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Atos chamados por Bolsonaro são políticos, e não celebração à Independência

Herculano Barreto Filho

Do UOL, em São Paulo

03/09/2021 15h56Atualizada em 03/09/2021 15h56

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) incitou a participação de policiais militares da ativa nos atos de 7 de setembro em sua live semanal exibida ontem ao relacionar a participação nos protestos bolsonaristas com a comemoração à Independência do Brasil.

Especialistas ouvidos pelo UOL contestam a afirmação e veem no ato caráter político-partidário. A participação em manifestações com essas características é proibida pelo regulamento interno da Polícia Militar, configurando transgressão disciplinar com punições que podem levar à exclusão dos servidores da corporação e à abertura de processo criminal na Justiça Militar.

Ivana David, desembargadora do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), diverge da versão sustentada por deputados estaduais militares que defendem a participação de servidores da ativa em atos na avenida Paulista e em outros pontos do país por entenderem que eles também são cidadãos.

"O funcionário público exerce uma função de estado em tempo integral. Ele não pode simplesmente querer vestir a roupa de cidadão por achar que o estado não funciona. Isso gera suspeição na função. Ser policial é ser funcionário de estado, não de governo", afirma a desembargadora.

Ela também discorda do que declarou Bolsonaro ao relacionar a participação no ato pró-governo com a Independência do Brasil.

"Há toda a festividade em torno da comemoração desta data legalmente instituída no país como feriado nacional. Mas o que se quer fazer não é o que diz a lei. Quando os integrantes das forças policiais vão ao ato de camisa verde e amarela, eles ainda estão representando o Estado. Como representantes do Estado, não podem sair em atos para reivindicar o que acham que é certo no aspecto político", afirma.

'Tentativa de autogolpe', diz jurista

Em entrevista ao UOL News no programa do Canal UOL, o jurista Walter Maierovitch, colunista do UOL, diz que Bolsonaro busca o que ele entende ser uma espécie de "autogolpe" para ter amplos poderes. Ele cita, ainda, as recentes ameaças golpistas e a "convocação" de policiais da ativa.

"Com essa tentativa de envolver os policiais, inclusive os que estão no serviço ativo, o que ele quer, na realidade, é um autogolpe. Porque o poder ele já tem [sendo presidente]", disse Maierovitch.

O jurista ainda relacionou os atos no Dia da Independência, que contarão com a presença de Bolsonaro em Brasília e em São Paulo, com a Marcha sobre Roma — episódio que levou o fascista Benito Mussolini ao posto de chefe de governo na Itália em 1922.

"Mussolini fez a marcha sobre Roma e o rei da época [Vítor Emanuel III] 'afinou', ficou com medo e colocou Mussolini como primeiro-ministro. De primeiro-ministro Mussolini virou ditador", acrescentou.

Para Maierovitch, os policiais podem ser uma peça-chave nessa tentativa de autogolpe de Bolsonaro. Segundo o jurista, eles ganharam um poder "incontrolável" nos estados e, agora, assustam os governadores —levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que aumentou a adesão de PMs a ambientes bolsonaristas radicais nas redes sociais neste ano em comparação ao ano anterior.

Bolsonaro sobe tom de ameaças ao STF

O tom das ameaças feitas por Bolsonaro aumentou ontem com a afirmação de que os atos seriam um "ultimato" aos dois ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Contudo, a única forma de impeachment dos ministros é por decisão do Senado —recentemente, o governo teve um pedido de abertura de impeachment contra Alexandre Moraes rejeitado pelo presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Bolsonaro aumentou o tom dos ataques ao ministro Alexandre de Moraes após sua inclusão no inquérito das fake news e de prisões recentes de bolsonaristas como o deputado Daniel Silveira e o presidente do PTB, Roberto Jefferson.

O presidente diz que defende a liberdade de expressão, ignorando o entendimento majoritário de que os direitos previstos na Constituição não são absolutos quando entram em conflito com outros, cabendo ao juiz sobrepesar caso a caso qual deve prevalecer.

Já Barroso é alvo de ataques desde que Bolsonaro iniciou sua campanha pela implementação do voto impresso, que foi rejeitada pela Câmara dos Deputados.

O corregedor-geral da TSE, Luís Felipe Salomão, também entrou na mira de Bolsonaro depois de determinar a desmonetização de perfis e canais investigados por disseminar fake news sobre as eleições no Brasil.