Contradições marcam interrogatório de 2º PM ouvido no júri do Carandiru
Contradições em relação a afirmações fornecidas em Inquérito Policial Militar 25 dias após o massacre no Carandiru, em 1992, e em relação a depoimentos de defesa e acusação prestados esta semana marcaram o interrogatório do segundo réu ouvido nesta sexta-feira (19) no júri de 26 PMs, no Fórum Criminal da Barra Funda (zona oeste de SP).
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Promovido a major e hoje na reserva, o então tenente Aércio Dornelas Santos, ao ser interrogado pela Promotoria, disse que foram usadas armas como metralhadoras durante a ocupação do segundo pavimento do pavilhão 9, equivalente ao primeiro andar e onde ocorreram as 15 mortes pelas quais os 26 réus são acusados. Ele se emocionou ao final do interrogatório quando citava, a pedido da defesa, as condecorações da carreira de PM.
Segundo Dornelas, que comandou um dos pelotões da Rota --tropa de elite da PM paulistana-- que ingressaram no pavimento, o armamento pesado é de uso de sargentos e oficiais do Batalhão de Choque (ao qual a Rota pertence) e teriam sido efetuados “um, dois ou três disparos”.
“Houve rajadas de metralhadoras?”, indagou o juiz José Augusto Marzagão. “Não usamos rajada. Não existe braço humano que suporte a metralhadora [durante a rajada], só se ela estivesse dentro de uma morsa isso seria possível. Usamos tiros intermitentes, sempre”.
Em depoimento na segunda-feira (15), primeiro dia de júri, presos ouvidos como testemunhas de acusação disseram --sob juramento– que os PMs desferiram rajadas. Informação semelhante foi prestada pelo perito aposentado Osvaldo Negrini Neto, do IC (Instituto de Criminalística), responsável pela perícia no local. Ele afirmou ter visto marcas de rajadas em várias celas, e não apenas nas do segundo pavimento.
Mesmo o juiz corregedor dos presídios à época, o hoje desembargador Fernando Torres, que depôs como testemunha de defesa na terça-feira (16), afirmou ter ouvido “inclusive rajadas de metralhadoras” após o ingresso das tropas no presídio.
Outro ponto que contradisse informações prestadas nas investigações pelo próprio Dornelas foi sobre a quantidade de corpos de presos que ele disse ter visto no corredor do pavimento após a ação de ocupação.
Segundo ele, em depoimento a um IPM (Inquérito Policial Militar) instaurado em outubro de 1992, haviam sido de “dez a 12 detentos caídos no corredor”. Ao promotor Márcio Friggi, hoje, disse ter visto “cinco, seis ou sete corpos”.
O promotor ainda apontou declaração do réu hoje ao juiz sobre presos que teriam reagido à ação dos policiais da Rota no pavimento. No interrogatório, disse que “houve um estampido, e, na sequência, a luz, então [houve] um revide imediato até a tomada total da ala”.
Um pouco antes, o major dissera que a situação no pavimento era “de penumbra, energia elétrica prejudicada por danos”, de modo que, se um preso estivesse com uma arma branca tal qual um estilete às mãos, não seria possível identificar.
Friggi citou depoimento do réu ao IPM no qual “o senhor disse que viu presos correndo na direção da tropa com estiletes na mão”. “O senhor confirma isso?” O réu pensou por instantes e ratificou a declaração de 20 anos atrás.
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Sobre tiros efetuados por ele próprio, o policial declarou ter efetuado “três ou quatro disparos” durante a ocupação da ala, mas afirmou não saber se algum deles atingiu alguém. Se estava com colete à prova de balas, declarou que “poderia estar usando”, por chefiar parte de um pelotão de até 30 homens que se dividiu em duas partes para acessar o pavimento.
Dornelas reforçou declaração do primeiro réu, Ronaldo Ribeiro dos Santos, ao ser perguntado pelo juiz se havia possibilidade de entrar sem usar arma de fogo: “Não havia outra possibilidade”.
Entrada da Rota foi promovida por Ubiratan
Dornelas disse ainda nesta sexta-feira (19) que a equipe de cerca de 30 homens da Rota comandada por ele só entrou no pavilhão 9 do Carandiru porque o coronel Ubiratan Guimarães determinou uma inversão de tropas, do lado de fora do presídio, em frente ao portão de entrada.
A equipe que entraria não portava armas letais, de acordo com Dornelas, apenas escudos e cassetetes.
A Rota seria usada em casos extremos, “é o emprego de força especial, é o que se usa em um último recurso”, disse.
Assim que houve o comando de Ubiratan, os policiais que estavam à frente abriram espaço para o grupo que estava armado, inclusive com metralhadora. “Tem uma fila, a tropa da frente abre e a outra passa pelo meio.”
A advogada de defesa, Ieda Ribeiro de Souza, perguntou o que teria motivado essa decisão do coronel, ao que o réu respondeu: “um disparo de arma de fogo [dentro do presídio] foi o que levou o coronel Ubiratan a determinar a inversão da tropa.”
Usando a projeção da planta do andar que foi ocupado pela tropa comandada por Dornelas, a advogada perguntou sobre disparos de arma de fogo assim que o grupo entrou no pavimento. O major reafirmou que ouviu “um estampido de tiro” da posição onde estava, ainda na escadaria que dava acesso ao andar, à frente.
“Não vi o clarão, mas ouvi o estampido. Houve sim um disparo [da tropa] na direção de onde veio o estampido."
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