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Perito e sobreviventes de massacre encerram primeiro dia de júri do Carandiru

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

15/04/2013 20h35Atualizada em 16/04/2013 12h37

A remoção de cadáveres dos locais em que 111 presos foram assassinados e o sumiço de ao menos 200 cápsulas deflagradas durante o massacre são os indícios que de a polícia não queria que fosse feita perícia no pavilhão 9 do complexo penitenciário do Carandiru após a invasão de 2 de outubro de 1992.

A afirmação foi feita em juízo pelo perito aposentado Osvaldo Negrini Neto, responsável pelo laudo no presídio à época em que a Polícia Militar entrou no local com o pretexto de conter uma rebelião. Negrini Neto foi a quinta testemunha de acusação ouvida nesta segunda-feira (15) no Fórum Criminal da Barra Funda (zona oeste de São Paulo) durante o primeiro dia de júri popular de parte dos policiais que agiram no Carandiru. O depoimento do perito encerrou a fase de oitivas pela acusação --amanhã começam a ser ouvidas as testemunhas de defesa.

Personagens

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“A única coisa que não conseguiram violar foram as marcas das paredes. A história estava escrita nas paredes”, disse Negrini Neto em depoimento.

À época perito criminal do IC (Instituto de Criminalística), ele se referiu ao fato de só ter tido acesso aos andares do pavilhão 9 –nos quais os 111 internos foram assassinados –apenas duas horas depois de ter chegado ao presídio, por volta das 20h30.

O acesso à Casa de Detenção, por sinal, ocorreu sob disfarce: “Fomos eu e o fotógrafo do IC como investigadores, no carro do delegado do 9º DP, porque a polícia afirmava que não havia campo para perícia e que eu deveria voltar outro dia. Ficamos eu, o delegado e o fotógrafo na diretoria do presídio até poder entrar”, relatou.

Uma vez nos pavimentos onde os detentos foram mortos, duas horas depois de chegar, e com a ajuda de um holofote emprestado por um policial, Negrini Neto colheu uma amostra de uma substância que corria “como que em cascata”. “Era sangue. Subimos eu e o fotógrafo, e conte só no saguão 90 corpos empilhados”, disse, para completar: “Parecia que um rio de sangue tinha transbordado ali”.

Conforme o perito, naquela e em outros quatro ou cinco dias seguintes ao massacre ele fez perícias nas celas e constatou que, além de marcas de sangue, havia dezenas de marcas de rajadas de metralhadoras. “No terceiro pavimento [onde morreram mais de 70 presos], vi uma infinidade de celas com buracos de balas (...). Mas não encontrei nenhum projétil, nenhuma cápsula, nada, apenas mais de 200 cavidades”, declarou. “A preservação do local, no mínimo, falhou”.

Negrini Neto confirmou ter recebido da PM armas supostamente apreendidas de presos –a defesa dos PMs, por exemplo, alega que os oficiais agiram para conter uma conter uma rebelião de homens que estariam armados.

Entretanto, o perito aposentado afirmou que, entre as armas que seriam dos detentos, havia cerca de 150 espadas artesanais, feitas de cantoneiras, e marretas feitas de beliches de madeira das celas, cuja origem não era plenamente provada: ele afirmou ter ouvido à época que elas poderiam ter sido jogadas das janelas antes mesmo da entrada dos PMs no prédio, mas salientou que, entre os revólveres, vários estavam com a numeração raspada.

Outras testemunhas

Primeira testemunha a depor no julgamento, o ex-detento Antonio Carlos Dias, 47, afirmou que viu "muitos presos" serem mortos por policiais militares enquanto "escalavam pilhas de corpos" de internos vítimas do massacre.

Já o pedreiro Marco Antonio de Moura, 44, outro sobrevivente do massacre do Carandiru, contou que, embora ferido, não ergueu os braços quando os PMs perguntaram quem estava ferido. "Os presos que estavam feridos e ergueram as mãos nós nunca mais vimos", disse. Ele afirma que foi salvo por um "anjo da guarda".

Outra testemunha a depor nesta segunda-feira, Moacir dos Santos, funcionário da antiga Casa de Detenção do Estado à época, disse que os policiais militares da Rota que entraram no pavilhão 9 a pretexto de conter uma rebelião desrespeitaram uma comissão de negociação que se formava para tentar mediar o conflito e "gritavam como índios, ou como se marcassem um gol".

Júri tem seis homens e uma mulher

O Conselho de Sentença que decidirá o futuro dos 26 policiais militares será composto por seis homens e uma mulher --a grande maioria jovens, aparentando idades entre 20 e 30 anos.

Dois dos réus não compareceram à sessão. Os que estão presentes entraram pelos fundos do fórum, longe da imprensa e do acesso do público ao prédio.

Os jurados foram selecionados em um grupo de 50 pessoas convocadas pela Justiça. Eles devem ter no mínimo 18 anos completos --menos, portanto, que os mais de 20 anos e seis meses decorridos do episódio classificado em 2000 como massacre por parte da OEA (Organização dos Estados Americanos).

O júri chegou a começar na última segunda (8), mas teve que ser adiado porque uma jurada passou mal e foi dispensada. Pelas regras judiciárias, uma vez sorteados os sete jurados que formam o Conselho de Sentença, a saída de algum deles implica em se formar um novo conselho.

Para isso, o Tribunal de Justiça de São Paulo convocou mais 33 pessoas, além de 17 das 50 convocadas semana passada, a fim de realizar novo sorteio.

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