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Lei permite vacina sem registro da Anvisa, mas Doria tem histórico de recuo

Jean Gorinchteyn (esq.), secretário estadual de Saúde, o governador João Doria (PSDB) e o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, recebem primeiro lote de insumos da CoronaVac vindo da China no Aeroporto de Guarulhos - Divulgação/Governo de São Paulo
Jean Gorinchteyn (esq.), secretário estadual de Saúde, o governador João Doria (PSDB) e o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, recebem primeiro lote de insumos da CoronaVac vindo da China no Aeroporto de Guarulhos Imagem: Divulgação/Governo de São Paulo

Marcelo Oliveira

Do UOL, em São Paulo

04/12/2020 04h00

A lei 13979, aprovada pelo Congresso Nacional em fevereiro de 2020 e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), pode autorizar um de seus maiores adversários políticos na atualidade, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), a determinar a vacinação de cidadãos paulistas com a CoronaVac, produzida em parceria pela empresa Sinovac, da China, e o Instituto Butantan.

Hoje, sem apresentar todas as cartas que teria na manga, Doria anunciou que não é preciso esperar até março, como o governo federal pretende fazer, e que vai começar a vacinar os paulistas em janeiro. Prometeu apresentar os detalhes do plano no dia 7 do mês que vem. À Globo, o Secretário de Saúde, Jean Gorinchteyn, foi ligeiramente mais cauteloso e disse que vacinação deve começar no primeiro bimestre.

Trecho da lei 13979 que permite a autorização provisória de remédios e insumos destinados ao combate à covid-19 sem autorização da Anvisa - Reprodução - Reprodução
Trecho da lei 13979 que permite a autorização provisória de remédios e insumos destinados ao combate à covid-19 sem autorização da Anvisa
Imagem: Reprodução

A lei permite, inclusive, em seu artigo 3º, inciso III, que a vacinação seja obrigatória (mas a constitucionalidade da obrigatoriedade será apreciada pelo STF a partir do próximo dia 11).

A autorização para vacinar sem autorização da Anvisa é dada pelo artigo 3º da lei que prevê que "as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras" medidas como a "vacinação e outras medidas profiláticas", conforme a alínea "d" do texto legal.

Em maio deste ano, o Congresso derrubou vetos do presidente Bolsonaro à lei aprovada em fevereiro e incluiu o inciso VIII no artigo 3º.

Autorização excepcional e temporária para a importação e distribuição de quaisquer materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área de saúde sujeitos à vigilância sanitária sem registro da Anvisa considerados essenciais para auxiliar no combate à pandemia do coronavírus.
Trecho do inciso VIII

O inciso VIII do artigo 3º da lei não explicita quem daria essa autorização provisória, mas estabelece em sua alínea "a" que para obter tal autorização bastaria que a vacina ou medicamento, sejam "registrados por pelo menos 1 (uma) das seguintes autoridades sanitárias estrangeiras": FDA (EUA), EMA (União Europeia), PMDA (Japão) ou NMPA (China).

A lei 13979 foi aquela que o STF, em abril deste ano, interpretou a favor dos governadores e prefeitos para impor planos para a contenção da pandemia de covid-19 mais restritivos que as recomendações do Ministério da Saúde, numa das maiores derrotas do governo Bolsonaro no Supremo.

Por sua vez, ontem, a Anvisa anunciou que definiu as regras para conceder a autorização emergencial de que fala a lei.

Com ou sem Anvisa, Doria tem vacinas e insumo para produzir

Governador de SP, João Doria, segura caixa da possível vacina para Covid-19 desenvolvida pela Sinovac em parceira com o Instituto Butantan - AMANDA PEROBELLI - AMANDA PEROBELLI
Governador de SP, João Doria, segura caixa da possível vacina para Covid-19 desenvolvida pela Sinovac em parceira com o Instituto Butantan
Imagem: AMANDA PEROBELLI

Consultado pela reportagem, experiente infectologista que já assessorou a OMS e o Ministério da Saúde — e que não faz parte do grupo de cientistas que assessora o governador — avalia que, ainda que Doria peça autorização da Anvisa, esta deveria ser concedida de forma rápida, pois a CoronaVac é uma das que tem obtido o melhor desempenho nos testes, além de já haver doses prontas e insumo disponível no Brasil (uma carga de insumos para produzir a vacina chegou hoje ao país).

O infectologista — que pediu para ter a identidade preservada por conta da politização que o tema tem tomado — entende, inclusive, que não seria necessária usar a lei e obter autorização provisória para a primeira parte da vacinação, que será destinada provavelmente a grupos específicos: idosos e profissionais de saúde.

Para o especialista, o Ministério da Saúde age de forma burocrática, pois parece ter apostado tudo na vacina da Astra Zêneca (Oxford), cujo cronograma atrasou no Reino Unido.

Em vídeo, contudo, o secretário de vigilância em saúde do Ministério da Saúde, Arnaldo de Medeiros, negou que o governo tenha preferência por uma ou outra vacina.

Doria tem histórico de recuos quando o assunto é a pandemia

Em São Paulo, de forma responsável, seguindo a lei, nós, no próximo mês, cumprindo o protocolo com a Anvisa, obedecendo princípios de proteção à vida, vamos iniciar a imunização dos brasileiros de São Paulo em janeiro. Não vamos aguardar março."
João Doria em coletiva ontem

Apostando na obtenção da autorização da Anvisa ou usando a lei para vacinar mediante autorização provisória desde com a aprovação de uma das agências estrangeiras listadas na lei, nada impede que o governador estabeleça um cronograma, contudo, ao longo da pandemia houve alguns anúncios e entrevistas do governador que foram desmentidos depois.

Apesar de Doria ter a lei ao seu lado, além de vacinas prontas em estoque, o governador já recuou de anúncios e declarações relativas ao controle da pandemia no Estado.

Em 15 de maio, quando a epidemia de covid-19 crescia velozmente em São Paulo e no Brasil, Doria disse ao UOL ter um plano de lockdown pronto, mas que pretendia não usá-lo, o que indicava que as restrições poderiam ser apertadas. Contudo, em 27 de maio, lançou o Plano São Paulo, de reabertura, surpreendendo a todos.

Em novembro, após ser aconselhado por especialistas que o assessoram a rever a fase verde do Plano São Paulo em virtude do aumento de casos de covid-19 no Estado, Doria chegou a anunciar o ajuste do plano para 16 de novembro, após o primeiro turno das eleições.

Contudo, o Estado alegou que problemas no sistema do Ministério da Saúde atrasaram a obtenção dos dados e o anúncio foi remarcado e feito em 30 de novembro, um dia após a eleição em que Bruno Covas (PSDB), foi reeleito prefeito.