Ex-secretário do AM contradiz Pazuello e cita foco da Saúde no kit covid
O ex-secretário estadual de Saúde do Amazonas, Marcellus Campêlo, afirmou hoje, em depoimento à CPI da Covid, ter procurado o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello antes do estopim do colapso sanitário em Manaus, no começo do ano —quando pessoas morreram nos hospitais sem acesso a oxigênio. Sua versão conflita com a dada por Pazuello aos senadores.
Segundo Campêlo, Pazuello —então ministro da Saúde— foi informado, logo na primeira reunião entre os dois, que o Amazonas enfrentava dificuldades logísticas em relação à entrega de oxigênio. O encontro se deu antes do estopim da crise, em meados de janeiro, de acordo com a narrativa do depoente.
"Fiz uma ligação ao ministro Pazuello no dia 7 de janeiro por telefone explicando a necessidade de apoio logístico para trazer oxigênio de Belém a Manaus, a pedido da White Martins. A partir daí, fizemos contato com o Comando Militar da Amazônia, por orientação do ministro, para fazer esse trabalho logístico", disse Campêlo hoje.
"Não houve resposta, que eu saiba", emendou.
A fala de Campêlo contradiz Pazuello. À CPI, o ex-ministro disse que ficou sabendo dos problemas no abastecimento de oxigênio somente na noite de 10 de janeiro.
Um relatório do Ministério da Saúde assinado pelo próprio Pazuello, contudo, desmente o que o ex-ministro disse à CPI da Covid sobre o momento em que ficou sabendo do risco de falta de oxigênio em Manaus.
Segundo o documento, o ministério soube da "gravíssima situação dos estoques de oxigênio hospitalar em Manaus, em quantidade absolutamente insuficiente para o atendimento da demanda crescente" em 8 de janeiro, e não no dia 10 como afirmou o ex-ministro à CPI, por meio de e-mail enviado por Petrônio Bastos, gerente da White Martins na região.
O relatório foi revelado pela Agência Pública depois de ser enviado à Casa Civil, em resposta a um pedido de informações diante de medidas judiciais contra o governo federal durante a crise no Amazonas.
O próprio Pazuello, em declaração a jornalistas, já admitiu que soube da possibilidade de falta de oxigênio no Amazonas no dia 8, citando a mensagem da White Martins. "No dia 8 de janeiro, nós tivemos a compreensão, a partir de uma carta da White Martins, de que poderia haver falta de oxigênio se não houvesse ações para que a gente mitigasse este problema.", declarou.
Mayra Pinheiro, servidora do Ministério da Saúde conhecida como "capitã cloroquina", também contradisse Pazuello ao afirmar que o ministério soube sobre a falta de oxigênio em Manaus em 8 de janeiro.
Outros ofícios foram encaminhados ao ministério e a Pazuello nos dias 9, 11, 12 e 13 de janeiro com pedidos de apoio logístico. Dias depois, o estado sofreria com a falta de leitos para pacientes com covid-19 e o desabastecimento de insumos básicos.
Campêlo ainda buscou minimizar a gravidade da crise e afirmou que, na rede pública de saúde, a "intermitência de oxigênio" teria durado apenas dois dias: 14 e 15 de janeiro, o que não é verdade, conforme mostra o UOL. A declaração gerou irritação entre os senadores da comissão.
Indagado sobre as mortes que ocorreram fora do período mencionado, sendo estas provocadas pela falta de oxigênio medicinal ou insumos hospitalares básicos, o depoente respondeu à CPI que "não há registro".
Na versão do ex-secretário, a oferta de oxigênio foi comprometida no estado por uma questão de mercado, isto é, a demanda acabou por superar em demasia o estoque disponível para comercialização. A empresa fornecedora, White Martins, atendia não só os hospitais e unidades da rede pública, mas também da rede privada.
"Uma coisa é faltar oxigênio na rede de saúde hospitalar. Outra é o paciente que está tratando em casa porque não tem vaga no hospital, tenta comprar o cilindro de oxigênio na rua e ele não existir", declarou Campêlo.
Quando falou à CPI, Pazuello buscou se eximir de qualquer culpa ou omissão pela crise no Amazonas, embora tenha sido contestado por senadores. Ele declarou que a responsabilidade de monitoramento do estoque de oxigênio não era o foco da Secretaria Estadual de Saúde do Amazonas e que o governo federal atendeu aos pedidos quando solicitado.
Segundo parte de membros da Comissão Parlamentar de Inquérito, no Senado Federal, há evidências de que o governo federal ignorou sucessivos alertas do governo do Amazonas a respeito da iminência do colapso na rede hospitalar. Essa é uma das linhas de investigação em curso na CPI.
Reportagem do UOL mostrou hoje que um documento do governo federal enviado à CPI da Covid, por exemplo, aponta que o Ministério da Saúde sabia da escassez de respiradores no Amazonas um mês antes do colapso.
Contato com a White Martins
Campêlo afirmou à CPI ter recebido, em 7 de janeiro, telefonema da White Martins a fim de checar quantos leitos de UTIs e clínicos seriam providenciados a partir da execução do plano de contingência estadual. Na ocasião, a empresa já demonstrava preocupação com o aumento exponencial do consumo de oxigênio.
"Ele [representante da White Martins] anotou, pediu para que nós não ativássemos mais nenhum leito de UTI até o sinal da empresa fornecedora de que poderia ter segurança para a ampliação do fornecimento de oxigênio. E assim fizemos: demos a ordem de não ativação, de continuarmos com a ampliação dos leitos, mas ativar os leitos somente no momento em que tivéssemos a anuência da empresa com segurança."
Diante das declarações, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), questionou se o estado havia tomado uma decisão baseada em posicionamento de uma empresa privada —em detrimento das necessidades da rede pública de saúde naquele momento.
O ex-secretário respondeu que, apesar da preocupação manifestada, o governo local continuou a abrir leitos porque a fornecedora providenciaria, em alguns dias, um lote de 52 mil metros cúbicos de oxigênio. Além disso, havia previsão de novas entregas para os dias seguintes.
Sem criticar a empresa, Campêlo disse que a programação tinha o objetivo de atender toda a estrutura de saúde dependente do fornecimento, tanto na rede pública quanto na privada. Ele não destacou se houve, portanto, uma incompatibilidade entre a demanda do estado e as entregas que haviam até então sido provisionadas pela White Martins.
Uma nota publicada no site do governo do Amazonas em 14 de janeiro atribui ao governador Wilson Lima (PSC) —que evitou falar à CPI ao recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal)— a informação de que a demanda por oxigênio no estado "passou a ser cinco vezes maior nos últimos 15 dias" — ou seja, desde 31 de dezembro.
Em 27 de janeiro —12 dias após a data final mencionada pelo ex-secretário— o UOL noticiou uma fala do próprio ex-secretário admitindo que Manaus não havia reduzido a demanda e que ela havia aumentado no interior do estado.
'Capitã cloroquina' defendeu medicamento
Campêlo relatou à CPI que Mayra Pinheiro, a "capitã cloroquina" e secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, deu ênfase ao chamado "tratamento precoce" —termo que o governo federal utiliza para se referir ao estímulo a medicamentos sem eficácia no tratamento dos sintomas do coronavírus— quando Manaus já vivia um cenário de agravamento da pandemia.
O incentivo do governo Jair Bolsonaro (sem partido) a remédios como cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina é justamente um dos pontos de interesse da CPI.
"Em 4 de janeiro, recebemos a secretária Mayra Pinheiro. Estivemos juntos com o governador e com a presença da imprensa. Vimos uma ênfase da doutora Mayra Pinheiro em relação ao tratamento precoce e relatando um novo sistema que poderia ser utilizado e que seria apresentado oportunamente, o TrateCov."
Marcellus Campêlo, ex-secretário estadual de Saúde do Amazonas
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) afirmou haver "crime contra a vida" na ação das pessoas que insistiram no chamado "tratamento precoce", método ineficaz contra a covid-19, enquanto medidas efetivas, como o isolamento social, foram flexibilizadas ou ficaram em segundo plano. "A ação foi deliberada", disse Rogério, ao acrescentar que o presidente Bolsonaro é o principal "responsável".
Campêlo é criticado por senadores de ambos os lados
Na audiência da CPI, Marcellus Campêlo foi criticado tanto por senadores governistas quanto por oposicionistas. Omar Aziz disse que a presença de Campêlo "não fluiu".
Para o líder do MDB no Senado, eleito pelo Amazonas, Eduardo Braga, "o que houve mesmo foi muita incompetência, muita falta de planejamento e muita falta de compromisso com a população".
O senador Otto Alencar (PSD-BA) disse que a "culpa não é só da incompetência do Ministério da Saúde, a culpa também é muito do governo do Estado".
"Tivesse um governador responsável, não teria acontecido essa tragédia, em Manaus, de que o senhor é um cúmplice, tanto quanto o ministro Pazuello, um general do Exército, de logística, com um engenheiro cuidando da saúde do povo de Manaus, e falta oxigênio, falta kit intubação, falta EPI, faltam medicamentos para suprimento das UTIs, falta absolutamente tudo. Só não faltou vergonha ao senhor e ao Ministro da Saúde."
O senador Jorginho Mello (PL-SC) disse que, a seu ver, Campêlo "não esclareceu muita coisa". Diversos senadores criticaram o fato de o governador do Amazonas, Wilson Lima, ter evitado prestar depoimento à CPI na semana passada, pois este poderia explicar mais questões relativas à crise vivida pelo estado no início do ano.
Campêlo foi preso em operação da PF
Na 4ª fase da Operação Sangria, ocorrida em 2 de junho deste ano, a Polícia Federal fez buscas na casa do governador Wilson Lima e prendeu Marcellus Campêlo, então secretário de saúde. Ele foi solto no dia 7 e pediu exoneração do cargo.
A Operação Sangria investiga irregularidades na gestão da pandemia, como na compra de respiradores e na prestação de serviços para o Hospital de Campanha Nilton Lins, além de supostas fraudes em licitações e supostos desvios de verbas públicas que deveriam ser usadas para combater a pandemia.
A quebra dos sigilos telefônico e telemático de Campêlo foi aprovada pela CPI na semana passada.
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