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Rede bolsonarista abandona críticas ao 'fique em casa' e ataca Carnaval

Leonardo Martins

Do UOL, em São Paulo

02/12/2021 04h00

As incertezas sobre a transmissão da covid-19 no país já geram discussões sobre a realização ou não do Carnaval em 2022 há algumas semanas. Mas bastou o presidente Jair Bolsonaro (PL) dizer, na semana passada, que, por ele, "não teria Carnaval" para a festa mais tradicional do país virar alvo de ataques de seus apoiadores.

As investidas recentes podem ser uma estratégia de mobilizar suas bases e também afastar dos holofotes notícias negativas para o governo federal, segundo avaliação de cientistas políticos e sociais ouvidos pelo UOL.

No fim de semana, Claudia Leitte foi um dos termos mais citados no Twitter, com a hashtag que chamava a cantora de genocida, depois de um show lotado em São Paulo —os grandes eventos no estado estão liberados desde 1º de novembro, inclusive shows em pé, mas com uso obrigatório de máscara e apresentação do "passaporte vacinal". Em nota, Claudia disse que os ataques são "seletivos", já que jogos de futebol, por exemplo, estão recebendo público.

Apoiadores do presidente compararam a apresentação da cantora baiana às aglomerações em motociatas e atos de apoio ao governo que ocorreram nos períodos de alta de mortes e casos por covid-19, quando havia restrições para evitar a circulação do vírus.

Em 23 de maio, por exemplo, sem usar máscaras, Bolsonaro promoveu um passeio de moto e encontrou o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Em discurso, o presidente criticou as medidas de confinamento e lockdown. Naquele dia, a média móvel de mortos por causa da covid no país foi de 1.909. Hoje, com o avanço da vacinação, o índice está perto de 250. Entre os dois eventos, mais de 165 mil pessoas morreram em decorrência da doença.

Para a cientista política Camila Rocha, o "ranço" de apoiadores de Bolsonaro e dele próprio com festas populares, como o Carnaval, começa no âmbito moral. Ela é autora do livro "Menos Marx Mais Mises: O Liberalismo e a Nova Direita no Brasil".

"Aqueles que aderiram ao bolsonarismo são muito críticos não só ao Carnaval, mas às festas de rua, como manifestações LGBTQIA+, onde há pessoas seminuas. É um comportamento sexual sempre muito criticado pelo problema do estado financiar esse tipo de celebração", diz ela. "As pessoas mais conservadoras entendem que não podem financiar eventos que vão contra a 'moral e bons princípios'".

A cientista social e professora da USP Esther Solano, que também é pesquisadora do movimento bolsonarista desde 2017, concorda.

"Para os seguidores mais radicais, é uma festança da hipersexualidade, da sexualização precoce das crianças, da ostensividade do comportamento LGBT. Uma festa só simboliza tudo aquilo que eles detestam em termos de liberdade sexual. É perfeito para eles encontrarem a legitimação do discurso moral", avalia a docente.

Assim, ao criticar o Carnaval, Bolsonaro ganha apoio em sua rede.

Rivalidade: Bolsonaro vs. Carnaval

Para João Guilherme Bastos dos Santos, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital, há uma "rivalidade" entre o capitão reformado e a festa.

"Essa rivalidade remete aos gritos contra Bolsonaro em vários lugares do Brasil. É uma festa que já foi marcada por uma grande reação. Existe a ideia do Carnaval no âmbito da insatisfação [com o governo]", pontua.

Nos sambódromos do Rio de Janeiro e de São Paulo, há escolas de samba que abordam desajustes e problemas sociais em seus sambas-enredo. Bolsonaro, nesse contexto, não é retratado de forma positiva. No ano passado ele foi satirizado pelo comediante Marcelo Adnet no desfile da Sapucaí.

Em 2019, no Carnaval de Olinda (PE), foi homenageado com um boneco gigante, que acabou levando uma chuva de latas.

Boneco do presidente Jair Bolsonaro fez parte do desfile de Bonecos Gigantes de Olinda (PE), em 2019 - Marlon Costa/Futura Press/Estadão Conteúdo - Marlon Costa/Futura Press/Estadão Conteúdo
Boneco do presidente Jair Bolsonaro fez parte do desfile de Bonecos Gigantes de Olinda (PE), em 2019
Imagem: Marlon Costa/Futura Press/Estadão Conteúdo

Foi nesse mesmo ano que o presidente publicou um vídeo de um homem urinando em outro rapaz e associando as imagens ao Carnaval. Foi o episódio que terminou na pergunta do presidente da República em sua rede social: "O que é golden shower?".

Para além de Bolsonaro, o setor mais conservador da sociedade já não apoiava o Carnaval. O ex-prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella (Republicamos), que é pastor, quebrou uma tradição e não abriu o Carnaval carioca em 2017, por exemplo.

Esther Solano, no entanto, vê mais do que um moralismo. "Eles [bolsonaristas] são um grupo muito coeso no que diz respeito a essa ideia moralidade, um Brasil onde vale os valores cristãos, familiares. É uma forma da estratégia política de mobilização da base, de coesão política das bases bolsonaristas", afirma.

Cortina de fumaça

Mas a discussão pode ter também outro foco. "Seguidores do presidente precisam blindar Bolsonaro diante de possíveis ataques por um aumento de números da covid ou pela continuação das mortes. É possível buscar inimigos externos e causadores externos do problema. Qual o melhor inimigo de agora? Justamente o Carnaval", continua Esther Solano.

"Quando o governo está sendo atacado por algum motivo, eles costumam voltar a dar carga nos temas morais, onde se sabe bem que há adesão. No combate à pandemia e na economia, o governo se sai mal. Eles, então, vão para ofensiva moral", afirma Camila Rocha.

Os defensores do presidente, que criticaram medidas de restrição adotadas para conter o vírus, hoje citam fatores sanitários para a não-realização da festa.

O senador Marcos Rogério (DEM-RO), no Twitter, questionou: "Será que vamos repetir o episódio de 2020, quando prefeitos e governadores realizaram festas de carnaval no país inteiro em meio a um cenário pandêmico e, na sequência, culparam o presidente Bolsonaro pela evolução dos casos da covid-19?".

Para o ano que vem, o cenário é incerto. É preciso aguardar e conferir se os indicadores —como números de casos, mortes e internações— estarão controlados, conforme já relataram autoridades. Algumas cidades já cancelaram o evento.

Em São Paulo e no Rio, a festa está sendo organizada sob a condição de, em caso de piora na pandemia, ser cancelada. A aposta é que o bom índice de vacinação no país seja suficiente para controlar a doença e suas variantes permitindo, assim, que se coloque os blocos nas ruas com segurança.