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CPI: Servidora diz não ter visto problema com Covaxin e nega elo com Barros

Hanrrikson de Andrade, Luciana Amaral e Thais Augusto

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

06/07/2021 04h00Atualizada em 06/07/2021 18h31

A servidora do Ministério da Saúde Regina Célia Silva Oliveira afirmou hoje, em depoimento à CPI da Covid, não ter identificado "nada atípico" nas negociações para a aquisição de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin. Segundo a funcionária, não houve pressão dentro da pasta para acelerar as tratativas de importação.

A versão de Regina Célia nega fatos narrados pelo também servidor do ministério Luis Ricardo Miranda, irmão do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF). Ambos afirmam que houve pressão interna para que inconsistências contratuais fossem ignoradas de modo a dar celeridade ao processo de importação do imunizante.

O relato dos irmãos Miranda deu luz a suposto esquema de corrupção dentro do Ministério da Saúde. O caso também é investigado pelo MPF (Ministério Público Federal).

Regina Célia revelou ainda que a portaria referente à fiscalização do contrato, designando-a para a função, só foi publicada quase um mês depois da assinatura do acordo. Na ocasião, os compromissos de entrega dos primeiros lotes já haviam sido descumpridos pela intermediadora do negócio, a Precisa Medicamentos.

No ministério, a depoente é lotada no Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis da Secretaria de Vigilância em Saúde. Ela é servidora concursada desde 1995 e compareceu à CPI na condição de testemunha por ter sido nomeada fiscal do contrato da Covaxin. A servidora foi responsável por avalizar o avanço das negociações entre o governo brasileiro e a Precisa Medicamentos junto ao fabricante da vacina indiana, o laboratório Bharat Biotech.

Aos parlamentares, Regina disse: "Não achei nada atípico no processo em relação à minha função de fiscal de avaliar a execução do contrato. Não é atípico".

Questionada pelo relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), se não havia verificado os valores do contrato, a servidora federal disse que sua competência era apenas aprovar o quantitativo de doses. "Deixei claro aos senhores que não aceitei a declaração [nota fiscal conhecida como invoice], não aprovei", disse. "Quem faz avaliação do invoice é de competência exclusiva do setor de importação."

Calheiros indagou ainda se Regina considerava ter favorecido a Precisa Medicamentos em razão do aval para que as negociações fossem levadas adiante. A servidora rechaçou tal possibilidade: "Acho não. Tenho certeza que eu não favoreci".

Diante das negativas de Regina Célia em relação às acusações de erros e eventuais irregularidades no processo da Covaxin, senadores passaram a questioná-la se estaria protegendo alguém e quem seria essa pessoa.

"Tudo o que nós queremos saber aqui é se isso foi uma decisão só da senhora ou se alguém forçou, pediu, coagiu, convenceu a senhora. Porque, veja, se um funcionário da área de importação foi pressionado, foi coagido para fazer essas mudanças, ninguém pediu para a senhora ignorar o parecer que ele deu e mandar isso para pedir a importação?", declarou Humberto Costa (PT-PE), ao acrescentar que ela pode se tornar alvo de processo por improbidade administrativa.

Após ser questionada por Rogério Carvalho (PT-SE), Regina Célia disse:

"Não concordo com o que o senhor falou acerca de quem eu protejo, porque eu não protejo ninguém. Eu sou técnica e eu respondo aos questionamentos aqui do ponto de vista técnico."

Contrato ficou quase 1 mês sem 'fiscal'

O contrato firmado entre o Ministério da Saúde e a Precisa Medicamentos foi assinado em 25 de fevereiro para a aquisição de 20 milhões de doses da Covaxin, ao custo final de R$ 1,6 bilhão. Os primeiros lotes, com 4 milhões de unidades, deveriam ter sido entregues em 17 de março. Até hoje, nenhuma dose do imunizante chegou ao Brasil.

Segundo Regina Célia, a portaria que a designou como fiscal do contrato só foi publicada no Diário Oficial da União em 22 de março. Isto é, três dias depois que a primeira cláusula já havia sido descumprida pela contratante —e quase um mês após a assinatura do acordo.

Na condição de fiscal, segundo relatou a servidora à CPI, sua função principal seria "emitir notificações" a respeito da execução do contrato. Ela negou ter competência administrativa para impor vetos ou sanções.

"Só tomei conhecimento desse contrato a partir da portaria (publicada no dia 22). A portaria já estava assinada, porém não estava publicada", disse ela.

A primeira notificação referente a problemas na execução contratual só foi emitida, de acordo com a versão da depoente, em 30 de março —três dias depois que a Precisa descumpriu mais uma cláusula, referente à previsão de entrega do segundo lote adquirido (27 de março).

"O contrato se arrastou sem fiscal até o descumprimento do segundo compromisso do contrato", afirmou Renan Calheiros.

Servidora nega ligação com líder do governo

Em depoimento à CPI, o deputado federal Luis Miranda e seu irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, afirmaram ter havido pressão atípica para a importação de doses da Covaxin e que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) teria citado o nome do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), por possível envolvimento em "rolo" ao ouvir o caso.

Luis Ricardo se disse pressionado a dar celeridade ao aval para chegada da Covaxin ao país e que teria se recusado a agir dessa forma porque sua equipe havia identificado falhas de documentação e inconsistências no acordo com o laboratório indiano e a intermediária Precisa Medicamentos.

Regina Célia, no entanto, autorizou a continuidade dos trâmites, segundo Luis Ricardo. Em seu depoimento, não ficou claro se as supostas irregularidades identificadas já haviam sido corrigidas. A Precisa, por exemplo, afirma que sim.

Então ministro da Saúde, Barros nomeou Regina Célia para uma função comissionada em fevereiro de 2018, segundo o Diário Oficial da União.

Ele, porém, nega qualquer envolvimento com eventuais erros no processo da Covaxin e relação com a indicação de Regina Célia. Também diz não ser o parlamentar citado por Bolsonaro. Além disso, ressalta querer ser ouvido logo pela CPI para poder se defender das acusações.

Aos senadores, Regina Célia negou ter assumido cargos de confiança devido a indicações políticas.

"A minha nomeação em todos esses cargos foi unicamente por razões técnicas. Não tive nenhum patrocínio, não conheço nenhum político que possa ter intervindo na minha nomeação", disse.

A líder da bancada feminina no Senado, Simone Tebet (MDB-MS), apontou hoje que documentos apresentados pelo governo federal com o objetivo de rebater as acusações de irregularidades teriam indícios de fraude e manipulação.

"Ele [documento apresentado pelo governo] tem a marca e o logotipo desenquadrados, não estão alinhados em alguns pontos, como se fosse uma montagem. Tem inúmeros erros de inglês, e, talvez, o mais desmoralizante dele seja o [item] 17. No lugar de preço, price, está prince [príncipe, em inglês]. CEO, está companhia, em português. Então, aqui está uma mistura, acho que é um dialeto que só eles conhecem, não é? Está um 'portinglês' que não dá para entender."

A senadora ainda afirmou ter inconsistências na quantidade de doses previstas, entre outros pontos.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), e Renan Calheiros cobraram hoje respostas do presidente Jair Bolsonaro sobre o contrato para a Covaxin e o suposto envolvimento de Ricardo Barros no caso.

"Que aquele pessoal que vai ali no cercadinho pergunte: presidente [Bolsonaro], o senhor recebeu ou não recebeu essa invoice [fatura da Covaxin]? Se ele não responder a eles, que ele possa nos responder na próxima live", disse Aziz, em um apelo ao presidente. "Senão vamos estar aqui ouvindo pessoas, e as pessoas vão dizer 'não era', 'era'... Só quem pode nos responder isso, de fato, que até hoje não nos respondeu... [É Bolsonaro]."

Veja a previsão dos próximos depoimentos:

  • Quarta (7): Roberto Dias, ex-diretor de logística do Ministério da Saúde;
  • Quinta (8): Francieli Fontana Fantinato, ex-coordenadora do PNI (Programa Nacional de Imunizações).

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.