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O último trem para o conflito em Gaza

Thomas L. Friedman

29/10/2014 00h01

Quando o secretário de Estado, John Kerry, deu início ao seu esforço intensivo para obter a paz entre israelenses e palestinos, eu argumentei que era o último trem para a solução entre os dois Estados. Se não funcionasse, isso significaria que o conceito de cima para baixo, elaborado diplomaticamente, de dois Estados estaria encerrado como saída para aquele conflito. Para israelenses e palestinos, o próximo trem seria aquele que passaria por cima deles.

Bem, agora chegando na plataforma 1...

Esse trem apareceu primeiro na guerra de Gaza e em breve pode fazer uma curva na Cisjordânia. Na semana passada, um palestino de Jerusalém Oriental matou um israelense de três meses e feriu sete outras pessoas, ao atirar seu carro deliberadamente contra uma estação de um veículo leve sobre trilhos.

Uma colisão maior pode ser evitada? Não por Washington. Isso só pode ser feito por israelenses e palestinos, agindo por conta própria e tratando diretamente entre eles, com verdadeira imaginação, para converter o que agora é uma "interdependência não saudável" em uma "interdependência saudável".

"Nunca acontecerá!", você diria. Na verdade, esse modelo já existe entre os ambientalistas israelenses, palestinos e jordanianos –eu falarei mais sobre isso em um segundo– e o exemplo dado por eles é a melhor esperança para o futuro.

Aqui está o motivo: a direita israelense atual, liderada pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, tem argumentos realmente fortes para manter o status quo –argumentos que, a longo prazo, são mortais para Israel como um Estado democrático judeu.

"É a definição de tragédia", disse o filósofo Moshe Halbertal, da Universidade Hebraica. "Você tem todos esses argumentos realmente bons para manutenção do status quo, mas que destruirão você."

Que argumentos? Israel atualmente está cercado em quatro de cinco fronteiras –sul do Líbano, Gaza, Sinai e Síria– não por Estados, mas por milícias, trajadas como civis, armadas com foguetes e aninhadas entre civis. Nenhum outro país enfrenta uma ameaça como essa. Quando comandantes israelenses nas colinas de Golan olham para a Síria atualmente, eles veem consultores militares russos e iranianos, ao lado de unidades do exército sírio e milicianos do Hizbollah do Líbano, combatendo as milícias jihadistas sunitas –e geralmente os jihadistas vencem. "Eles são muito mais motivados", me disse uma autoridade de defesa israelense.

Trata-se de uma cena que não inspira tomada de risco na Cisjordânia, que fica ao lado do único aeroporto internacional de Israel. O fato de os israelenses terem se retirado unilateralmente de Gaza em 2005, para então o Hamas ter assumido ali em 2007 e dedicado grande parte de suas forças a combater Israel, em vez de construir a Palestina, também não inspira tomada de risco para mudança do status quo. Israel ofereceu ao Hamas um cessar-fogo passados oito dias da guerra de Gaza, mas o Hamas optou por expor sua população à vasta destruição e morte por mais 43 dias, na esperança de gerar pressão global sobre Israel para que fizesse concessões ao Hamas. Foi doentio, fracassou e é o motivo para alguns habitantes de Gaza estarem no momento tentando fugir do domínio do Hamas.

Diplomaticamente, em 17 de março o presidente Barack Obama ofereceu pessoalmente, face a face, um meio-termo nos principais pontos do acordo elaborado por Kerry ao presidente palestino, Mahmoud Abbas, e perguntou a este à queima-roupa se os aceitava. Obama ainda está aguardando a resposta.


Netanyahu e Abbas aceitaram alguns pontos, mas nenhum aceita toda a estrutura de Kerry. Assim, o status quo permanece. Mas não se trata de um status quo normal. Ele fica mais tóxico a cada dia. Se Israel mantiver a Cisjordânia e seus 2,7 milhões de palestinos, ele criará um Estado multissectário, multinacional, muito maior dentro de si, com uma religião/nacionalidade dominando a outra –exatamente o tipo de Estado que está explodindo em guerras civis ao seu redor.

Além disso, quanto mais perdura o status quo, prossegue a expansão de assentamentos por Israel na Cisjordânia, promovendo ainda mais perda de legitimidade israelense ao redor do mundo. Logo após a guerra de Gaza, na qual os Estados Unidos basicamente defenderam os israelenses, Israel anunciou a tomada de cerca de 400 hectares de território da Cisjordânia para assentamentos perto de Belém. "Não se preocupem", disseram as autoridades israelenses, explicando que seriam terras que Israel manteria em um acordo de dois Estados. Isso não seria problema se Israel também delineasse as áreas que seriam dos palestinos –e parassem de construir assentamentos ali. Mas não é o que acontece. Isso só pode levar a problemas.

"Ironicamente, grande parte da atividade israelense de assentamentos ao longo do ano passado ocorreu em áreas que plausivelmente seriam de Israel em qualquer mapa de paz", disse David Makovsky, um membro da equipe de Kerry, que agora está de volta ao Instituto Washington. "Mas, como Israel se recusa a declarar que restringirá as atividades de assentamentos a essas áreas, os outros também não fazem essa distinção. Em vez disso, é criada a percepção de que Israel não é sincero a respeito da solução de dois Estados –alimentando a perda de legitimidade entre os europeus. A mensagem legítima de segurança de Israel se perde porque parece para alguns se tratar na verdade de ideologia." O ex-negociador de paz americano, Dennis Ross, acrescenta: "Se você diz estar comprometido com os dois Estados, sua política de assentamentos precisa refletir isso".

A propósito, "em vez de tentar pensar em uma solução criativa para esse problema", disse Halbertal, Israel está fazendo o oposto –"trazer o problema geopolítico regional para nosso quintal e empurrar para um beco sem saída os elementos na sociedade palestina que preferem a não violência. Nós estamos tacando fogo em nós mesmos com os melhores argumentos."

Há alguém tentando desenvolver uma interdependência saudável? Na semana passada, eu recebi a visita da EcoPeace Middle East, liderada por Munqeth Mehyar, um arquiteto jordaniano; Gidon Bromberg, um advogado ambiental israelense; e Nader al-Khateeb, um especialista em água palestino. Sim, eles viajam juntos.

Eles vieram a Washington para alertar sobre a crise de água em Gaza. Com pouca eletricidade para dessalinizar a água ou bombear cloro –e os habitantes de Gaza já exploraram em excesso seu único aquífero– a água salgada agora está se infiltrando seriamente, a ponto de água doce estar escassa. A gestão de esgoto também entrou em colapso, de modo que esgoto não tratado está sendo despejado no Mediterrâneo, onde é levado para o norte pela corrente, ameaçando a água potável produzida pela usina de dessalinização de Israel, em Ashkelon. É tudo um só ecossistema. Todos estão conectados.

No norte, entretanto, a EcoPeace ajudou a inspirar –por meio de educação, pesquisa e defesa– prefeitos israelenses, palestinos e jordanianos a recuperarem o Rio Jordão, que tinham transformado em um esgoto a céu aberto. Desde 1994, a Jordânia armazena água no inverno de seu Rio Yarmouk no Mar da Galileia de Israel, e então Israel devolve à Jordânia no verão –como um banco de água. Isso mostra como "ex-inimigos podem criar interdependências positivas assim que passam a confiar um no outro", disse Bromberg.

E é disso que se trata. A única fonte de segurança duradoura não é muros, foguetes, votos na ONU ou manifestações europeias. São as relações de confiança entre vizinhos que criam interdependências saudáveis –ecológicas e políticas. Elas são as coisas mais difíceis de construir, mas também as coisas mais difíceis de quebrar quando estão estabelecidas.