Governo nega informações sobre visitas de membros da Precisa à Presidência
O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI) negou fornecer informações sobre possíveis visitas de representantes da Precisa Medicamentos à Presidência da República. A empresa, que intermediou a venda da vacina Covaxin ao Brasil, é um dos focos da CPI da Covid no Senado. Ontem (13), a diretora técnica Emanuela Medrades foi chamada a depor, mas ficou em silêncio.
A negativa do GSI se deu na última sexta-feira (9), em resposta a um pedido pela Lei de Acesso à Informação, segundo o sistema de consulta a respostas fornecidas pelo governo federal.
O GSI alegou que "nome e data de entrada de visitantes na Presidência da República" são "dados pessoais", que devem ser protegidos em respeito à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Acrescentou que tais dados só poderiam ser usados para fins de segurança presidencial: "Fica clara a impossibilidade do fornecimento dos dados pessoais solicitados para outros fins que não a segurança na Presidência da República".
"Não tem o menor cabimento falar em proteção de dados pessoais em relação a atividades de agentes públicos. A sociedade tem o direito de saber com quem, quando e para quê autoridades se reúnem no exercício de suas funções. E o poder público tem a obrigação de fornecer essas informações", avalia Marina Atoji, gerente de projetos na Transparência Brasil e uma das maiores especialistas em Lei de Acesso à Informação do país.
A Precisa Medicamentos foi contratada pelo Ministério da Saúde para fornecer 20 milhões de doses de Covaxin, produzida na Índia, por US$ 15 cada —o maior valor contratado pelo Brasil em uma vacina contra a covid-19. Até agora, não se sabe por que o Ministério da Saúde aceitou pagar mais caro. Além disso, o negócio foi fechado em um prazo muito curto em comparação com o de outras vacinas, e antes mesmo da aprovação pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
O deputado federal Luis Cláudio Miranda (DEM-DF) e seu irmão Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde, dizem ter relatado suspeitas na negociação da Covaxin diretamente ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O servidor Miranda teria sofrido pressão atípica para liberar documentos da Covaxin, recebendo ligações inclusive do dono da Precisa Medicamentos. Bolsonaro confirmou que recebeu "papeis" dos irmãos Miranda.
O UOL questionou o GSI sobre a negativa de informação, mas o órgão não respondeu.
Malabarismo argumentativo
O pedido pela Lei de Acesso à Informação —cuja autoria o UOL desconhece— pretendia obter "lista de presença, agendas públicas e atas das reuniões realizadas com representantes da empresa Precisa Medicamentos no Brasil" e "com o empresário Francisco Emerson Maximiano". Maximiano é sócio da Precisa Medicamentos e também foi convocado a depor na CPI.
O empresário também é sócio da Global Gestão em Saúde —empresa que, por sua vez, é sócia da Precisa. A Global é investigada por outro contrato firmado com o Ministério da Saúde, na gestão do então ministro Ricardo Barros (2016-2018). Hoje, Barros é deputado federal pelo Progressistas, e líder do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) na Câmara dos Deputados.
O deputado Miranda disse na CPI que Bolsonaro citou o nome de Barros ao ouvir a denúncia sobre a Covaxin. Barros nega irregularidades e vem acionando o STF (Supremo Tribunal Federal) para ser ouvido na CPI o quanto antes.
O nome de Maximiano também foi vinculado ao do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ). Segundo a revista Veja, o filho do presidente, o dono da Precisa e o presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) se reuniram em outubro de 2020. Na ocasião, Maximiano representava uma terceira empresa, a Xis Internet Fibra. De acordo com o próprio senador, a reunião ocorreu a seu pedido, para que o presidente do banco ouvisse "uma boa ideia que foi trazida pelo senhor Maximiano".
Além das agendas, o pedido pela Lei de Acesso à Informação feito ao GSI solicitava registros de entrada e saída de representantes da Precisa —entre eles, Maximiano— na Presidência da República.
Ao negar o pedido, o GSI ignorou preceitos de transparência estabelecidos pela Controladoria Geral da União (CGU). Segundo o "Guia de Transparência Ativa para os órgãos e entidades do Poder Executivo Federal", da CGU, o governo deve fornecer informações sobre "audiências concedidas, com informações sobre seus objetivos, participantes e resultados, as quais deverão ser registradas por servidor da entidade ou órgão designado para acompanhar a reunião".
Ainda de acordo com o documento do CGU, essas informações devem ser disponibilizadas ativamente —ou seja, não seria necessário nem mesmo fazer o pedido pela Lei de Acesso à Informação, como ocorreu neste caso.
Além de descumprir orientações da CGU, o GSI fez um malabarismo argumentativo para negar as informações. Primeiro, se valeu da LGPD, a lei de proteção de dados, para alegar que os nomes de visitantes à Presidência são dados que devem ser resguardados. Como a LGPD tem o objetivo de proteger os direitos dos detentores dos dados, o que o GSI está defendendo, na prática, é que os visitantes da Presidência da República têm o direito de manter seus nomes em sigilo.
Em seguida, o GSI citou uma legislação que estabelece que o órgão deve zelar pela segurança da Presidência da República. Segundo o raciocínio do GSI, o órgão só poderia deixar de proteger o direito de privacidade dos visitantes da Presidência da República se fosse com fins de segurança presidencial — e não para prestar contas para a sociedade.
"O uso da LGPD para negar acesso às agendas públicas e à lista de presença em reuniões de agentes públicos é completamente inadequado, uma clara tentativa deliberada de ocultar informações. Ao fazê-lo, o GSI viola o direito de acesso à informação garantido pela Constituição Federal, contraria o interesse público e favorece a corrupção. Além disso, descumpre a Lei de Conflito de Interesses", explica Atoji.
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