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De indulto a ameaça de impeachment, veja divergências entre Barroso e Planalto

Temer e o ministro do STF têm protagonizado embates -
Temer e o ministro do STF têm protagonizado embates

Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

15/03/2018 04h00

As divergências entre o Palácio do Planalto, de onde despacham o presidente Michel Temer (MDB) e seus auxiliares mais próximos, e o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso, se tornaram de conhecimento público há algumas semanas e, nesta terça-feira (13), atingiram um novo patamar.

Em meio a críticas a Barroso por ter limitado o indulto de Natal decretado por Temer em dezembro do ano passado, o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, responsável pela articulação política do governo, ameaçou se licenciar do cargo e voltar à Câmara dos Deputados apenas para protocolar um pedido de impeachment contra o jurista. Isso porque parlamentares podem fazer o pedido ao Senado. Cabe ao presidente da Casa, Eunício Oliveira (MDB-CE), autorizar ou não a abertura do processo.

Nesta quarta (14), em palestra em uma faculdade, Barroso afirmou que "elogio ou crítica" não fazem diferença quando se sabe estar cumprindo "a missão da vida da gente", sem fazer referência direta a Marun.

Relembre os embates entre o ministro Luís Roberto Barroso e o Palácio do Planalto:

Barroso intima Segovia após declaração
No início de fevereiro, o então diretor-geral da Polícia Federal Fernando Segovia disse, em entrevista à agência de notícias Reuters, que o inquérito dos portos – que investiga se Temer editou decreto com benefícios a empresas do setor em troca de propina – tenderia a ser arquivado e que não havia indícios de crimes praticados pelo presidente.

O ministro Barroso, responsável pelo inquérito no Supremo, escreveu em despacho que a fala "é manifestamente imprópria e pode, em tese, caracterizar infração administrativa e até mesmo penal" e ressaltou que os delegados devem ter autonomia nos trabalhos. Barroso então intimou Segovia para que desse explicações sobre a fala. Este se comprometeu a não falar mais sobre o caso. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, chegou a pedir ao STF ordem judicial para impedir que Segovia interferisse nas investigações.

Fernando Segovia participou da cerimônia de posse de Jungmann - Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo - Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo
Fernando Segovia participou da cerimônia de posse de Jungmann
Imagem: Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo

O ex-diretor-geral da PF havia tomado posse em novembro com o apoio de Temer. Após o desgaste, foi demitido no final de fevereiro. Antes, Segovia havia protagonizado outros episódios polêmicos.


Quebra de sigilo de Temer
Como relator do inquérito dos portos no STF, o ministro Barroso determinou a quebra de sigilo de Temer, um dos investigados no caso, e de pessoas próximas ao presidente, como o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures. É a primeira vez que um presidente da República no exercício do mandato tem informações financeiras requisitadas por ordem da Justiça. O presidente informou que pediu os dados ao Banco Central e divulgará todos os extratos à imprensa, o que não havia acontecido até a publicação desta reportagem.

Temer e equipe entenderam ser melhor não recorrer da determinação a fim de não passar mensagem de que o presidente tem algo a esconder, mas pediram para ter acesso à decisão do ministro com a medida. Barroso autorizou o acesso à defesa de Temer “tão logo esteja documentada nos autos a prova decorrente das diligências sigilosas deferidas”. Ou seja, quando todas as provas coletadas por meio de determinação judicial entrarem no processo.

Suspeita de vazamento de informações
No meio do processo da quebra de sigilo de Temer, enquanto a defesa deste tentava acesso à decisão de Barroso, o ministro do STF determinou que fosse investigado um suposto vazamento de informações sobre a decisão. O ministro afirmou que, em pedido ao Supremo, a defesa de Temer fez referências a dados sigilosos do processo e que não deveriam ser conhecidos pelos advogados naquele momento.

A defesa de Temer negou qualquer irregularidade e afirmou que as informações foram retiradas do portal do próprio STF.

Ministro do STF Luís Roberto Barroso - Nelson Jr. - Nelson Jr.
Além de ter modificado indulto de Temer, Barroso é relator de inquérito dos portos no STF
Imagem: Nelson Jr.

Indulto de Natal
Em dezembro do ano passado, Temer decretou indulto de Natal com regras menos rígidas para a liberação de presos não reincidentes condenados por corrupção, lavagem de dinheiro e desvio de dinheiro (peculato), também conhecidos como “crimes do colarinho branco”.

Após pedido de Raquel Dodge e críticas às atenuações por supostamente esvaziar a operação Lava Jato, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia – de plantão no recesso judiciário –, suspendeu parcialmente o indulto. Na volta das férias, Barroso manteve a liminar de Cármen e liberou o caso para ser analisado pelo plenário. No entanto, o processo ainda não foi pautado.

Pela decisão do ministro, o indulto fica revogado aos condenadores por crimes do colarinho branco, como corrupção, lavagem de dinheiro e desvio de dinheiro público (peculato). A possibilidade do perdão judicial de multas impostas como parte da pena, benefício previsto no decreto de Temer, está suspensa.

Barroso também estabeleceu que os condenados devem ter cumprido ao menos 1/3 da pena para receber o indulto – pelo decreto, esse tempo era de 1/5 da pena – e não podem ter sido condenados a mais de oito anos de prisão – limite que não existia no texto original.

22.dez.2017 - Presidente Michel Temer no Palácio da Alvorada, em Brasília - Adriano Machado/Reuters - Adriano Machado/Reuters
O presidente Michel Temer publicou o decreto de indulto em dezembro
Imagem: Adriano Machado/Reuters
O governo recorre das restrições por meio da AGU (Advocacia-Geral da União), que pediu prioridade na análise do caso pelo plenário do Supremo. O Planalto entende que Barroso foi além de suas atribuições, pois a definição do indulto caberia somente a Temer.

O ministro da Justiça, Torquato Jardim, afirmou que Barroso "invadiu competência exclusiva" do presidente da República determinada pela Constituição ao mudar as regras, antecipou o mérito da questão e subtraiu a prerrogativa do plenário do STF em julgar o caso. Para Jardim, precedentes do próprio tribunal entenderam que o conteúdo de indultos é prerrogativa estritamente da Presidência.

Marun avalia impeachment de Barroso
Nesta terça, o ministro Carlos Marun subiu o tom nas críticas, falou que Barroso tem "motivação político-partidária" junto ao PT (Partido dos Trabalhadores). Como justificativa, citou o fato de Barroso ter sido indicado ao Supremo pela ex-presidente petista Dilma Rousseff, ter sido advogado do italiano Cesare Battisti – condenado à prisão perpétua por terrorismo e assassinato na Itália –, e não ter tido atitude tão rígida ao analisar indultos natalinos "semelhantes" decretados por Dilma.

Marun lembrou que indulto natalino de Dilma beneficiou José Genoíno, José Dirceu e Delúbio Soares, todos filiados do PT. Na coletiva, questionou quais seriam os condenados por corrupção que seriam beneficiados pela medida de Temer e afirmou não conhecer nenhum.

Carlos Marun e Michel Temer - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, ao lado do presidente da República, Michel Temer
Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

O ministro da Secretaria de Governo ainda informou avaliar entrar com pedido de impeachment contra o magistrado. Para tanto, teria de se licenciar do ministério e protocolar o pedido enquanto deputado federal. Segundo Marun, ele pediu estudos sobre a viabilidade da ação junto a advogados “de sua confiança” e preferiu não citar nomes.

O responsável pela pasta de articulação política também evitou dizer se a declaração é apenas uma bravata para constranger Barroso ou se realmente deverá colocar o plano em prática. Ainda assim, mesmo que o faça, a abertura de um eventual impeachment só pode ser autorizada por Eunício Oliveira.