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Jovem que teve 70% do corpo queimado em incêndio em Santa Maria tem morte cerebral confirmada

Do UOL, em São Paulo

29/01/2013 21h11Atualizada em 29/01/2013 23h07

O primeiro caso de morte entre os feridos no incêndio que atingiu a boate Kiss, em Santa Maria (RS), foi confirmado pela Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul. Devido a gravidade dos ferimentos sofridos, Gustavo Marques Gonçalves, 25, teve o diagnóstico de morte encefálica confirmado às 18h01 desta terça-feira (29). O rapaz teve mais de 70% do corpo queimado.

O paciente foi transferido a Porto Alegre às 13h49min de domingo (27) já em estado crítico, com extensas e profundas queimaduras. Com a confirmação desta morte, chega a 235 o número de óbitos em consequência da tragédia em Santa Maria.

Em entrevista coletiva concedida mais cedo, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, há ainda outros 74 pacientes em estado crítico com risco de morte. "Nem todos eles, no entanto, necessitam de transplante de pele."

Em Santa Maria, de acordo com o ministro, há 64 pacientes internados, sendo que 27 deles permanecem entubados, respirando por ventilação mecânica. "Existem ainda mais 54 pacientes respirando com a ajuda de aparelhos internados em hospitais de Porto Alegre e Canoas", completou. Padilha disse também que durante esta terça-feira, alguns feridos receberam alta e outras pessoas que escaparam com vida do incêndio foram internadas para observação. "Mas houve uma redução da procura de outros casos de pneumonite química."

Depoimentos

Uma menina morreu em meus braços. Senti seu coração parar de bater

sobrevivente da tragédia em Santa Maria

Até o momento, encontram-se internados na região metropolitana de Porto Alegre 58 pacientes transferidos de Santa Maria, sendo que três evoluíram bem durante esta terça-feira e já não precisam de respiração por ventilação mecânica. Em Ijuí, há um paciente internado em UTI, mas sem necessidade de ventilação mecânica, e em Santa Maria, 62, sendo 28 em UTI (20 no Hospital de Caridade, 3 no Universitário e 5 São Francisco) e 34 em enfermarias ou em observação.

Em Porto Alegre, no Hospital de Clínicas há 17 internados, (dois sem ventilação mecânica); no HPs há 6; na Santa Casa há 9; no Cristo Redentor, 5; no Conceição, 8; no Moinhos do Vento, 4; no Mãe de Deus, 6 (1 sem ventilação mecânica). No Hospital Universitário de Canoas, há 3 e no Hospital de Ijuí, 1 sem ventilação mecânica.

Em Santa Maria, há 20 internados no Hospital de Caridade, três no Hospital Universitário e 5 no Hospital São Francisco, sendo um sem ventilação mecânica.

Investigações

O delegado que chefia as investigações do incêndio que matou 235 pessoas na boate Kiss em Santa Maria (a 301 km de Porto Alegre), Marcelo Arigony, disse nesta terça-feira (29) que o estabelecimento não possuía ao menos dois tipos de alvará de funcionamento desde 2012, e havia feito reformas “ao arrepio de qualquer fiscalização, por conta e risco dos proprietários”.

As declarações foram dadas durante entrevista coletiva na qual delegados e promotores criminais do caso fizeram um balanço das ações de investigação e das coletas de prova documentais e testemunhais até o momento.

De acordo com Arigony, a Kiss estava sem alvará de prevenção a incêndio desde 10 de agosto do ano passado, e sem alvará sanitário desde 31 de março do mesmo ano.

“Pelo que apuramos, há uma série de irregularidades no local, mesmo porque havia mais gente que as 691 pessoas autorizadas pelo alvará vencido”, disse o delegado. “E as reformas lá dentro, pelos relatos que tivemos, foram ao arrepio de qualquer fiscalização, por conta e risco e feitas de forma temerária. Mas isso ainda vai ser confirmado pela perícia técnica”, declarou, salientando que a maior parte das provas coletadas até agora são oriundas de depoimentos de testemunhas.

O delegado também falou sobre extintores supostamente falsificados, falta de iluminação de emergência e o uso de sputniks de uso externo, "por uma questão de economia", como sendo as principais irregularidades destacadas pela Polícia Civil. "Pela prova testemunhal, temos indícios de que os extintores da casa não funcionavam ou mesmo podiam ser falsificados", citou Arigony.

"Já o sputnik [artefato pirotécnico] usado pela banda era um elemento para ser jogado ao ar livre, e os responsáveis sabiam disso. E mesmo sabendo disso, quem o jogou no ambiente fechado usou aquele que é mais barato por uma questão de economia: ao ar livre, se usaria o sputnik de R$ 2,50. Para ser usado ali dentro, teria que ser um de R$ 70".

O delegado afirmou ainda haver indícios, conforme os depoimentos, de que as iluminações de emergência da boate não estivessem funcionando adequadamente. Para Arigony, isso fez com que, por exemplo, muitos jovens corressem para os banheiros da Kiss pensando ser saídas de emergência. Com isso, morreram asfixiados.

"Por uma série de circunstâncias, esta casa não deveria estar funcionando", atestou o policial, pouco antes de a entrevista coletiva ser interrompida por um grupo de manifestantes que pediam justiça e gritavam em coro: "Prefeitura omissa, queremos Justiça". 

Mais de 40 pessoas já foram ouvidas pela Polícia Civil em Santa Maria, e quatro suspeitos pela tragédia estão presos --dois músicos da banda Gurizada Fandangueira, que se apresentava na boate, e os sócios do estabelecimento, Elissandro Callegari Spohrs e Mauro Hoffmann.

A reportagem tentou contato com os advogados dos dois empresários, mas eles não atenderam as ligações. Minutos antes da entrevista do delegado, a Prefeitura de Santa Maria se isentou de responsabilidade no caso.

Desrespeito às leis estaduais

Conforme apuração feita pelo UOL, a boate Kiss não poderia funcionar, segundo as leis do Rio Grande do Sul. Um decreto estadual de 1998, válido em todo o território gaúcho, obriga casas noturnas construídas em casas térreas a terem ao menos duas saídas, sendo uma de emergência, em lados opostos do imóvel.

O estabelecimento onde aconteceu a tragédia tinha apenas uma porta que funcionava como entrada e saída, o que dificultou a saída dos clientes quando o fogo começou e obrigou os bombeiros a abrirem um buraco na parede externa para auxiliar no salvamento.

Prisões

O incêndio começou por volta das 2h30 de domingo (27) na boate Kiss, localizada no centro de Santa Maria --região central do Estado. Ao todo, 235 pessoas morreram. A maioria das pessoas que estavam na festa, promovida por alunos da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), morreu asfixiada.

A Justiça decretou a prisão preventiva de dois músicos da banda Gurizada Fandangueira --o  vocalista Marcelo dos Santos e o produtor Luciano Leão--, bem como dos empresários Mauro Hoffman e Elissandro Spohr, apontados como donos da casa noturna.

As prisões foram motivadas por indícios de que eles estariam prejudicando as investigações com o desaparecimento ou com a manipulação de provas. A informação é da promotora criminal Waleska Flores Agostini, representante do Ministério Público na investigação do caso, que disse que o aparente sumiço de imagens do circuito interno de câmeras da boate caracterizaria obstrução.

Os bens dos donos da boate Kiss também foram bloqueados, a partir da autorização do juiz plantonista do Fórum de Santa Maria (RS), Afif Simões Neto. Ele deferiu o pedido da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, que também abrange eventuais bens registrados em nome da boate como pessoa jurídica.