Sem carros de som nem partidos políticos, Paris marcha em silêncio contra o medo
Quando cheguei à praça da República neste domingo (11), algumas horas antes do previsto para o início da marcha que reuniu 1,3 milhão de pessoas em Paris, imaginei que toda aquela gente encasacada e com olhar tranquilo iria caminhar com força e gritar a plenos pulmões pelas ruas da capital francesa.
Parecia que eles estavam apenas se aquecendo, guardando para logo mais o desabafo contra o terror e o ódio a ser demonstrado para as câmeras de todo o mundo.
Foi o contrário. Faltando pouco para a passeata começar, a praça estava completamente ocupada, mas nada de carro de som, megafones ou bandeiras estampadas com legendas políticas.
E era como se todos ali já se conhecessem de algum lugar, como se fossem vizinhos de bairro ou antigos colegas de escola. Nem mesmo policiais fardados estavam entre os manifestantes.
No meio de tantas pessoas, um homem de meia-idade aguardava sentado no meio-fio da calçada da praça, lendo seu livro, como se estar ali fosse o mais natural a se fazer em uma situação inédita e de alerta máximo em seu país.
Pontualmente às 15h, começamos a andar. Mas só demos alguns poucos passos. Em 40 minutos, andei uns 10 ou 20 metros. Eu tinha certeza que dali a pouco a multidão iria se acomodar melhor e todos, em algum momento, iriam fazer sua marcha.
Uma hora e meia depois, ainda não estávamos marchando, e sim sendo levados para onde houvesse algum mínimo espaço.
Um francês muito gentil me disse que sua mulher e os filhos tinham ficado em casa e enviavam por mensagens de texto, informações sobre o que de fato acontecia acontecia naquele momento: chefes de Estado de várias nações europeias já tinham caminhado ao lado do presidente François Hollande, em sinal de apoio e condolências, e o destino final da passeata, a praça da Nação [Place de la Nation], estava tão lotado que não era possível chegar até lá.
"Então", perguntei a ele, "por que estamos andando deste lado da avenida e no outro lado as pessoas estão paradas?" "Porque aqui estamos no caminho de volta para casa. Não há como continuar, há muita gente", ele me explicou.
As pessoas do lado de lá, imóveis, ainda tentariam chegar a algum lugar.
Continuei a seguir o fluxo, até que foi possível andar e pensar em como chegar ao metrô. Encontrei três estudantes brasileiros, um deles enrolado na nossa bandeira, que faziam o caminho contrário e estavam dispostos a se juntar à multidão que havia ficado para trás: "A marcha ainda não acabou, vamos tentar chegar a la Nation", me disseram.
Acabei puxando papo também com outras três brasileiras --não consigo ouvir alguém falando português e não dar um oi--, e juntas fomos desviando das inúmeras pessoas que permaneciam nas ruas, com suas placas "Je suis Charlie" e outras variantes.
De repente, me dei conta de que ninguém ali estava muito preocupado em ser furtado, em ser agredido, em ser surpreendido por algo como uma bomba de gás lacrimogêneo ou um jato de spray de gás de pimenta.
"Para onde correr se algo sair errado?", pensei comigo.
Foi a multidão e aquele olhar plácido, que dizia sem palavras "On n'a pas peur" (não temos medo), que me tranquilizou. Aqueles passos silenciosos pelas ruas de Paris tinham ainda mais força do que todos os gritos de protesto.
Alguns fotógrafos e também moradores daquela região assistiam à marcha de suas sacadas. Para eles, um homem alto e de voz potente gritou da rua: "Estamos subindo aí para beber alguma coisa!". Todos riram naquela tarde cinza e fria de homenagens aos 17 mortos nos atentados contra a vida e a liberdade de expressão.
Para ser bem sincera, só depois de chegar ao hotel e ver na televisão, ontem e hoje, as imagens aéreas daquele mar de gente nas ruas, foi que eu pude mesmo me dar conta do que esse dia representou para a cidade, o país e o mundo. E para mim, como cidadã e testemunha desse ato histórico.
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