Depoimentos fracos e briga de Bolsonaro com STF ofuscam retorno da CPI
Após emplacar uma "maratona" de depoimentos relevantes, a CPI da Covid voltou do recesso parlamentar em "marcha lenta", nesta última semana, com testemunhas que pouco ou nada contribuíram para as linhas de investigação em curso.
Até o momento, a Comissão Parlamentar de Inquérito trabalha com três frentes prioritárias: os indícios de irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin, o suposto pedido de propina ao policial militar e revendedor de vacinas da Davati Luiz Paulo Dominghetti e a tese de que o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) montou um "gabinete paralelo" de assessoramento durante a pandemia.
Havia a expectativa de que mais pontos-chave fossem revelados por meio das oitivas com o líder de entidade que buscou intermediar a venda de vacinas, reverendo Amilton Gomes de Paula, o ex-assessor do departamento de logística do Ministério da Saúde, tenente-coronel Marcelo Blanco, e o ex-assessor especial do então ministro Eduardo Pazuello, Airton Cascavel.
As três testemunhas surgiram durante o andamento das investigações e estão conectadas a fios condutores da CPI. Os resultados, no entanto, não fizeram jus ao que se previa.
Além de depoimentos mais fracos em comparação com os que haviam sido realizados anteriormente, a CPI também acabou sendo ofuscada pela escalada das brigas provocadas pelo comportamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em relação ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e ao STF (Supremo Tribunal Federal).
O governante tem atacado sistematicamente os ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. O primeiro, além de ser ministro do STF ao lado de Moraes, é ainda presidente do TSE. Ontem, por exemplo, Bolsonaro chamou Barroso de "filho da p***".
O pano de fundo da briga é a conduta dos poderes em meio à pandemia da covid-19 e a vontade de Bolsonaro em estabelecer o voto impresso nas próximas eleições, além das acusações dele, sem provas, de que houve fraudes em pleitos passados.
Isso acontece num momento em que Bolsonaro se vê potencialmente atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na corrida ao Planalto do ano que vem.
Antes mesmo de Bolsonaro xingar Barroso, o presidente do Supremo, Luiz Fux, reagiu de maneira enfática e declarou que as ofensas dirigidas aos colegas não atingem apenas os dois, mas todo o tribunal. Fux cancelou reunião marcada entre os chefes dos Três Poderes como forma de sinalizar a Bolsonaro a insatisfação da Corte.
Análise de documentos
Durante a pausa de duas semanas na CPI em decorrência do recesso parlamentar (18 a 31 de julho), os membros da comissão aproveitaram o período sem depoimentos e compromissos oficiais para analisar um grande volume de documentos obtidos nos últimos meses. Dados secretos, relatórios provenientes de quebras de sigilos e respostas a requerimentos dos senadores compõem uma extensa base de informações.
Como as audiências —realizadas majoritariamente às terças, quartas e quintas— são longas e extenuantes, muitos parlamentos não haviam tido tempo de olhar o material. Por esse motivo, havia a expectativa de que, na volta do recesso, os membros do colegiado utilizassem dados valiosos com o intuito de pressionar as testemunhas.
Ao longo da semana, porém, as audiências terminaram sem mudanças significativas em relação ao que já havia sido apurado. Isso não quer dizer, porém, que os senadores não estejam de posse de mais informações valiosas que agreguem às investigações da CPI.
Choro e pedido de perdão
Apontado como um dos intermediários na negociação envolvendo a empresa americana Davati e o Ministério da Saúde, o reverendo Amilton Gomes de Paula prestou um depoimento confuso, marcado por contradições, informações imprecisas e suposto arrependimento. O religioso, líder do grupo evangélico Senah (Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários), foi ouvido na terça (3).
O desempenho da testemunha ante aos questionamentos da comissão irritou os parlamentares.
Em um dos breves momentos de maior clareza de raciocínio, Amilton confirmou ter atuado como um dos elos para que a Davati conseguisse ofertar ao Ministério da Saúde um suposto lote de 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca/Oxford.
Dominghetti se apresentava, à época, como um revendedor da Davati, com sede no Texas e sem representação formal no Brasil.
Em 29 de junho, Dominghetti foi à imprensa para denunciar suposto pedido de propina por parte de Roberto Dias, ex-diretor do departamento de logística do Ministério da Saúde. Posteriormente, em depoimento ao colegiado, o policial reafirmou a versão.
A partir de um cruzamento de narrativas, apurou-se que as portas do ministério teriam sido abertas à Davati pelo reverendo Amilton, em fevereiro, período em que o governo Bolsonaro sofria diariamente críticas pelo atraso na vacinação.
Aos senadores, Amilton chorou afirmando estar arrependido de ter se envolvido nas tratativas e pediu desculpas.
"Foi um erro que, se pudesse voltar atrás, eu voltaria. Peço perdão a todos os senadores, a todos os deputados, e o que eu puder fazer para melhorar a vida de alguém... [...] Jamais fraudei ou tirei algo de alguém e estou aqui para contribuir com o Brasil sempre."
Coronel diz que queria lucrar com mercado de vacinas
O tenente-coronel da reserva do Exército Marcelo Blanco —citado no caso das negociações entre o governo e a Davati— foi a segunda testemunha da semana, em audiência realizada na quarta (4). O militar, hoje empresário, estava no jantar em que supostamente foi feito o pedido de propina. Ele negou ter ouvido ou feito qualquer solicitação ilegal.
Disse ainda que tinha somente interesses privados em relação ao mercado de vacinas contra a covid-19, e alegou que enxergava Dominghetti como um possível "parceiro comercial".
Blanco, que era assessor do departamento de logística do Ministério da Saúde até janeiro, negou ter utilizado a função pública para gerar lucros a si próprio ou a terceiros. Ele acrescentou que as negociações com a Davati se deram em fevereiro, depois de deixar o cargo público.
Os planos do coronel quanto à possível "parceria comercial" com Dominghetti estavam relacionados à comercialização de vacinas ao mercado privado. No entanto, à época dos fatos, o Congresso Nacional sequer discutia essa possibilidade. Para que imunizantes possam ser vendidos a empresas e/ou pessoas jurídicas, o Parlamento precisa aprovar uma lei específica sobre o tema.
'Ministro de fato' buscou se eximir de eventuais erros
Já na quinta foi a vez de a CPI ouvir o empresário Airton Soligo, ex-assessor especial de Pazuello, conhecido como Airton Cascavel. Interlocutores baseados nos estados e municípios chegaram a se referir ao empresário como o "ministro de fato".
Cascavel buscou minimizar o período em que trabalhou informalmente para o ministério e a percepção de que mandava na pasta, além de ter buscado se eximir de responsabilidades nas tratativas para a compra de vacinas contra a covid-19, especialmente em relação à demora com a Pfizer.
Ele disse que, "se pudesse", teria concretizado o acordo com a farmacêutica, no ano passado, para a compra de milhões de vacinas. O posicionamento do depoente, manifestado apenas agora —praticamente um ano depois que a Pfizer enviou ofertas que foram ignoradas pelo governo—, contraria a postura adotada à época pelo Ministério da Saúde.
O depoente ainda disse que a politização sobre as vacinas atrapalhou o enfrentamento da pandemia e que alertou autoridades do ministério sobre o risco de uma segunda onda forte da covid-19 no Amazonas.
Sem mudança significativa com Nogueira no Planalto
O líder do centrão no Senado e então membro da CPI, Ciro Nogueira (PP-PI), assumiu na quarta o posto de ministro da Casa Civil, pasta localizada dentro do Palácio do Planalto, numa tentativa do governo em atender ainda mais as demandas do grupo e afastar a possibilidade de andamento dos pedidos de impeachment no Congresso.
Sua saída da CPI causou algumas mudanças na comissão, como a efetivação do senador governista Luis Carlos Heinze (PP-RS) a titular e a chegada de Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) como suplente. No entanto, na prática, nada que tenha impactado a atuação dos defensores do governo.
Flávio, por exemplo, registrou presença só na quarta e na quinta, e, ainda assim, não falou nas reuniões. Heinze voltou a defender o tratamento precoce -conjunto de medicamentos sem eficácia comprovada para combater a covid-19.
Eduardo Girão (Podemos-CE), por sua vez, continuou a criticar a cúpula da CPI por focar os trabalhos somente no governo federal, e não apurar mais a fundo supostas irregularidades cometidas por estados e municípios com verba repassada pela União para combater a pandemia.
Um dos principais defensores da gestão Bolsonaro, Marcos Rogério (DEM-RO) fez coro ao colega e procurou minimizar o potencial do depoentes à CPI. Ao reverendo Amilton, afirmou que a presença dele talvez fosse uma "perda de tempo".
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