mão] em relação à sonegação. Deveriam ser coletados sete ou oito vezes mais tributos dessa gente que foge da tributação. Isso acabaria com a miséria no país.
O senhor defende a manutenção da prisão em segunda instância?
Claro que não. É uma coisa absurda. A Constituição é bem clara. Só pode ter prisão por duas razões: ou a prisão cautelar, que é a prisão preventiva; ou a prisão após o trânsito em julgado. Não pode ter prisão automática. Isso é coisa da ditadura militar.
Na ditadura, por exemplo, se o cara tinha um processo cuja pena era mais de dez anos, a pessoa era presa automaticamente. Isso é uma coisa absurda, injusta, louca e irracional
Só 4% dos processos vão além da segunda instância, para o Supremo e para o STJ [Superior Tribunal de Justiça]. Então, é só robustecer essas regras contra os recursos protelatórios e mais processos serão dados como transitados em julgado. Agora, fazer com que haja uma prisão automática?
E tem mais. Há uma diferença no país. Na Bahia, por exemplo, o juiz interpreta a lei de entorpecentes de uma forma mais humana. Então, um traficante pequeno, se ele é primário, vai pegar três a quatro anos [de cadeia]. Se foi em outro estado, por exemplo, São Paulo, onde tem bem mais fascismo, a pessoa vai pegar às vezes sete ou oito anos [de prisão]. Então você tem que unificar.
Como será a gestão do procurador-geral Augusto Aras?
Vai ser uma tragédia. Ele é indicado por Bolsonaro, o Bozó, que nega o direito ambiental, os direitos humanos... O [Bolsonaro defende] o punitivismo seletivo, porque, quando é da família dele, aí entra com HC [habeas corpus, recurso para soltar uma pessoa ou impedir um processo de continuar] e muda até o Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeira, que Bolsonaro, por meio de medida provisória, rebatizou de Unidade de Inteligência Financeira e transferiu para o Banco Central]. Foi decorrente da ação do filho dele [o senador Flávio Bolsonaro, do PSL-RJ].
Aras foi designado por essa pessoa. Então, vai ser um desastre na parte ambiental, na parte de direitos humanos. Vai ser um megadesastre. Tanto que Aras já botou o Ailton [Benedito], lá de Goiás, [como assessor na área de direitos humanos]. Os colegas que eu conheço, gente boa dentro da Polícia Federal [contam que] tem [grupo de] extermínio lá. Aí no que tem extermínio, a gente pede para deslocar para jurisdição federal. Aílton bloqueava tudo.
E a gestão de Aras no combate à corrupção?
Primeiro, Aras não manda nos procuradores. A gente é igual juiz [que possui independência funcional]. Aras é um em 1.152. O controle que ele tem é através das forças-tarefas. Razão pelo qual eu nunca quis participar de uma força-tarefa. Lá você fica submetido a um comando que pode afastá-lo ad nutum, ou seja, se não tocar a música que o chefe quer, você é excluído. Eu não me submeto, jamais. Deveria ser um mecanismo que seleciona por méritos. Pelos méritos, pela experiência ou até por algum mecanismo de eleição interna. Os membros da força-tarefa poderiam ter um mandato de cerca de dois anos.
No caso de Aras, ele está nomeando quem quer. Ele praticamente nunca existiu dentro do MP. Tem a rede nacional dos procuradores. Você não acha um texto dele lá. Devo ter lá uns 30, 40 mil textos. Dele, não tem um. Foi praticamente um morto vivo dentro da Casa. Por isso, a importância da lista tríplice [para escolha de procuradores-gerais a serem indicados pelo presidente, método que foi desprezado por Bolsonaro e Fernando Henrique Cardoso.
Como Aras participaria do que o senhor chama de "punitivismo seletivo"?
Ele participa porque, nos processos no Supremo, ele é quem fala. E é ele quem decide alguns cargos no STJ, nas turmas criminais. Ele quem designa. Assim como nas forças-tarefas. Ou seja, ele tem um controle sobre as forças-tarefas, sobre quem atua no Supremo e quem atua dentro do STJ. Então, ele dá alguma linha jurisprudencial [conjunto de decisões judiciais a serem seguidas para, por exemplo, decidir investigar ou não uma pessoa].
Mas o senhor acha...
Deveria ser adotado no Brasil o que tem de melhor na legislação europeia, que é o que o juiz de garantias. A pessoa responde um processo com amplos direitos, podendo provar sua inocência.
Mas Aras fará uma gestão de combate à corrupção melhor, pior, mais leniente, mais agressiva?
Melhor não vai ser. Para atacar a corrupção é preciso combater os grandes cartéis, trustes e o latifúndio, que controla a vida econômica e, dessa forma, controlam o Estado. Nisso ele nunca vai enfrentar. Agora ele vai, possivelmente, ser melhor que o Janot? Eu acredito que sim.
Porque Janot, aqui entre nós, eu gosto dele, só que... O livro dele tem a capacidade de não falar nada. Ele foi procurador-geral durante quatro anos. Ele não fala nada de índio, de direitos humanos, nada de meio ambiente naquele livro, não falar nada de miséria, nada de pobreza.
Aras vai falar isso no livro dele?
Também, não. Janot tinha essas falhas. E, ao mesmo, sabe aquele negócio de que ia matar o outro lá? [Janot disse que foi armado ao STF para matar o ministro Gilmar Mendes, mas desistiu]. Aquilo traduz um tipo de agressividade que ele imprimia também na sua gestão. Então eu acho boa parte dos abusos da força-tarefa do Paraná foi decorrente da gestão de Janot. Então, o Aras vai ser um pouco melhor, porque vai podar esses excessos.
Aras fará um combate à corrupção não que não ataca a raiz, os grandes corruptores ativos, os cartéis, trustes, que controlam o Estado, os grandes contratos, e os políticos que se vendem a esses grupos
Mas ele vai continuar um combate à corrupção um pouco mais legalizado, um pouco mais dentro da lei, inclusive porque o Congresso fez a Lei do Abuso de Autoridade, que é uma excelente lei. Quem fica atacando a lei são só pessoas branquinhas, filhinhas de papai que nunca tiveram um problema com alguma autoridade. Aquela lei lá pode ter alguns elementos imprecisos, mas 90% do texto é perfeito.
Os procuradores da Lava Jato dizem que são perseguidos pelo trabalho que realizaram. Eles são perseguidos?
Como é que eles são perseguidos? O Conselho Nacional do MP praticamente nunca abriu nada contra eles. Só abriu agora, depois do [conjunto de informações reveladas pelo site] The Intercept. Antes eles eram praticamente endeusados. Na Rede Globo, por exemplo, era 24 horas por dia. E ainda faziam aquelas palestras infames. Aquilo ali deveria ser terminantemente proibido.
Eu, por exemplo, nunca dei uma palestra privada, uma palestra paga e muito menos para empresários. Eu dava palestra para MST [Movimento dos Sem-Terra], para sindicados. Mas palestra para empresários e banqueiros? E faturar com isso? Isso é uma coisa imoral. E esse pessoal que fica falando de corrupção não ataca isso. E se associar também com aquele advogado lá, o Modesto Carvalhosa? Como é que você se associa com o advogado que representa acionistas privados, que querem arrancar da Petrobras R$ 80 bilhões?
Eles chegaram aos Estados Unidos, fizeram acordo com acionistas privados da Petrobras: "Olha, a gente não quer se defender, não. Está aqui: R$ 10 bilhões da Petrobras para vocês." R$ 10 bilhões! Para fazer uma fundação privada, obscena, absurda, louca, que não tem o menor cabimento, que é só para pagar palestra.
O senhor foi endeusado e perseguido depois...
Quanto a mim, eu tive 40 representações em várias notícias-crimes, inclusive da Abin [Agência Brasileira de Inteligência]. Eu critiquei a Abin dizendo que era mistura de Gestapo [polícia política de Adolf Hitler], CIA e KGB [agências de inteligência dos EUA e da Rússia] e eles, que são a cópia exata da CIA, ficaram ofendidos. Entraram com queixa-crime. Eles nem personalidade jurídica têm. É um órgão administrativo [vinculado ao Gabinete de Segurança Institucional, comandado por militares dentro da Presidência da República]. Aí eu me livrei de todos. Só me livrei da última ano passado, tendo dor de cabeça durante anos.
Eu confio em Deus. E tinha bons advogados da Associação [Nacional dos Procuradores da República, ANPR]. Agora, eu me orgulho porque, nesses anos todos, dei mais de 30 mil pareceres pro-misere [em favor de pessoas pobres] e ajudei a pegar o Henrique Alves [ex-ministro do Turismo dos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer], entre outros.
A maior parte dos membros do Ministério Público odeia a corrupção, mas a gente não deve jamais combater a corrupção criando um viés de fascismo penal, uma ideologia punitivista.
Eu não gosto de Gilmar Mendes, principalmente na linha neoliberal que ele imprime. Mas, na parte do garantismo, hoje, quase tudo o que ele fala, eu concordo. E eu dou graças a Deus porque pelo menos ele é uma voz garantista lá. Não gosto dele, mas assim agradeço a Deus porque ele defende direitos que fazem parte da verdadeira luta contra a corrupção.
Você deve combater a corrupção de forma humana e civilizada. Não pode ter tortura, não pode ter prova ilegal, não pode ter acordos loucos.
Você sabe que eles chegaram a ponto de fazer acordos sigilosos. Fazer acordo com o delator, usava o depoimento e o acordo era secreto.
O senhor acha que o governo Bolsonaro vai promover um país menos corrupto ou mais corrupto?
Eu espero, na verdade, que nem chegue ao final. O [presidente dos EUA, Donald] Trump, por exemplo, está sob [processo de] impeachment. Aí, se Deus quiser, vai cair em março. Eu espero que o Bolsonaro também seja objeto de impeachment muito antes. É o que eu espero, porque, de fato eu sinto profunda vergonha, como brasileiro, como pessoa pública, de ter um presidente igual a esse. É uma coisa que é trágica, que é totalmente irracional como é que a gente chegou a um nível desse.
E do mesmo jeito que o Bibi, o Netanyahu [ex-premiê de Israel de extrema-direita], o [presidente da Hungria de extrema-direita Viktor] Orbán está para cair, o [líder político italiano também extremista de direita Matteo] Salvini caiu, eu acho que Bolsonaro não dura também.
Espero também que tenha a CPI da Lava Jato, porque, naquele mecanismo, se eles fizeram tudo correto, a CPI só vai mostrar o que eles fizeram de correto. Agora, se eles fizeram coisas erradas, como o site The Intercept mostrou, aquilo tem que ser desvendado. Interessa a todo cidadão que as estruturas estatais que investigam o crime não cometam crimes.
É ético um presidente receber um sítio em nome de uma terceira pessoa, usar esse sítio o tempo todo e receber obras de empreiteiras que trabalharam para o governo dele?
Sobre o Lula, aquele caso lá do apartamento é um absurdo total. Não existe propriedade de fato. Propriedade de fato é posse. Ele nunca teve a posse, nunca teve a propriedade. É a mesma coisa que ter uma apreensão de 500 kg de cocaína e a pessoa, o traficante, chegar e dizer: "A cocaína é do Luiz". Eu falo: "Meu? Como, se aquele carro nunca foi meu? Onde está a droga? Ele nunca foi minha propriedade, nem minha posse." Não.
A palavra do delator vira um tipo de cartório. Não tem nem defesa. Como é que se defende disso? Foi isso que fizeram. E, pior ainda, chegaram lá e falaram: "Olha, o apartamento não está no nome do Lula e o apartamento também nunca foi da posse, sinal que ele escondeu". Então, aquilo que seria a prova da inocência, virou lavagem. Que bonitinho, então? Dois crimes, de corrupção e lavagem. A lavagem por quê? Porque as provas nunca apareceram, logo ele escondeu. Isso é uma coisa surrealista, uma coisa louca.
Um juiz não pode, em nenhum momento, ter conversa com a acusação daquele jeito. A conversa com a acusação tem que ser nos autos, através de petição pública, com vista a outra parte, para contestar, ou através de uma audiência em que as duas partes estão presentes.
O senhor nunca teve uma audiência com um juiz sem a presença do advogado?
Não.
Nem para pedir uma busca e apreensão?
A exceção tem que ser exceção. Tem uma busca e apreensão? Vou lá, peço para o juiz e explico. Ele defere [autoriza], é feita a busca e depois o advogado fala. Mas é o único caso. Isso não pode ocorrer durante toda a investigação. E o juiz não pode ordenar, ex-oficio [sem pedido dos investigadores], buscas que nem sequer foram pedidas. Moro, está nas gravações, controlava a polícia. Um juiz que é chefe da acusação? É a mesma coisa de um jogo do futebol, aí o juiz é o treinador do outro time, é o dono do outro time e controla o outro time. Não tem defesa.
No caso do sítio, eu acho que o Lula errou, porque ele nunca deveria ter dado as palestras como Fernando Henrique Cardoso deu. Mas ele deu aquelas palestras após sair do cargo. Após sair cargo, não no cargo, como o Dallagnol fez. Então, ele não deveria ter dado palestras. E eu acho também que não deveria ter ido no sítio do amigo dele, o Jacó Bittar, ou do outro Bittar [metade do sítito de Atibaia está registrada em nome do filho de Jacó, Fernando Bittar].
Agora, o sítio é daquela outra pessoa. Aquele cara também não deveria ter aceitado obras da Odebrecht ali. Foi uma coisa espúria, uma coisa imoral, mas quem teve o benefício? O dono do sítio, e não Lula. Aí para que Lula possa ser condenado dali, a meu ver, teria que provar claramente que era o dono verdadeiro do sítio. Teria que ter uma gravação, uma prova.
Tem um laudo da Polícia Federal que mostra que todos os objetos e roupas do sítio são da família do presidente. E não há nenhum objeto do Fernando Bittar.
Claro, porque ele frequentava o sítio. Você é jornalista, aí tem um outro jornalista assim que está recebendo dinheiro. Aí ele tem um sítio. Aí você vai lá. Ele que tem que ser culpado, o outro. Então Bittar deveria ter recebido regalias da Odebrecht? Nunca. Agora tem que provar com uma prova robusta que o sítio é dele.
Como é que se configura uma propriedade em nome de laranjas?
Pode ser configurado, desde que tenha a prova. Não é fácil.
Esse laudo não é uma prova?
Não, porque isso é ridículo. A pessoa ali, um Fulano, recebeu um dinheiro. Daqui a pouco vem um delator e diz assim: Olha, aquele dinheiro ali é do Luiz. Aí é só isso que vale? Ou então: 'Eu frequentei a casa'. Para ser laranja, tem que ter uma prova robusta. E não existe. Não conheço muito os autos. Não estou fazendo a defesa de Lula. Se ele for mesmo corrupto, ele deveria ser punido, mas com um juiz isento e tem que ter uma prova robusta de que Bittar é laranja. Essa prova não basta. Que ele frequentava o sítio, é fato público. Que o sítio era emprestado para ele é fato público. Não basta ter objetos dele lá. Tem que ter alguma coisa de doação, uma cessão secreta, um documento assim...
Apreenderam um contrato de compra e venda entre ele e o Bittar.
Pois é. Mas esse contrato de compra e venda até prova inocência. Sinal de que o sítio é de Bittar e ele [planejava] comprar o sítio. Aí, qual o problema? Isso até prova inocência. Ele frequenta um sítio que eu acho que não deveria frequentar. O outro recebia bens, mas o final é que, se achou um contrato de compra e venda, isso prova que o sítio era do Bittar e ele, no futuro, queria comprar o sítio.
Por que ele não deveria frequentar o sítio?
Porque o agente público não deve ter regalia, não deve receber nenhum benefício, nem direta nem indiretamente de empresários. Se Bittar estava recebendo o benefício da Odebrecht, ele devia ter ficado longe. Nesse sentido, acho que ele errou. Mas não acho que isso prova que ele é corrupto. Agora, se encontraram contrato de compra e venda, na verdade, deveria ser uma minuta de contrato de compra e venda, isso só provaria, na verdade, a inocência. Que não era dele. Ele queria, no final, comprar. Agora, se achar um documento que mostre que o sítio é dele, aí haveria corrupção.
Veja a entrevista completa abaixo e ouça a íntegra da conversa no podcast UOL Entrevista.
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