Sob Teich, combate à covid-19 já remete à crise entre Bolsonaro e Mandetta
Resumo da notícia
- Ministro é criticado por ressalvas ao uso do remdesivir para tratar covid-19
- Mandetta adotou postura semelhante sobre adoção da cloroquina
- Como fazia com ex-ministro, Bolsonaro não consultou a pasta para decidir alterar setores essenciais
- No cargo, Teich e Mandetta evitam comentar publicamente atitudes do presidente
Pouco mais de três semanas após tomar posse, as ações do ministro da Saúde, Nelson Teich, no combate à pandemia de covid-19 começam a se aproximar de temas que levaram ao rompimento entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o antigo ocupante da pasta, Luiz Henrique Mandetta (DEM).
Perguntado em entrevista coletiva ontem sobre o uso de remédios no tratamento à covid-19, Teich citou com ressalvas o remdesivir, um antiviral, deixando de lado a cloroquina defendida por muitos apoiadores do presidente.
"A droga mais promissora é o remdesivir, mas o Ministério precisa ter um respaldo técnico em tudo o que ele recomenda. Quando a gente tiver algum estudo que comprove um benefício claro, vamos recomendar imediatamente. Fora isso, o ideal é que qualquer droga que pareça funcionar seja tratada em um estudo clínico para colher dados", afirmou.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) é clara ao dizer que "não há tratamento específico para a doença causada pelo novo coronavírus".
Para os apoiadores do presidente, isso bastou e o ministro virou alvo de ataques no Twitter, por supostamente desmerecer a cloroquina em benefício do remdesivir. Às 21h30 de ontem, as interações com a hashtag que pedia sua saída (#ForaTeich) passavam das 12 mil.
A reação se assemelha ao fim da gestão de Mandetta que, pouco antes de deixar o cargo, relatou pressão sofrida para editar um protocolo indicando a hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19. Depois, ele viria a amenizar a situação tentando manter a boa relação com Bolsonaro.
Logo ao anunciar a troca, o presidente tentou, em live, fazer com que Teich endossasse a substância. Agora, o novo ministro começa a ser criticado por grupos localizados de apoiadores de Bolsonaro por ter adotado postura conservadora em relação a ela.
Ciência ainda debate as duas drogas
A cautela de Nelson Teich e de Luiz Henrique Mandetta ao falar do remdesivir e da cloroquina, respectivamente, se assemelha pelo fato de ambos defenderem estudos mais aprofundados dada a falta de evidências científicas para a recomendação das substâncias.
"O remdesivir aparenta ser uma droga promissora. Mas, até agora, apenas promissora. Temos que aguardar seu uso em larga escala e, sobretudo, em pacientes mais graves", explicou ao UOL o médico infectologista do Hospital das Clínicas da USP, Evaldo Stanislau.
"Porém, estou confiante de que seja uma droga segura e útil, por exemplo, diminuindo o tempo de internação e, por que não, o número de pacientes que evoluirá com maior gravidade. A droga já tem uma autorização especial do governo americano para ser usada, portanto, é segura. A questão mais relevante do que a segurança é quando teremos acesso e a que preço", afirmou.
Os Estados Unidos aprovaram o uso emergencial do medicamento em pacientes hospitalizados no dia 1º de maio. O Japão seguiu o exemplo e também aprovou o uso.
A cloroquina vive a mesma indefinição. Um estudo publicado hoje no Journal of the American Medical Association (JAMA) observou 1,4 mil pacientes e concluiu que "os tratamentos com hidroxicloroquina, azitromicina ou ambos não foram significantes quanto à mortalidade". A conclusão corrobora outro estudo, publicado no New England Journal of Medicine na semana passada.
Isolamento social
Apesar de Bolsonaro criticar abertamente o isolamento social desde o início da pandemia sob o argumento de salvaguardar a economia, Teich tem, à exemplo do que fazia Mandetta, evitado dar declarações que endossem o afrouxamento ou a aplicação das medidas de restrição de circulação adotadas por estados e municípios.
O ministro, que anunciará amanhã diretrizes, divididas por região do país, sobre o isolamento, reforçou que a pasta não irá "definir se vai isolar ou flexibilizar". "A decisão, vocês sabem, cabe aos estados e municípios. O que o Ministério da Saúde faz é disponibilizar uma linha de raciocínio", afirmou.
Falta de consulta ao Ministério da Saúde
A exemplo do que acontecia com frequência quase diária com Mandetta, Teich foi pego de surpresa ao saber, por um jornalista, que o presidente havia incluído salões de beleza e academias de ginástica entre os serviços essenciais — decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), contudo, determina que a decisão cabe a estados e municípios.
"Qualquer coisa que é decidida pode ser revista", respondeu Teich quando questionado sobre não ter sido consultado pelo presidente.
No cargo, Mandetta viveu situações semelhantes, mais notoriamente pelo endosso público de Bolsonaro ao uso da cloroquina e pelas críticas ao isolamento social. Como seu antecessor, Teich tem evitado comentar os comportamentos do superior, especialmente sua participação em eventos com aglomeração de pessoas.
Com o decreto que incluiu academias de ginástica entre as atividades essenciais, Bolsonaro contrariou Teich e Mandetta em uma única ação. O primeiro por não ter sido consultado. O segundo porque, já em 13 de março, o Ministério da Saúde orientava que a realização de exercícios físicos fosse feita ao ar livre.
"A mudança de comportamento e rotina será imprescindível no enfrentamento do coronavírus. Nesse sentido, adotar horários alternativos para evitar aglomeração de pessoas é uma das recomendações. [...] Quanto à frequência nas academias, a orientação é de optar por se exercitar ao ar livre em vez de fazer aulas de ginástica em locais fechados", escreveu a pasta à época.
Mesmo ao ar livre, um estudo belga diz que corrida a 14,4 km/h pode espalhar covid-19 em até 10 metros.
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