Tarcísio admite 'direcionamento errado' para PM: 'Nosso discurso tem peso'
O governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos) reconheceu durante evento nesta sexta (6) que o discurso dele influencia o comportamento dos agentes da Polícia Militar, envolvidos em uma série de violações nas últimas semanas.
O que aconteceu
"A gente comete erros também, e os erros que a gente comete têm reflexos", afirmou. "Nosso discurso tem peso, isso é fácil de ser percebido hoje. Tem uma reflexão profunda que tem que ser feita, de fato." A fala representa uma mudança de discurso em relação ao "tô nem aí" dito por Tarcísio quando questionado sobre abusos cometidos por policiais durante a Operação Escudo. Tarcísio discursa em evento com as presenças do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, o ministro do STF Gilmar Mendes e o secretário de Segurança Pública do estado, Guilherme Derrite.
A gente percebe que, às vezes, as receitas simplesmente tradicionais, 'vamos aumentar o efetivo, vamos investir em tecnologia, vamos valorizar as carreiras', às vezes, é insuficiente. [...] Nosso discurso tem peso. E, às vezes, se a gente erra no discurso, a gente dá um direcionamento errado e traz as consequências erradas.
Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo
Tarcísio admitiu a necessidade de "contenção" e "equilíbrio" na PM. A declaração foi feita pelo governador ao dizer, mais uma vez, que se "arrepende muito" de ter tido posição contrária ao uso das câmeras corporais nos policiais militares. Ele ainda afirmou que o desafio é encontrar uma modulação no discurso entre garantir segurança jurídica para os agentes e deixar "claro que não existe salvo-conduto" para violência policial.
Eu percebo que ela (câmera corporal) é um fator de contenção e nós precisamos, sim, de contenção e de equilíbrio, porque o grande desafio é como garantir a segurança jurídica daquele agente que está lá na porta, que atua, que precisa combater a criminalidade, que está extremamente estressado, que está sob perigo o tempo todo? Como não deixar que esse agente público seja esculhambado, seja alvo das piores ilações, mas, ao mesmo tempo, não permitir o descontrole, mostrar o caminho.
Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo
Como fazer com que esses procedimentos (operacionais da PM para abordagens) sejam cumpridos? Como garantir esse equilíbrio? E essa é a pergunta que eu me faço agora. Como modular o discurso pra garantir, de fato, segurança jurídica, mas também o atendimento às normas, o atendimento aos procedimentos operacionais. Como não permitir o descontrole, como deixar claro que não existe salvo-conduto. Então observem que eu tenho, no final das contas, uma série de dúvidas. Não tenho respostas.
Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo
Fala responde à cobrança feita por professora. Antes, a professora e coordenadora do Centro de Ciência Aplicada à Segurança Pública da FGV Joana Monteiro disse que o discurso do uso excessivo da força é populista e gera "deslegitimação da polícia". "A mensagem que vocês passam para pessoas, para tropa tem, às vezes, um efeito muito maior do que qualquer aparelho tecnológico. E a gente está num mundo muito brutalizado. O policial na ponta é talvez uma das pessoas que mais sofre com isso. E discursos populistas de que se pode usar a força loucamente, quem mais sofre com isso é o policial na ponta, porque ele vai cair e quem vai ser responsabilizado criminalmente é ele."
Tarcísio demonstrou incômodo e tensão durante o evento. O governador manteve a expressão séria e se movimentou na cadeira em diversos momentos.
Governador saiu sem falar com a imprensa. Tarcísio deixou o local por volta de 20h10 e preferiu não conversar com jornalistas.
Governador chegou ao evento acompanhado de Lewandowski e de Guilherme Derrite. Após evitar aparições públicas no início da semana, a vinda do Secretário de Segurança Pública é mais um sinal de força junto ao governador, que disse nesta quarta-feira (6) que não o demitiria do cargo. Derrite saiu do evento sem discursar ou falar com a imprensa.
O encontro de autoridades e especialistas aconteceu para discutir os desafios da segurança pública no país. Lewandowski não fez menção aos últimos episódios de violência policial em São Paulo. Na quinta (5), o ministro disse acompanhar com preocupação o avanço dos casos de truculência em abordagens da PM e afirmou que estuda criar um ato normativo para instruir as corporações sobre o "uso progressivo da força".
O Brasil cresceu muito. A criminalidade cresceu. Os desafios da polícia são muitos. As situações com que a polícia se defronta são situações inesperadas. Muitas vezes há reações indesejadas e reações inadmissíveis, violentas, absolutamente incompatíveis com a Constituição e as leis. mas são atos isolados. As corporações militares, ou seja, das polícias militares e as polícias civis têm, em sua grande maioria, respeitado a lei e as regras de procedimento das respectivas corporações.
Ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, sobre casos de violência policial
Eu imagino que os políticos, em geral, de certa maneira, refletem o sentimento da população que se sente acuada pelo crescimento da criminalidade. Compete a nós todos, autoridades, nos diversos níveis onde se encontram, dar um combate eficiente a este fenômeno que é novo. Porque o crime, como eu disse, não é mais local, mas é transnacional e é interestadual.
Ricardo Lewandowski, ao comentar se falas de governadores podem incitar abordagens violentas
Casos dominaram manchetes no último mês
No domingo (1º), um PM jogou um homem de uma ponte na zona sul da capital paulista durante abordagem. O agente foi preso na manhã desta quinta e, segundo Tarcísio, será expulso da corporação.
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Quero receberNa quarta (4), uma idosa e seu filho foram agredidos por um policial em Barueri. No dia 20, o universitário Marco Acosta foi morto por um PM na Vila Mariana. Em 5 de novembro, um menino foi morto durante uma operação em Santos. Dois dias antes, um jovem foi morto com 11 tiros por um PM de folga.
São Paulo teve 580 mortes cometidas por agentes de segurança até setembro. O número é o maior desde 2020, quando houve 824 mortes e o uso de câmeras corporais foi adotado pela PM. Em 2024, 552 das 580 mortes contabilizadas foram cometidas por policiais militares.
A PM de São Paulo matou uma pessoa a cada dez horas neste ano. Levantamento do UOL com base em dados da Secretaria da Segurança Pública mostra que o número é mais que o dobro do que o de 2022, ano anterior à gestão de Tarcísio.
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