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Mendonça defende Estado laico, ataca delações e evita críticas a Bolsonaro

Isabella Cavalcante e Rafael Neves

Colaboração para o UOL e do UOL, em Brasília

01/12/2021 10h38Atualizada em 01/12/2021 15h40

Em busca de uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal), o ex-ministro da Justiça André Mendonça fez acenos à classe política e tentou se descolar da imagem de "terrivelmente evangélico" na sabatina que avalia hoje, no Senado, sua indicação para o cargo. Os senadores questionam Mendonça na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e devem votar a indicação ainda hoje, no plenário da Casa.

Na série de perguntas dos congressistas, Mendonça evitou criticar falas e decisões do presidente Jair Bolsonaro (PL), mas buscou distanciamento de posições adotadas pelo presidente. Em parte dos assuntos controversos, o ex-ministro não comentou detalhes com a justificativa de que poderá julgar futuramente estes temas no Supremo.

Apoiado por líderes evangélicos, que fizeram pressão durante 4 meses pelo agendamento da sabatina, Mendonça se comprometeu a defender o Estado laico e contrariou Bolsonaro ao afirmar que não fará orações semanais no STF, como pediu o presidente. O ex-ministro disse "não haver espaço" para manifestações religiosas durante as sessões do tribunal.

"Eu me comprometo com o Estado laico. Considerando discussões havidas em função de minha condição religiosa, faço importante ressaltar minha defesa do Estado laico", afirmou. "Na vida, a Bíblia. No Supremo, a Constituição", completou.

Diante da fala do presidente sobre orações, até expliquei a ele: não há espaço para manifestação pública religiosa durante uma sessão no STF. O que não significa que antes de iniciar uma refeição ou essa sessão eu não tenha feito minha oração individual, que é também silenciosa e compreendendo a separação entre atuação pública e religiosa".
André Mendonça, postulante a uma vaga no STF

Em julgamento no Supremo Tribunal Federal em abril, quando chefiava a AGU (Advocacia-geral da União), Mendonça atuou para manter cultos presenciais em igrejas durante a pandemia de covid-19. Na ocasião, o ministro de Bolsonaro afirmou que os "verdadeiros cristãos estão sempre dispostos a morrer" para garantir a liberdade de religião e de culto.

A fala levou parlamentares a duvidarem se o ex-ministro, que é pastor presbiteriano, saberá impedir que as convicções religiosas influenciem seu trabalho no Supremo.

Decretos das armas

Após uma exposição inicial de cerca de 40 minutos na CCJ, Mendonça foi questionado pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) sobre decretos assinados pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) que facilitam o acesso a armas no país. O ex-ministro afirmou que não poderia entrar em detalhes porque estes decretos são analisados pelo Supremo.

"A questão está levada ao STF e, nesse contexto, sob pena de tornar-me impedido de me manifestar como juiz da Suprema Corte, caso aprovado pelo Senado Federal, não posso me manifestar sobre a constitucionalidade ou não sobre o tratamento dado pelos decretos e atos que tratam da matéria", afirmou.

"Há espaço para porte e posse de arma. O que deve ser debatido é quais os limites, até que ponto", disse o ex-ministro de Jair Bolsonaro (sem partido). Segundo Mendonça, o debate desse assunto deve ocorrer no âmbito legislativo.

'Delação não é prova'

Se for aprovado para uma vaga no STF, Mendonça deverá entrar para a Segunda Turma da Corte, que toma a maioria das decisões relativas à Lava Jato no tribunal. Por essa razão, senadores questionam se ele terá uma postura mais punitivista ou mais favorável ao direito dos réus.

A desconfiança aumentou em setembro, quando mensagens vazadas mostraram que ele se encontrou com investigadores da operação em 2019, quando chefiava a AGU, e prestou apoio à força-tarefa.

Na sabatina, porém, o ex-ministro afirmou que terá uma postura garantista e dará "tratamento igualitário" a todas as partes envolvidas nos julgamentos da Corte. Mendonça declarou que "nós não podemos criminalizar a política" e fez um discurso crítico às delações premiadas, um dos grandes instrumentos usados pela Lava Jato.

"O respeito aos direitos e garantias individuais está umbilicalmente ligado ao respeito à democracia e ao Estado Democrático de Direito", afirmou Mendonça em sua exposição inicial na sabatina, antes do início das perguntas dos senadores. "Tais direitos devem ser respeitados pelas partes e garantidos pelo juízo, o que costuma se denominar garantismo", completou.

Direitos das minorias

Ainda em sua fala inaugural na sabatina, o ex-ministro de Bolsonaro prometeu que tratará de maneira igualitária todas as pessoas envolvidas em processos no STF, sem distinção de gênero, raça ou orientação sexual.

Mais tarde, em resposta a uma pergunta do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), defensor da comunidade LGBT, Mendonça afirmou ainda que defenderá o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, caso o assunto seja alvo de análise pelo STF.

"O casamento civil, eu tenho minha concepção de fé específica. Como magistrado da Suprema Corte, isso tem que estar abstraído, tenho que me pautar pela Constituição. Eu defenderei o direito constitucional do casamento civil de pessoas do mesmo sexo", afirmou Mendonça.

Inquéritos contra críticos de Bolsonaro

O senador Jorge Kajuru (Podemos-GO), único a declarar abertamente que não votará em Mendonça, questionou o sabatinado sobre inquéritos abertos contra jornalistas e críticos de Bolsonaro, por ordem do Ministério da Justiça, com base na Lei de Segurança Nacional, que entrou em vigor durante a ditadura militar e foi revogada pelo Senado em agosto desse ano.

Mendonça afirmou, em resposta, que nunca houve "o intuito de perseguir ou intimidar" os críticos de Boslonaro. O uso da LSN, segundo ele, ocorreu "em estrita obediência ao dever legal".

Apoio à indicação

Após mais de 4 meses de espera pela sabatina, Mendonça tem apoio declarado de mais de um terço do Senado. Em levantamento publicado hoje pelo UOL, 29 parlamentares afirmaram que votarão a favor da nomeação.

Dos 80 senadores consultados (o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, não participa da votação), outros 29 preferiram não antecipar o voto e 22 não responderam. Apenas um, o senador Jorge Kajuru (Podemos-GO), se declarou contrário.

Apesar do apoio, parte dos senadores demonstra ceticismo contra o indicado de Bolsonaro. Em suas passagens pelo governo, Mendonça protagonizou episódios como a criação de um dossiê sobre servidores identificados como antifascistas e a abertura de inquéritos contra críticos de Bolsonaro, além do trabalho da AGU para manter cultos e missas presenciais na pandemia.

O trâmite

Ao final da sabatina de hoje, que se estenderá até que todos os senadores interessados façam suas perguntas, o ex-ministro enfrentará uma primeira votação na própria comissão, composta de 27 membros, e precisa de maioria simples (metade dos senadores presentes à sessão) para ter parecer favorável.

Após essa etapa, o parecer é encaminhado ao plenário — independentemente do resultado. A depender do tempo e da decisão dos senadores, a decisão final pode ocorrer ainda hoje. Ambas as votações, na CCJ e no plenário, são secretas, ou seja, não será possível saber como cada parlamentar se posicionou.