Bolsonaro recua e diz que fala golpista no 7/9 decorreu do calor do momento
Dois dias após um discurso golpista no 7 de Setembro, no qual fez um desafio explícito ao STF (Supremo Tribunal Federal), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) divulgou na tarde de hoje uma carta aberta na qual recua e declara respeito às instituições brasileiras e diz que "suas palavras decorrem do calor do momento".
O passo atrás dado por Bolsonaro acontece após o envolvimento direto do ex-presidente Michel Temer, acionado pelo Planalto numa tentativa de debelar a crise institucional com o STF e o Congresso. Antes da divulgação de nota, Bolsonaro conversou por telefone com o ministro do Supremo Alexandre de Moraes — a ligação também foi mediada pelo ex-presidente.
De acordo com a assessoria de Temer, a conversa entre Bolsonaro e Moraes, que foi chamado de canalha pelo presidente na manifestação de terça, foi "rápida, institucional, simplesmente educada". Não houve pedido de desculpas, segundo UOL apurou. Moraes foi indicado por Temer ao STF em 2018, após ter comandado o Ministério da Justiça no governo do emedebista, de quem é amigo há duas décadas.
Intitulada "Declaração à Nação", a nota oficial do governo Bolsonaro foi divulgada após o encontro de Bolsonaro com Temer em Brasília nesta quinta — segundo a assessoria do ex-presidente, ele ajudou a redigir o documento e foi para Brasília em um avião da FAB enviado a São Paulo para buscá-lo.
O próprio presidente confirmou em sua live semanal nesta noite que procurou Temer na quarta e voltou a falar com seu antecessor por telefone hoje pela manhã — também reafirmou a ajuda para redigir a nota.
"Ele [Temer] colaborou com algumas coisas na nota, eu concordei e publicamos. Eu publiquei. Não tem nada demais ali. Estou pronto para conversar", afirmou na transmissão em suas redes sociais. Bolsonaro disse ainda que ouviu também, antes de divulgar a nota, Ciro Nogueira (PP-PI), ministro-chefe da Casa Civil e líder do centrão.
No encontro com Temer, outro assunto tratado foi a paralisação de caminhoneiros, que o governo tenta controlar — em 2018, quando era presidente, Temer lidou com uma greve da categoria.
No instante em que o país se encontra dividido entre instituições é meu dever, como Presidente da República, vir a público para dizer: 1. Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes. A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar. 2. Sei que boa parte dessas divergências decorrem de conflitos de entendimento acerca das decisões adotadas pelo Ministro Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito das fake news. 3. Mas na vida pública as pessoas que exercem o poder, não têm o direito de "esticar a corda", a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia"
Trecho da nota divulgada pelo presidente Jair Bolsonaro
"Calor do momento"
"Por isso quero declarar que minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum. 5. Em que pesem suas qualidades como jurista e professor, existem naturais divergências em algumas decisões do Ministro Alexandre de Moraes. 6. Sendo assim, essas questões devem ser resolvidas por medidas judiciais que serão tomadas de forma a assegurar a observância dos direitos e garantias fundamentais previsto no Art 5º da Constituição Federal. 7. Reitero meu respeito pelas instituições da República, forças motoras que ajudam a governar o país", acrescenta o chefe do Executivo.
Bolsonaro esteve presente nos dois principais protestos antidemocráticos realizados na terça (7): em Brasília, pela manhã, e em São Paulo, à tarde. Em seu discurso na avenida Paulista, o presidente pregou desobediência ao Judiciário e ameaçou o STF.
Principal alvo de Bolsonaro, Alexandre Moraes é desafeto do presidente desde o início de 2019, quando foi nomeado relator do inquérito que investiga ataques e disseminação de fake news contra o STF e os ministros da Corte.
Ontem, em reação às declarações golpistas de Bolsonaro, o presidente do STF, Luiz Fux, afirmou que ameaças à autoridade da Corte e o desprezo por decisões judiciais configuram crime de responsabilidade — o que pode levar ao impeachment do presidente. Procurada hoje, a assessoria do STF disse que a Corte não se manifestará sobre o conteúdo da carta assinada por Bolsonaro.
Esta quinta também foi marcada por outra mudança de tom de Bolsonaro, desta vez em relação a China.
Na abertura da Cúpula dos Brics, pela manhã, o presidente, que já causou desconforto com o governo chinês por declarações sobre a origem do coronavírus e a confiabilidade das vacinas produzidas no país, hoje disse que a parceria com China é essencial para o combate da pandemia.
Agressão sistemática ao STF e ao Congresso
Apesar de ter afirmado hoje que nunca teve "nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes", Bolsonaro, no mesmo discurso em que chamou Moraes de canalha, disse que não cumpriria qualquer ordem do ministro, incitando seus apoiadores contra a Corte.
"Qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, este presidente não mais cumprirá", declarou Bolsonaro de cima de um caminhão na avenida Paulista, em São Paulo, diante de dezenas de milhares de apoiadores. No fim de agosto, Bolsonaro chegou a enviar ao Senado um pedido de impeachment contra Moraes, posteriormente rejeitado por Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente da Casa.
Hoje, ao comentar a nota de Bolsonaro, Pacheco disse que é "disso que o Brasil precisa": "Respeito entre os Poderes, obediência à Constituição e compromisso de trabalho árduo em favor do desenvolvimento do país", afirmou.
Ataques infundados às urnas eletrônicas
Também anteontem, Bolsonaro voltou a afirmar infundadamente que as eleições brasileiras são uma "farsa" patrocinada pelo presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luís Roberto Barroso, espalhando novamente desinformação sobre o processo eleitoral brasileiro.
A declaração teve hoje uma dura resposta de Barroso, que chamou Bolsonaro de "farsante" e disse que o populismo busca culpados para o fiasco.
Em agosto, na reta final da tramitação da proposta do voto impresso no Congresso — que veio a ser derrubada na Câmara dos Deputados — Bolsonaro foi filmado xingando Barroso de "filho da p...".
Bolsonaro também já respondeu com um "caguei" ao pedido feito pela CPI da Covid — aberta pelo Senado — e chamou de "bandidos" sete senadores do colegiado.
Leia a íntegra da nota pública de Jair Bolsonaro
Declaração à Nação
No instante em que o país se encontra dividido entre instituições é meu dever, como Presidente da República, vir a público para dizer:
1. Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes. A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar.
2. Sei que boa parte dessas divergências decorrem de conflitos de entendimento acerca das decisões adotadas pelo Ministro Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito das fake news.
3. Mas na vida pública as pessoas que exercem o poder, não têm o direito de "esticar a corda", a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia.
4. Por isso quero declarar que minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum.
5. Em que pesem suas qualidades como jurista e professor, existem naturais divergências em algumas decisões do Ministro Alexandre de Moraes.
6. Sendo assim, essas questões devem ser resolvidas por medidas judiciais que serão tomadas de forma a assegurar a observância dos direitos e garantias fundamentais previsto no Art 5º da Constituição Federal.
7. Reitero meu respeito pelas instituições da República, forças motoras que ajudam a governar o país.
8. Democracia é isso: Executivo, Legislativo e Judiciário trabalhando juntos em favor do povo e todos respeitando a Constituição.
9. Sempre estive disposto a manter diálogo permanente com os demais Poderes pela manutenção da harmonia e independência entre eles.
10. Finalmente, quero registrar e agradecer o extraordinário apoio do povo brasileiro, com quem alinho meus princípios e valores, e conduzo os destinos do nosso Brasil.
DEUS, PÁTRIA, FAMÍLIA
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