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Interrogatórios reforçam tese de que PMs revidaram tiros de presos no Carandiru

Janaina Garcia e Gabriela Fujita

Do UOL, em São Paulo

19/04/2013 21h05

Policiais militares da Rota reforçaram em interrogatórios nesta sexta-feira (19) no júri pelo massacre no Carandiru a tese da defesa de que não é possível individualizar a conduta de cada um deles em relação aos 15 homicídios dos quais são acusados. Os militares reforçaram ainda a tese de que os PMs agiram diante de presos armados –dos quatro interrogados, dois ficaram feridos na ação.

Os interrogatórios foram a última etapa antes da fase dos debates entre acusação e defesa, marcada para este sábado (19). É ela que antecede a reunião do Conselho dos Jurados, na qual será analisado se os réus são culpados ou inocentes.

Dos 26 réus, 24 deles presentes, 20 preferiram se manter em silêncio. Dos quatro interrogados, dois comandaram pelotões que agiram para conter a suposta rebelião, ambos, no segundo pavimento, e dois era oficiais na linha de frente. Todo o grupo admitiu ter efetuado disparos, mas negou que tivesse visto se matou ou atingiu algum detento.

Os interrogatórios foram fechados com o capitão do Corpo de Bombeiros Marcos Ricardo Poloniato, à época soldado e mais novo oficial da Rota em atuação no pelotão que ingressou no segundo pavimento.

De acordo com ele, que afirmou ter atirado duas vezes, os disparos foram feitos por ele “na direção de onde vinham os estampidos. Não sei se atingiu alguém”, definiu. Indagado pelo juiz José Augusto Marzagão, a partir das perguntas dos jurados, se era possível entrar sem armas de fogo no local, Poloniato negou e alegou: “Em defesa da nossa vida, da própria vida. Precisávamos fazer aquela ocupação e estávamos recebendo tiros”.

Poloniato foi um dos 22 feridos na ação, segundo números do Ministério Público. Indagado pelo promotor Fernando Silva sobre o ferimento e sobre exames feitos à época, citou que o ferimento a bala havia sido no antebraço esquerdo e que o exame foi feito à época no IML (Instituto Médico Legal). Silva mostrou aos jurados laudo do IML com o ferimento no antebraço e laudo do Hospital Militar o qual apontou outro ferimento no mesmo braço, mas logo abaixo do ombro. Indagado, o réu respondeu que o laudo do hospital estava errado.

Terceiro a depor, e também oficial de linha de frente no segundo pavimento, o sargento reformado e hoje advogado Marcos Antônio de Medeiros foi o único dos quatro PMs a admitir o uso de metralhadora –mas negou que tivessem sido rajadas, e sim, tiros intermitentes.

Medeiros teve ferimento na cabeça durante a ação –de um pedaço de madeira que ele acredita ter sido lançado por presos. Sobre tiros efetuados, admitiu terem sido “três ou quatro”, mas não especificou se presos foram de fato atingidos porque estava na retaguarda do pelotão.

A exemplo de Poloniato, o PM reformado disse que detentos da ala reagiram à ocupação com tiros. “Houve troca de tiros nos corredores”, declarou.

Antes de Medeiros, o interrogado foi o tenente Aércio Dornelas Santos, hoje major da reserva. Ele comandava parte da tropa, reafirmou que ouviu "um estampido de tiro" da posição onde estava, ainda na escadaria que dava acesso ao andar, à frente, e disse ter atirado três vezes.

Já o tenente-coronel da reserva Ronaldo Ribeiro dos Santos, primeiro a ser ouvido e outro comandante de pelotão, declarou que assim que os homens entraram no local, foram ouvidos estampidos e clarões foram vistos, que se foram interpretados como tiros, foram revidados pela PM. Ele também citou três tiros efetuados por ele, mas alegou não se lembrar de alvos atingidos.

Réus têm versões afinadas, mas com divergências

As declarações dos policiais militares apresentaram informações semelhantes em diversos momentos. Além da suposta resistência de alguns presos mesmo diante de PMs armados, praticamente todos citaram tempo de ação no segundo pavilhão inferior a 25 minutos e existência de uma barricada na escada já dentro do pavilhão; nela, haveria um corpo dentro. Entre as alegações da defesa, está a de que a ação da PM foi necessária para conter presos rebelados que estariam pondo em risco a vida uns dos outros.

Entretanto, aspectos nos quais os próprios jurados demonstraram dúvidas --por meio de perguntas aos réus encaminhadas aos juiz --apresentaram divergências.

Os três primeiros réus, por exemplo, disseram que a Rota entrou apenas com armas letais no pavilhão tendo em vista a gravidade da situação. Recruta no dia da operação, Poloniato declarou que os policiais também possuíam cassetetes.

Além disso, Dornelas e Medeiros confirmaram o uso de metralhadora --apenas o segundo, porém, disse ter disparado --, mas negaram que os disparos tivessem sido em rajadas, mas intermitentes. Testemunhas de acusação, como sobreviventes e o perito Osvaldo Negrini, e mesmo da defesa, como o juiz corrregedor de presídios à época, o desembargador Fernando Torres, haviam citado rajadas: o magistrado relatou ter ouvido; os presos, visto, e o perito, as constatado nas paredes de várias celas.

 

Outro ponto em que não houve consenso nos números fornecidos pelos réus foi sobre a quantidade de corpos de presos que eles disseram ter visto no corredor do pavimento após a ação de ocupação. Além das divergências entre eles, de um interrogatório para outro, infrormações que eles mesmos haviam fornecido em depoimento a um IPM (Inquérito Policial Militar) instaurado em outubro de 1992 não batiam com as levadas hoje aos jurados.

Dornelas, por exemplo, citara "dez a 12 detentos caídos no corredor" no IPM. Ao promotor Márcio Friggi, hoje, disse ter visto "cinco, seis ou sete corpos".

O depoimento de Medeiros no IPM e as declarações no interrogatório de hoje apresentaram a maior divergência nesse item --mas em relação ao que declarara à Polícia Civil: de três corpos citados nas duas primeiras instâncias, à Polícia Civil citou que seriam dez. Questionado pela acusação, concluiu que pudessem ser policiais, os restantes: "Talvez sim, se eu contabilizar os que caíram".

Poloniato, por sua vez, estimou que fossem "entre dez e 15 mortos" no corredor após a invasão; hoje, citou "oito". E justificou ao promotor Fernando Silva: "É impossível precisar em função do tempo". Silva quis saber se o PM também poderia ter contado, na estimativa passada, também policiais caídos após ser feridos. "É impossível. Eram só detentos".

 

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