Toffoli impõe revisão à Lava Jato, que sofre derrotas em série no STF

Por decisões do ministro Dias Toffoli, do STF, a Lava Jato enfrenta um processo de revisão com anulação de provas e de multas aplicadas contra empreiteiras, além de investigações contra personagens da operação.

Um ano de derrotas

Toffoli pediu transferência e deu sequência à revisão da operação. O processo de esvaziamento da Lava Jato não começou com o ministro, mas ganhou força com a chegada de Toffoli à 2ª Turma do STF, em maio do ano passado, após a aposentadoria de Ricardo Lewandowski. De lá para cá, as medidas se acumulam e miram pilares da investigação, antes principal algoz da classe política.

O principal instrumento foi reclamação que beneficiou Lula. Ao ir para a 2ª Turma, Toffoli assumiu a relatoria da Reclamação 43007 —processo que se tornou uma espécie de guarda-chuva da revisão da Lava Jato.

Foi nesta reclamação que Lewandowski, antigo relator do caso, trancou as ações penais contra o ex-presidente Lula, além de determinar a proibição do uso de provas do acordo de leniência da Odebrecht nos processos que miravam o petista. De lá para cá, outros réus passaram a acionar o STF neste processo, pedindo a extensão da decisão para suas próprias ações penais e inquéritos.

Toffoli se alinhou à ala de Gilmar Mendes, crítico à Lava Jato. Em seu primeiro dia na 2ª Turma, Toffoli cunhou a expressão "pau de arara do século 21", citando o método de tortura empregado na ditadura militar, para descrever a força-tarefa de Curitiba.

Usou-se, sem dúvida nenhuma, do poder do Estado, do Estado-juiz, que não é parte, para instruir o processo para se obter informações que a Constituição veda claramente, de ninguém produzir prova contra si mesmo.
Dias Toffoli, ministro do STF, em sua primeira sessão na 2ª Turma ao discutir um recurso contra a Lava Jato

Primeiro provas, depois multas

Um dos grandes atos de Toffoli foi assinar uma "bomba" contra o que ainda restava da Lava Jato. Em decisão monocrática proferida em setembro, o ministro anulou todas as provas obtidas pela operação a partir do acordo de leniência da Odebrecht, hoje Novonor.

Em 135 páginas, Toffoli não poupou críticas à Lava Jato e ainda fez afagos a Lula, afirmando que a prisão do petista teria sido um dos maiores erros judiciários da história do país.

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Trecho de decisão de Toffoli que chama prisão de Lula de um dos maiores erros do Judiciário
Trecho de decisão de Toffoli que chama prisão de Lula de um dos maiores erros do Judiciário Imagem: Arte/UOL

A decisão ainda não foi a referendo do plenário ou para a 2ª Turma. Regra do STF estabelece que decisões monocráticas devem passar pelo crivo dos colegas.

As decisões seguintes atingiram os acordos de leniência firmados pela J&F e pela Odebrecht. Ambas as empresas firmaram colaborações em que confessaram atuação em esquemas de corrupção em troca de punições menos severas. Também não houve análises do colegiado nesses processos.

Em dezembro, no último dia antes do recesso, Toffoli suspendeu a multa de R$ 10,3 bilhões firmada pela J&F, dos irmãos Wesley e Joesley Batista. O acordo de leniência do grupo tinha sido o maior da história do país e previa o pagamento dos valores em 25 anos.

O argumento foi que acordos de leniência devem ser firmados a partir de uma "escolha com liberdade". A decisão foi criticada pelo fato da mulher de Toffoli, Roberta Ranger, advogar para a J&F, embora ela não tenha atuado diretamente no processo que chegou ao Supremo. Roberta defende a holding no caso envolvendo a Eldorado Celulose, em disputa acionária com a Paper Excellence.

No início do mês, Toffoli deu decisão semelhante à Odebrecht, hoje Novonor, e suspendeu o pagamento da multa de US$ 2,5 bilhões prevista no acordo de leniência da empreiteira. Os argumentos dados pelo ministro foram os mesmos da medida que beneficiou a J&F.

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Toffoli não quis comentar. Ele foi procurado pela reportagem, mas não se manifestou.

PGR: Leniência da J&F sem relação com Lava Jato

O acordo da J&F foi firmado pela força-tarefa da Operação Greenfield, apuração baseada em Brasília e que mirava desvios de fundos de pensão. A falta de conexão com os fatos investigados em Curitiba foi apontada pela PGR em recurso contra a suspensão da multa.

No recurso, Paulo Gonet argumentou que o acordo de leniência da J&F não foi pactuado por agentes ligados à Lava Jato e, por isso, o caso deveria ser redistribuído para outro ministro.

Paulo Gonet, novo procurador-geral da República, durante sabatina no Senado
Paulo Gonet, novo procurador-geral da República, durante sabatina no Senado Imagem: Evaristo Sá - 13.dez.2023

Não é dado à empresa [J&F] invocar o contexto das ilegalidades verificadas pelo STF na Operação Lava Jato para se isentar das suas obrigações financeiras decorrentes de acordo de leniência celebrado em juízo diverso, no âmbito da Operação Greenfield, que não tem relação com a Operação Spoofing nem com a Operação Lava Jato.
Paulo Gonet, em recurso contra a decisão de Toffoli que beneficiou a J&F

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Ainda não há data para quando o recurso de Gonet será analisado. A PGR também já estuda recorrer da decisão que beneficiou a Odebrecht.

Personagens na mira

A revisão da Lava Jato feita por Toffoli ainda colocou protagonistas da operação na posição de investigados. A pedido da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República, o ministro autorizou inquérito contra Sergio Moro, senador e ex-juiz da Lava Jato.

A investigação mira relatos feitos pelo ex-deputado estadual Antonio Celso Garcia, o Tony Garcia, sobre irregularidades em sua delação firmada no caso Banestado.

Tony Garcia afirmou que sua delação se tornou um "instrumento de chantagem" na mão de Moro, com objetivo de investigar políticos e empresários de destaque. O ex-juiz rebateu que a narrativa é "fantasiosa".

O senador Sergio Moro (União Brasil-PR)
O senador Sergio Moro (União Brasil-PR) Imagem: Pedro França/Agência Senado
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Nesta semana, Toffoli abriu uma apuração contra a ONG Transparência Internacional, próxima à força-tarefa da Lava Jato. O ministro pede que se investigue se a entidade recebeu parte dos valores obtidos com multas de acordos firmados na Lava Jato.

Na decisão, Toffoli se refere à ONG como uma entidade "alienígena com sede em Berlim" que recebeu recursos que deveriam ser destinados ao Tesouro Nacional. "Tal providência faz-se necessária especialmente para investigar eventual apropriação indevida de recursos públicos por parte da Transparência Internacional e seus respectivos responsáveis, sejam pessoas públicas ou privadas", afirmou.

O diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil, Bruno Brandão, negou as suspeitas e disse que a entidade "nunca receberia, recebeu ou receberá qualquer recurso do acordo de leniência da J&F ou de qualquer outro acordo de leniência".

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