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Operação Lava Jato

Palocci delata crime duas vezes e Lava Jato "bate cabeça" em investigação

29.nov.2018 - O ex-ministro Antonio Palocci ao chegar à Justiça Federal em Curitiba - Reprodução/TV Globo
29.nov.2018 - O ex-ministro Antonio Palocci ao chegar à Justiça Federal em Curitiba Imagem: Reprodução/TV Globo

Vinicius Konchinski

Colaboração para o UOL, em Curitiba

19/10/2019 04h04Atualizada em 19/10/2019 18h00

Antonio Palocci delatou o mesmo crime em dois acordos de delação premiada. O ex-ministro denunciou o suposto vazamento de informações sigilosas sobre mudanças na taxa básica de juros da economia brasileira em troca de benefícios na Justiça Federal do Paraná e, meses depois, relatou o mesmo caso em um acordo de colaboração homologado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

O suposto vazamento de informações teria beneficiado o banco BTG Pactual. Por conta da delação de Palocci, o banco está sendo investigado pela operação Lava Jato.

Como o ex-ministro falou do envolvimento do banco no vazamento duas vezes, em dois acordos de colaboração premiada diferentes, o BTG foi alvo de duas operações realizadas por equipes diferentes da Lava Jato em menos de dois meses. Ambas operações buscavam a apreensão de provas que comprovassem o favorecimento do BTG.

A defesa do banqueiro André Esteves, sócio do BTG, foi ao Supremo reclamar da investigação de um mesmo crime em duas jurisdições diferentes, o que não é permitido por lei. Advogados chegaram a pedir a anulação da 64ª fase da Lava Jato do Paraná, o que pode comprometer a apuração de suspeitas sobre o banco.

O pedido ainda não tem decisão definitiva do Supremo.

A defesa de Palocci nega que o ex-ministro tenha tratado do mesmo assunto em delações diferentes. Em nota enviada ao UOL, afirma que "enquanto em São Paulo, a PF e o MPF investigam fatos envolvendo a taxa básica de juros, em Curitiba, a PF e o MPF investigam fatos que dizem respeito às empresas Petrobrás e Sete Brasil". Veja a seguir os detalhes da reportagem do UOL.

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Defesa do banqueiro André Esteves contestou operações
Imagem: Getty Images
Um crime, dois acordos

Palocci foi preso na 35ª fase da Lava Jato do Paraná, em setembro de 2016. Em junho de 2017, foi condenado pelo então juiz Sergio Moro por corrupção e lavagem de dinheiro.

Enquanto cumpria sua pena, fechou um acordo de delação premiada com a PF (Polícia Federal) no Paraná. O acordo foi firmado em abril de 2018. Naquele mês, ele relatou no anexo 9 de sua delação supostos crimes de Esteves e do banco BTG.

Nesse anexo, Palocci disse que o ex-ministro Guido Mantega teria alertado Esteves sobre uma redução na taxa básica de juros que seria promovida pelo Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central. Esteves, segundo Palocci, "operou no mercado com informação privilegiada".

Por conta da delação, Palocci teve sua pena reduzida em novembro de 2018. Foi autorizado pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) a cumprir prisão domiciliar.

Pouco antes de obter o benefício, Palocci fechou um novo acordo de delação, desta vez com a PF do Distrito Federal. Ele foi homologado pelo STF em outubro de 2018. O processo da homologação é sigiloso.

No anexo 10 deste acordo, Palocci volta a falar sobre crimes supostamente cometidos pelo BTG. O ex-ministro diz que o que o banco colaborou com a campanha eleitoral da ex-presidente Dilma Rousseff em 2014 para obter informação financeira privilegiada relacionada à taxa básica de juros.

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Dilma Rousseff e Guido Mantega são citados por Palocci
Imagem: Alan Marques/Folhapress

Operações buscam mesmas informações

O anexo 10 da delação de Palocci foi encaminhado em abril deste ano pelo ministro do Supremo Edson Fachin à Justiça Federal de São Paulo. Lá, ele foi usado para justificar a operação Estrela Cadente, ocorrida no último dia 3.

A operação faz parte da Lava Jato de São Paulo. Ocorreu após um pedido do MPF-SP (Ministério Público Federal de São Paulo).

Na ação, a PF esteve na sede do BTG em São Paulo em busca de provas sobre o vazamento de informações sigilosas do Copom.

Acontece que no dia 23 de agosto, policiais federais já haviam estado no mesmo BTG em busca de provas do mesmo suposto crime. A operação anterior foi a 64ª fase da Lava Jato do Paraná, realizada com base na delação de Palocci feita à PF do estado.

Nesta operação, realizada a pedido da própria PF, outros crimes também foram apurados. Apesar disso, na decisão judicial que autorizou a ação, está expresso o interesse em informações sobre "operação de mercado a partir de informação privilegiada repassada por Guido Mantega sobre o curso da taxa de juros."

Duplicidade gerou reclamação ao STF

Por ter sido alvo de duas operações, ordenadas por duas jurisdições diferentes, para a apuração de um mesmo crime, a defesa de André Esteves procurou o STF. Fez uma reclamação à Corte relatando o caso e citando outros crimes que a PF do Paraná estaria investigando, mas que já estariam sendo apurados em outras jurisdições.

A reclamação foi analisada pelo ministro Celso de Mello, relator de um inquérito sobre o envolvimento do BTG na aprovação de uma MP (Medida Provisória). No caso específico relacionado à MP, Celso de Mello viu fundamento na reclamação de Esteves. Ele determinou a suspensão dessa investigação no Paraná.

Sobre os outros casos questionados por duplicidade, o ministro não se pronunciou já que eles são relatados no STF por Edson Fachin. Ainda não há decisão a respeito do andamento dessas investigações.

O delegado da PF Filipe Pace, responsável pela investigação sobre o BTG na Lava Jato do Paraná, se pronunciou sobre o assunto nos autos do processo a respeito da operação no banco. Disse que a apuração sobre o vazamento de informações do Copom busca provas para reforçar os relatos de Palocci sobre a relação do banco com o PT (Partido dos Trabalhadores).

Pace ainda disse que vai compartilhar com a Justiça de São Paulo o acesso aos documentos apreendidos no banco para que a suspeita sobre o vazamento de informações do Copom possa ser ser apurada por lá.

Advogados contestam operações

O advogado criminalista Antônio Cláudio Mariz disse ao UOL que a Lava Jato de São Paulo não deveria ter realizado uma operação no BTG para investigar uma suspeita que já havia justificado a operação realizada pela Lava Jato do Paraná. "Há o que chamamos de bis in idem. Não se pode realizar uma segunda operação para apurar um mesmo fato", afirmou.

Segundo ele, a legislação prevê o compartilhamento de provas por autoridades para que operações e buscas sejam realizadas só em casos específicos.

Walter Bittar, outro advogado criminalista ouvido pelo UOL, ratificou que não havia necessidade de uma segunda operação no BTG Pactual. Disse, inclusive, que discussões jurídicas sobre as ações podem basear pedidos de anulação de provas obtidas nas ações da Lava Jato.

"A licitude das provas obtidas pode ser questionada", afirmou ele. "Se houve uma operação em duplicidade, com alguma ilicitude, ela pode contaminar a prova obtida."

Delação dupla também é criticada

Bittar também questionou o fato de Palocci ter delatado um fato duas vezes. Segundo ele, um acordo de delação pressupõe a concessão de benefícios pela revelação de crimes. Se um crime já foi revelado numa delação, não há porque conceder benefícios por um novo relato sobre ele.

O advogado Anderson Lopes foi ainda mais enfático. Disse que o caso pode ser tratado como "um estelionato jurídico". "Palocci vendeu a mesma informação duas vezes. Entregou um só relato e vai receber benefícios em duas jurisdições."

"Se há relatos de um mesmo crime em duas delações, é possível que ele tenha se beneficiado duas vezes", reforçou Mariz. "Isso é errado."

"Em cada um de seus acordos de cooperação, Palocci se comprometeu a colaborar sobre fatos ilícitos específicos", argumentou a defesa de Palocci. "Tais acordos respeitam as atribuições das autoridades signatárias e as competências dos Juízos homologadores. Eventual conexão entre fatos investigados por autoridades distintas não implica em duplicidade de benefícios ao colaborador."

A PF do Paraná e de Brasília, onde Palocci fechou seus acordos de delação, foram procuradas. Não se manifestaram.

O MPF de São Paulo, que solicitou a segunda operação no BTG Pactual, também foi contatado pelo UOL. Não se pronunciou.

O BTG Pactual declarou que "já é reconhecido que os episódios narrados por Antonio Palocci em sua colaboração não são factualmente verdadeiros". O banco ainda informou que não se beneficiou do suposto vazamento de informações do Copom.

O ex-ministro Mantega e a ex-presidente Dilma já negaram os relatos de Palocci.

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